Sem Dor, Sem Ganho

“Sem Dor, Sem Ganho” - “Pain & Gain”, Estados Unidos, 2013

Direção: Michael Bay

“- Meu nome é Daniel Lugo e eu acredito em fitness!”

Quando a rua é tomada por policiais vestidos como se fossem para uma guerra, esse rapaz, torso nu, belo corpo, fazendo abdominais pendurado num “outdoor”, sai correndo apavorado.

A câmera o segue na fuga e, horrorizados, assistimos a um atropelamento. O rapaz voa no ar.

Em “off”, ouvimos uma voz dizer:

“Os acontecimentos que vamos ver, ocorreram entre outubro de 1994 e julho de 1995. E, infelizmente, são fatos reais.”

Assim, nos preparamos para ver a história de Daniel Lugo (Mark Wahlberger, que ganhou 18 quilos para fazer esse papel) e já sabemos que a coisa é feia.

Voltamos no tempo e aquele garoto musculoso é “personal trainer” numa academia, paraíso de “bodybuilders”:

“- É uma pena que nem todos desenvolvam seu potencial. Mas não foi isso que aconteceu comigo. Eu sempre soube que não era como a maioria. Porque na América é assim. Começamos com aquelas colônias fraquinhas e agora somos o país mais malhado e sarado do mundo. É radical!”

Ele olha para uma gorda na esteira e pensa:

“- Não simpatizo com quem desperdiça seus dons. É asqueroso. Mais do que isso. É anti-patriótico.”

E, com essa história de se aprimorar, tudo é válido. Todos os sarados da academia vivem de pílulas, injeções, “bombas”.

Nas horas vagas, Daniel Lugo vende o que não existe, aplicando o dinheiro dos aposentados de Miami em seu próprio bolso, com muita lábia e “cara de pau”:

“- Não é que eu não goste de velhinhos… Gente moribunda na praia… Mas são generosos,” pensa cínico.

Vai parar na cadeia e não aprende nada com isso.

Volta à academia e assiste entusiasmado às aulas de auto-ajuda de um pilantra, Jonny Woo (Ken Jeong):

“- Todo mundo na América ou é realizador ou é um acomodado. Arrumem um objetivo, um plano, vamos fazer da América um lugar melhor”, grita ele.

E, encantado com essa lenga-lenga e com a figura do asiático cercado de mulheres, Lugo resolve ter um plano. Vai sequestrar seu cliente mais rico da academia (Tony Shalhoub), para tirar tudo dele. Para a empreitada, convence dois outros musculosos (Anthony Mackie e Dwayne Johnson) e uma romena ilegal no país, linda e burra, para realizarem “o sonho americano” deles.

Esteróides, strippers e mentiras. Personalidades psicopáticas, sem remorso, só medo de serem pegos, ainda por cima fazem tudo errado. E, a cada erro, aumenta a crueldade do grupo para conseguir o que querem.

Muitos pensamentos em “off”, cores lisérgicas e câmera nervosa em ângulos inusitados, o filme de Michael Bay (“Transformers”, “Armageddon”, “Pearl Harbor”) tem ritmo.

Mas, incomoda muito saber que tudo aquilo aconteceu mesmo e a plateia está rindo.

Em “Sem Dor, Sem Ganho” há crueldade sob uma fantasia de humor negro. Tem também preconceito explícito contra imigrantes que tem o que eles não tem porque nem se esforçam. Vai acabar mal mas, assim mesmo, o exemplo é péssimo.

“- Não quero ter só o que você tem. Quero ser você”, diz Lugo ao sequestrado, pondo em palavras e atos a doença contemporânea de não só invejar o que o outro tem mas, ainda por cima, a vontade de despojá-lo de tudo.

Arrogância e estupidez são uma combinação perigosa.

Ed Harris, fazendo o detetive aposentado, vai ser a pedra no caminho desse bando criminoso.

“Sem Dor, Sem Ganho” é exemplar na demonstração de que a sempre presente selvageria do ser humano, ronda cada um de nós, cada vez mais perto.

 

Este post tem 0 Comentários

  1. Denilson Monteiro disse:

    Ótima resenha e crítica de comportamento. Esse vazio em determinados grupos é realmente preocupante. A história me lembrou “A isca”, filme do Bertrand Tavernier, de 1995, também baseado em acontecimentos reais.

    • Eleonora Rosset disse:

      Denilson querido,
      Obrigada por ser um leitor atento e simpático! Fora a autoridade que vem de vc, um expert em cinema!
      Fiquei mt chocada com o filme e acho que mt gente tb ficou. O que não tira o mérito do diretor e atores que fizeram um filme mt bom. Mas , repito, um mau exemplo, a menos que se veja ” Pain & Gain” como uma fábula moral.
      Não me lembro desse filme mas adoro o Tavernier e vou atrás.
      Bjs

  2. Hugo Ferreira disse:

    Olá Eleonora,
    Obrigado por mais esse brinde…
    Um filme como esse, de fato, nos alerta quanto à selvageria ainda existente em nosso planeta e, para combater a selvageria, por vezes acabamos nos portando de forma selvagem também…Vejo nesse filme uma ótima oportunidade para refletir. Não há efeito sem causa e a causa de tanto desatino, ao que me parece,está no próprio lar, seja pela infância desassistida, seja pela falta da poderosa vacina tríplice que os pais devem aplicar em seus filhos desde o nascimento: a atenção,a afabilidade e a doçura. Penso que,deixando essa vacina de lado, continuaremos assistindo cenas de selvageria…bjos

    • Eleonora Rosset disse:

      Querido Hugo,
      Tem toda a razão. E o pior é que, mesmo com a “vacina” tem gente que é levado pelo impulso selvagem e depois se arrepende mas é tarde demais.
      Por isso todos temos que vigiar o lado selvagem que nunca vai nos deixar.
      Gostei mt do que vc escreveu!
      Bjs

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