Precisamos Falar Sobre Kevin

“Precisamos Falar Sobre Kevin”- “We Need to Talk About Kevin”, Estados Unidos, 2011

Direção: Lynne Ramsay

Choque. Na tela, a câmara se aproxima por cima, de uma cena que nos parece, ao mesmo tempo, sensual e macabra. Orgia de sangue? Sacrifícios humanos? Uma moça é levantada por mãos anônimas e é jogada num líquido vermelho que tinge a todos na cena.

Mas não é o que parece.

E quando nosso coração se acalma e estamos esperando ver uma madona com sua criança, o que vem é um novo susto.

Uma alma penada arrasta o carrinho de um bebê que não pára de chorar.

Atordoada, procura as britadeiras, que furam com estrépito as entranhas da cidade, para, no meio delas, não escutar os gritos que não cessam.

O que pode ser mais aterrador para uma mãe do que um bebê que ela não pode ou não consegue acalmar?

Há algo muito estranho nessa dupla. Mas por que?

Quando o pai chega e pega o filho tranqüilo nos braços, a mãe suada e jogada no sofá, balbucia:

“- Não faça isso… Acabei de conseguir colocá-lo para dormir… Não parou de chorar o dia inteiro…”

Estranhamente não há choro com o pai.

E a nossa primeira impressão é de que aquela mãe é no mínimo muito pouco maternal. Em nossas fantasias idealizadas só existem mães que amam os seus bebês, que as preferem a tudo no mundo. No escuro do inconsciente há o reverso da medalha, mas não queremos pensar nisso…

Como no início do filme, nada é o que parece ser.

Naquela dupla, existe a repulsa, o amor aparece como medo e tortura e nos encolhemos quando vemos, com o passar dos anos, o quanto aquela mãe vai sofrer.

Ela é Eva, interpretada com brilho por essa magnífica atriz, Tilda Swinton.

Aliás, “Precisamos Falar Sobre Kevin” é a injustiça maior do Oscar desse ano. Não indicar para o prêmio essa atriz que não tem medo de nenhum papel e cuja entrega a eles é sempre total, é o cúmulo da falta de sensibilidade dos membros da Academia.

E por que excluir das indicações o jovem Ezra Miller que faz o psicopata Kevin com perfeição?

Para não falar também de John C. Reilly, o pai, contraponto essencial que faz tudo ser tão impressionante nesse filme.

Grandes atores. Talentosa diretora, a escocesa Lynne Ramsay, premiada em Cannes por seus curtas “Small Deaths” e “Kill the Day”.

Pesadelo que não se perde em explicações indisponíveis,

“Precisamos Falar Sobre Kevin” merece ser visto por quem gosta de um cinema de nível excepcional.

Este post tem 0 Comentários

  1. Yuri Seródio disse:

    Parabéns Eleonora!!! Seus textos sempre incríveis e, claro, sempre as melhores dicas!!!

    Beijos e muito sucesso!!!

  2. Eleonora Rosset disse:

    Yuri querido,
    Adorei seu comentário e elogios! Aonde eu arranjo forças para escrever depois de um diade trabalho duro?
    Com pessoas como vc , Yuri, que valorizam meus textos! Obrigada e mts bjs

  3. Ah, como eu adoraria ler um livro onde a analista contasse o q lhe vai pela cabeça depois de um dia de trabalho duro como esse.
    Aliás, eu adoraria q a analista contasse o q passa por sua cabeça, enquanto está com seu analisando.
    Será q é invasivo demais?

    • Eleonora Rosset disse:

      Sylvia minha querida,
      A/o analista não fala sb o que se passa na cabeça dela/e até ela/e ter certeza que servirá para o/a paciente.
      De que adiantaria fazer análise com alguém que não presta atenção em nós?
      Claro que pela cabeça do/a analista passam mil coisas que não tem a ver com a análise mas…às vêzes tem . E isso só fica claro para o/a analista que tem treino.
      Mas analista não é múmia nem Freud. O humano do/a analista sp transparece. Afinal aquilo é uma relação de gente. Mas o/a paciente sabe bem diferenciar esses momentos dos outros, não é mesmo? Bjs

  4. Sandra disse:

    Acabei de assistir o filme.

    No filme fica claro que as pessoas tendem a culpar a mãe pelos erros do filho, e apesar de ser também claro que ele tinha uma doença (o que não é culpa de ninguém), não há como deixar de pensar que a falta de conexão entre os dois tenha influenciado na personalidade que o garoto desenvolveu (assim como a permissividade do pai, naturalmente).

    Até sinto empatia pela personagem da mãe nesse filme.
    Não sou do tipo que acha que toda mulher nasceu com instintos maternais, e eu mesma sei que não os tenho, e por isso não pretendo ter filhos. Para mim só não ficou claro o porquê dela continuar visitando o filho na cadeia. Sei lá… eu teria me afastado dele muito antes do pior acontecer. Teria deixado o menino com o pai e mudado para o México com minha filhinha desde, pelo menos, o episódio em que a menina perde o olhinho.

    Mas achei emocionante a conversa dos dois no final. Quando ela pergunta a razão de tudo aquilo, e ele diz que pensava que sabia a razão, mas que não tinha mais certeza, senti que ele disse isso porque ele finalmente via que aquela mulher não o abandonara, mesmo depois de tudo o que ela fez, e que se se ela não o amou da forma como seria “normal” uma mãe amar o filho, não tinha sido culpa dela — ela era apenas um ser humano imperfeito, como ele mesmo era…

    Mas realmente não entendi porque ela não se afastou. Talvez seja o caso de ler o livro para saber.

  5. Shirley de Oliveira disse:

    Muito bom seu comentário sobre o filme.Ele realmente é bom,mas o livro é brilhante.E muitas pessoas podem ter alguma dificuldade para entender as sutilezas daquele relacionamento.Aliás um triangulo,com um funcionamento digno ser discutido.Uma riqueza para os profissionais que trabalham nessa área.Sugeri a vários (as)colegas que o lessem,ou vissem o filme e depois lessem o livro.Enfim ,Eleonora que bom encontrar seu site. Livros e filmes são minha paixão,desde sempre.

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