Tropicália

“Tropicália”- Brasil, 2012

Direção: Marcelo Machado

 

Quem era jovem em 1964, certamente foi ver, ou ouviu falar do espetáculo “Opinião”, que estreou no Rio de Janeiro em dezembro desse ano, alguns meses depois de instalado no Brasil o regime militar, que derrubou o presidente eleito, João Goulart, com um golpe de estado.

“Opinião” era uma colagem de textos e músicas de protesto contra a situação política do país, cantadas por Zé Kéti e Nara Leão, depois substituída pela baiana Maria Bethania, desconhecida até então. Ficou na nossa memória o rosto forte dela cantando “Carcará”.

Pois bem. Junto com Bethania, veio para o sul seu irmão, Caetano Veloso.

O rapazinho magro, tímido, charmoso, inteligente e principalmente, curioso por tudo, começou a andar com um pessoal que ia ver e fazia teatro, cinema e música, à sombra do regime que ainda não mostrava cabalmente suas garras.

A bossa nova era rainha no terreno musical. E Elis Regina e seu programa na TV Record, apresentado também por Jair Rodrigues, enchiam o teatro da Consolação com estudantes que iam aplaudir “O Fino da Bossa” em 1965. Nesse programa, Caetano e Gilberto Gil foram apresentados ao público, junto com Chico Buarque e MPB4, Toquinho, Maria Bethania, Milton Nascimento e outros.

A Record tinha também o programa “Bossaudade”, apresentado por Elizete Cardoso e “A Jovem Guarda” nas tardes de domingo, comandado por Roberto Carlos.

No rastro do I Festival de Música Popular Brasileira realizado pela TV Excelsior, a Record começou a também fazer festivais.

O II Festival de Música Popular Brasileira foi um sucesso e serviu para mostrar que havia um público dividido. Os que torciam por Geraldo Vandré e a música “Disparada” e aqueles que queriam “A Banda” de Chico Buarque. A confusão foi tanta que deu empate.

Caetano Veloso gostou da “Banda” que era uma marchinha “cinematográfica” e, no próximo Festival da Record, lançou também uma marcha que seria uma novidade e um sucesso instantâneo. Caetano cantou “Alegria, Alegria”, vestindo-se como a jovem guarda de Roberto, de boá no pescoço e perguntando “Por que não?”

O arranjo tinha guitarras elétricas e a sonoridade lembrava os Beatles. Ganhou o primeiro lugar.

No mesmo festival, Gilberto Gil cantou “Domingo no Parque”, também cinematográfica, com enredo e personagens, acompanhado pelos “Mutantes”, o arranjo também com guitarras elétricas e todos vestindo fantasias. Rita Lee, mocinha, chamava a atenção pelo seu “look” londrino. Alienados?

Estavam lançadas as bases de um movimento que sacudiu a música popular brasileira e que foi chamado de “Tropicalismo”. Tudo a ver com a Semana de 1922, Oswald de Andrade, antropofagia, “Macunaima” e “O Rei da Vela”. E também com Hélio Oiticica, sua obra “Tropicália” e os parangolés e no cinema Glauber Rocha com “Terra em Transe” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. E Chacrinha, claro.

O documentário “Tropicália” de Marcelo Machado conta tudo isso com agilidade e beleza, começando pelo fim, quando Caetano e Gil, depois de amargar prisão, foram para o exílio em 1969, quando começaram “os anos de chumbo”, com o AI-5.

A procura de uma síntese de ideias, por vezes contraditórias, foi a marca do movimento tão bem explicado no documentário que faz um painel do Brasil no fim dos anos 60, não apenas cultural mas também político. E mostra que uma coisa tinha tudo a ver com a outra.

Uma linguagem criativa costura fotos, pedaços de programas de TV, de filmes, cenas de rua, capas de LPs, o enterro do estudante Edson Luis, a passeata dos 100 mil, filminhos caseiros de Caetano e Gil no exílio em Londres, a participação deles no Festival da Ilha de Wight em 1970 e a volta ao Brasil.

Tudo isso ao som das músicas e depoimentos do pessoal que fez o Tropicalismo.

Imperdível para quem viveu isso e, principalmente, para quem não viveu isso e precisa saber como foi.

Este post tem 0 Comentários

  1. Eleonora Rosset disse:

    Sonia querida,
    Volta pra fazer seu comentário! O erro já consertou. Bjs

  2. mary-churchill klippstein disse:

    Nesta e´poca nossos artistas eram de primeira qualidade. O que veio mais tarde nao teve o mesmo ni´vel
    e o anda hoje por ai´e´de uma mediocridade iniguala´vel.

    • Eleonora Rosset disse:

      Mary-Churchill querida,
      quando a gente vê aqueles jovens tão criativos, alegres, com opinião própria, falando da vida sem sacanagem, em português correto… A gente volta para o nosso mundo. É por isso que eu continuo só escutando essa turma cantar.Só gosto deles.
      Esse documentário é genial!
      Bjs

  3. Nossa, eu vivi cd minuto disso. Esse filme realmente não perco.

  4. A foto foi naquele aniversário de São Paulo, q o Caetano cantou a música do Chico e falou no palco q a musa tava na frente dele q vc chorou? rsrs
    Foi vc q contou isso, acho q no programa do Amaury…
    Mas,voltando ao Tropicalismo, foi gozado ver q em plena ditadura a música e a cultura em geral, floresciam de forma admirável no Brasil.
    Era uma efervescência impressionante: teatro de arena, cinema novo, poetas, escritores e música, então, nem se fala.
    Só quem viveu, pra atestar isso.
    Qdo veio a abertura política, tudo ficou muito chato ou é saudosismo meu?

    • Eleonora Rosset disse:

      Sylvia querida,
      Que memória, menina! A foto é daquele dia mesmo. Aliás noite. E chovia em SP. Em pleno dia 25 de janeiro , aniversário dr 450 anos.
      Eu chorei mt…
      De emoção, claro.
      Mas vc tem toda a razão . Depois do periodo de efervescência durante a ditadura, tudo ficou mt chato mesmo. Será que artista precisa de pressão para criar?
      O que vc acha?
      Bjs

  5. Cecilia Simonsen disse:

    É tudo da minha epoca,uma musica melhor que a outra! Não deixarei de ver.

    • Eleonora Rosset disse:

      Cecilinha querida,
      Vai mesmo pq vc vai adorar tanto qto eu! É a nossa época, a nossa juventude, uma época que a gente não esquece. Só faltou eu chorar. Aliás meus olhos ficaram marejados com o Caetano cantando Asa Branca…
      Bjs

  6. Maria de Fátima Monteiro disse:

    Caetano é um camaleão,não tem fase melhor,acabei de ouvir “Come Prima” com ele,que repaginada deu na canção. Continua “sendo e acontecendo”

  7. Erandy Bandeira Albernaz disse:

    Eleonora ( e com muita vontade de chamar vc de Lelê, que parece muito mais com a afinidade de espírito que sinto por vc)

    Chorei lá, e estou chorando diante da sua resenha tão linda e tão vivida daqueles tempos.
    Vc estava aqui no começo de tudo, e eu estava na Bahia durante tudo. Amei muito aqueles meninos, vc sabe.
    Bateu forte em mim e vc viu e concordou com o meu depoimento emocionado no face assim que cheguei em casa depois de ver o filme..
    Senti muita falta de Waly, que Dedé chamava de consultor de Caetano, rsrsrsrsrsrrs.
    Que aniversário foi este? Era seu? Caetano se refere a ele em VERDADE TROPICAL. nÃO SEI SE VC VIU.
    vIVEMOS ENTÃO FORTES EMOÇÕES, MINHA QUERIDA.
    Muito obrigada pela sua bela resenha e desculpe os milhões de vc, vc, vc , rsrsrsrsrrs
    Um beijo

    • Eleomora Rosset disse:

      Minha mt querida Erandy,
      Those were the days! Aqueles dias ninguém esquecerá!
      E como é doce trazer ao coração tais lembranças…
      Eu me emocionei, chorei e não queria sair do cinema, queria mais dessa época tão doida e doída por causa da ditadura mas por outro lado tão viva e encantadora com esses queridos baianos alegres e criativos!
      A Sylvia lembrou que a foto que eu coloquei no blog foi do dia dos 450 anos de SP, no show na esquina da Av. Ipiranga com Av. São João. Caetano cantou a capella ” Morena dos olhos d’ água” dizendo que com isso, ele homenageava todas as meninas paulistas! Foi uma noite de surpresas para mim! Não esquecerei jamais!
      Mts bjs da Lelê

  8. Belo e delicioso comentário Eleonora !!! Eu nasci em abril de 64 , ou seja, cheguei ao mundo em pleno golpe militar !!! Lógico que nao me lembro deles nesta época , mas fazem parte de minha vida !! Meu pai chegou a ser preso poucos dias depois do meu nascimento , por trabalhar em um escritório de advocacia em que o titular era um comunista engajado no movimento !! Mas eu convivia muito com meu avo por parte de mae , que era um radical de direita , quando criança e adolescente vc nao tem opinião formada sobre política , mas me lembro muito quando ouvi pela primeira vez “Disparada”e adorei !!! E cresci ouvindo meu pai escutar Chico , Gil , Caetano … ou seja meus ouvidos foram acariciados por eles desde cedo !! E tenho muito interesse e vontade de saber o que aconteceu nesta época .E me emocionei assistindo a este filme que retrata um dos mais importantes movimentos artísticos de nosso pais !! Amei o engraçado Tom Ze , muito inspirado !! E realmente ,Caetano cantando asa Branca eh de arrepiar !!! Ou seja eh um filme para todos e principalmente para os jovens poderem resgatar um grande momento de criatividade de nosso pais !!
    Para quem gosta do tema , aproveitem para assistir tbm “Cara ou Coroa” do Ugo Giorgetti ,que se passa em 1971 , e mostra bem esta época da ditadura !!!
    Bacio

    • Eleonora Rosset disse:

      Marcelo querido,
      Que bom que continuamos em sintonia.
      Para sua geração, é mais importante ainda ver o filme e perceber que a geração que viveu a ditadura não se deixou desanimar e calar a alegria e as propostas de vida que tinham.
      Vc viveu isso através de seu pai. Eu sou como ele. Adoro os baianos, como adoro o Chico até hoje. Escuto mt música do meu tempo. Maria Bethania sem parar.
      O que é interessante no Tropicalismo é essa ” geléia real” que eles fizeram , pegando tudo que era bom e misturando. Samba e guitarra elétrica. O pessoal do samba tradicional abominava…
      Bjs

  9. Celeste Santini disse:

    Eleonora,
    Que bacana, gostamos das mesmas obras no cinema.

  10. Sonia Zagury disse:

    Recomendo o filme TROPICALIA, gostei muito por ser o retrato de uma época que vivi intensamente e digna de um registro como este não só por descrever uma fase política bastante repressiva como para matar as saudades daquelas músicas maravilhosas que já não tocam nas radios e outros veículos de comunicação. Parabéns para “TROPICALIA”

    • Eleonora Rosset disse:

      Sonia querida,
      Acho que quem viveu aqueles dias e tem um mínimo de sensibilidade, só pode se sentir como nós que temos muitas saudades de tudo aquilo!
      Desse ponto de vista, essa geração foi privilegiada pq sentiu a repressão e ao mesmo tempo, viveu ou presenciou a luta contra a mordaça da ditadura!E os meninos baianos nos ajudaram a ter alegria mesmo em tempos difíceis!Qto talento e criatividade!
      Obrigada Sonia por compartilhar comigo essa “Tropicália”!
      bjs

  11. Marco A.Artacho disse:

    Olá Eleonora,
    Vou assistir sim, com muito prazer. Só não concordo com a ideia de que a repressão favorece a criatividade dos artistas. Acredito que o principal motivo de tanta gente boa em todos os campos das artes e esportes daquela época começou com o resgate da autoestima que o governo JK promoveu.

    Marco.

    • Posso pedir uma réplica?
      Da parte q me toca, eu não disse q a repressão FAVORECE a criatividade.
      Eu só disse q na época da maior repressão, a criatividade floresceu em vários sentidos no Brasil: no cinema, no teatro, na música e na literatura.
      Talvez influência do movimento hippie, descoberta da pílula, amor livre e um cenário internacional maravilhoso: Janis Joplin, Jimmy Hendrix e por aí, vai.
      Levou tudo de roldão e o Brasil foi junto, apesar da ditadura.

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