Um Sonho de Amor

“Um Sonho de Amor”- “Io Sono l’Amore”, Itália, 2009

Direção: Luca Guadagnino

Os letreiros são à moda antiga e as primeiras imagens mostram Milão sob a neve.

A fachada de uma vila que parece um palácio enche a tela.

Um alto pórtico de madeira e cristal permite que a luz e o olhar devassem o ambiente de entrada.

Na cozinha, a criadagem e a patroa Emma (Tilda Swinton) lustram a prataria.

Um jantar de aniversário para o patriarca da família está sendo montado na casa de seu filho Tancredi,
casado com Emma, que depois da prataria, faz o “placement” dos convidados. São dezesseis na mesa ovalada onde brilham cristais, velas e porcelanas.

Naquela noite, Edoardo Recchi (Gabriele Ferzetti, 86 anos) vai anunciar seu sucessor na indústria têxtil que leva o nome e a tradição da família:

“- A empresa Recchi vai permanecer para sempre. Mas chegou o momento de eu me retirar e designar meu sucessor.”

Vira-se para o filho:

“- Decidi deixar tudo em suas mãos, Tancredi e nas de seu filho Edoardo. Porque serão necessários dois homens para me substituir.”

Emma beija as mãos do sogro, agradecida.

Após o brinde, deixam a mesa e passam ao living da casa.

Madeiras nobres, janelas amplas com cortinas de tecidos pesados, objetos preciosos, quadros de mestres e um jardim de cactus aos pés da escadaria majestosa, com painéis de rádica, adornam os ambientes da casa palaciana que exibe, assim, um luxo com estilo.

Mas alguém chega inesperadamente. É Antonio (Edoardo Gabriellini), amigo de Edoardo, primogênito de Emma e Tancredi. Traz uma torta que fez especialmente para a mãe do amigo. Juntos querem abrir um restaurante.

“- Mamma! Apresento-lhe Antonio.”

É a primeira vez que se cruzam.

Quando Emma entrevê a partida de Antonio pela janela de seu quarto, sentimos que algo está para acontecer.

“Um Sonho de Amor” é a história de um romance. Mas, mais que isso, mostra como o amor pode levar alguém a descobrir-se.

Ao longo do filme, ficamos sabendo que Emma foi trazida da Rússia por Tancredi que, menos que uma esposa, precisava de um adorno que funcionasse perfeitamente na engrenagem da casa dele. Chamou-a Emma, desconsiderando seu nome verdadeiro e disse para a mãe Allegra (Marisa Berenson, ainda bela):

“- Mamma! Vou me casar com uma mulher mais bonita que você! “

Écos de um Édipo antigo ressoam ainda na geração dos filhos de Tancredi: Edoardo é apegado à mãe e prefere a companhia do amigo Antonio à da noiva. Elizabetta, a filha, busca uma identidade sexual.

E é através deles, jovens e bem nascidos, que Emma vai sentir o primeiro impacto do amor. Sua imagem pensativa entre os adornos do teto do Duomo de Milão, depois de uma conversa com a filha, mostra que algo está mudando nela.

Luca Guadagnino, diretor e co-roteirista do filme lembra a estética de Visconti quando retrata o “way of life” dos personagens da família. Cenários e figurinos elegantes formam um todo harmonioso.

Mas as cenas filmadas em Milão na Villa Necchi Campiglio, construída em 1930, além de passar uma idéia de bom gosto, mostram também como aquela casa presta-se a parecer “um palácio que é metade museu, metade prisão”, nas palavras de Tilda Swinton.

E é Emma que vai concentrar em si, a imagem de toda uma sensualidade nascente, que a câmara de Guadagnino vai mostrar com perfeição. Tilda Swinton, com seu rosto expressivo, vestida de vermelho, tem a luz focada em cima dela. Mais precisamente, em sua boca deliciada, que mastiga e saboreia o prato feito por Antonio com um prazer quase erótico.

Transportada para um outro mundo, o sabor dos camarões descortinam para Emma tudo que palpita e quer viver em suas entranhas.

Uma tragédia vai apressar o tempo e o destino dos personagens.

E nós, na platéia ficamos silentes. Compreendemos aquilo que já sabíamos: o amor é uma força poderosa que dá coragem e ensina o ser humano a mudar o rumo, ou melhor, a encontrar o rumo para a sua vida.

Este post tem 0 Comentários

  1. Sonia Clara Ghivelder disse:

    Querida Eleonora
    A começar pelo libreto da ópera “Andrea Chenier” de Giordano,de 1896, em cuja ária “Mamma morta” encontramos o título desse filme “Io sono l’amore.
    A atriz inglesa Tilda Swinton com seu rosto atemporal que mais parece uma tela em branco permite às suas personagens infinitas possibilidades. Desta vez, nos mostra “Emma,” personagem absoluta deste filme, filigranada por sua atuação magnífica. A sua Emma espelha para si mesma e para o público, o baton e vestido vermelhos expressionistas afinadas com sua ebuliência do lado de dentro. Essa “mamma” não está morta! Ela só não sabia que o enfrentamento com o seu instinto seria uma batalha invencível. Daí a complexidade trágica da personagem.
    A assinatura do diretor Gadagnini se mostra muito pungente nas cenas finais do filme. O nervosismo da personagem é acompanhado pela bela sintonia e sincronia da camera num andamento perfeito e a música de Jonh Adans, que nos faz lembrar Phillip Glass, é impactante e costura o filme com uma força que ampara o drama.
    O filme nos lembra o maestro Visconti? Em alguns momentos essa homenagem aparece, mas o excesso de “zooms” certamente faria torcer o nariz do aristocrata italiano.
    A sofisticação dessa alta “bourgeoisie”, neste caso italiana, é beleza, é refinamento e ornamento para os nossos olhos.
    A caverna, cena final do filme, reflete o instinto primitivo da paixão que domina inexoravelmente os personagens centrais, Emma e Antonio.
    Bjos para vc e obrigada por mais essa bela sugestão.
    Sonia Clara

    • eleonora Rosset disse:

      Sonia Clara querida,
      Que imensa alegria seu comentário me trouxe!
      Estava desencorajada pq ninguém tinha respondido ao meu texto…Pensei até que o filme não tinha agradado. Mas talvez seja o contrário. O filme agrada mas é dificil falar sb ele. Que bom que vc conseguiu dessa forma esplêndida, com cultura e erudição pra ng por defeito!
      Atenção!!!
      Não precisa ser assim, viu gente? Sonia Clara é uma artista, polida e cultivada. Não espero o mesmo do comum dos mortais!
      Mts bjs

  2. Carlos Dantas disse:

    Encantada Eleonora,

    Diante destas tuas letrinhas, respingos das luzes advindas destes teus olhinhos caçadores de luas e estrelas, e doutras letrinhas sopradas por quem tem a sorte de bem lhe traduzir… resta-me ficar silente, assim com quem se degusta de uma flor (pelo tão só o olhar, ainda que distante) que ora fica assim por exalar estes aromas advindos também dos que aqui comparecem e deixam lindas impressões ( quais fractais risonhos ) sobre o teu olhar pensante a nos presentar quase toda a película em tão somente reler as tuas letrinhas!

    “”E nós, na platéia ficamos silentes. Compreendemos aquilo que já sabíamos: o amor é uma força poderosa que dá coragem e ensina o ser humano a mudar o rumo, ou melhor, a encontrar o rumo para a sua vida.””

    Mais que aprendo… alimento a alma,

    Carlos Dantas, grato!

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