Viver Duas Vezes

“Viver Duas Vezes”- “Vivir Dos Veces”, Espanha, 2019

Direção: Maria Ripoli

Acontece na vida de algumas pessoas algo singular. O tempo passa e elas não se esquecem de alguém que teima em voltar em sonhos ou até mesmo quando algo banal acontece e tem alguma relação com o passado.

Justamente porque quase nada aconteceu, essa pessoa fica na lembrança como um não acontecido que, muito alimentado por sentimentos ilusórios, emociona mais do que lembranças de algo vivido. Torna-se uma fantasia que incomoda mas ao mesmo tempo é cara ao coração.

É um fenômeno de vidas paralelas. Ou seja, a mente leva-nos a imaginar como seria a vida não acontecida que sempre brilha mais do que aquela vida que vivemos.

Em “Viver Duas Vezes” o professor de matemática da Universidade, Emilio Pardo (Oscar Martinez), aposentado e viúvo, que tem no currículo a descoberta de um número primo, leva uma vida metódica e sem graça. Seu passatempo preferido é o sudoku que ele chama de Quadrado Mágico e que resolve laboriosamente um atrás do outro, desde menino. No mais é rabugento e não aprecia a companhia de ninguém. Nem da família. Vive só e gosta disso.

Vez por outra vem à sua mente a lembrança de um dia de verão à beira mar quando ouve uma garota cantar uma música que ele conhecia. Ela o convida para ir à praia mas ele responde que tem que estudar. Estava decifrando um sudoku e não dá muita atenção à menina chamada Margarita, bela e simpática.

E tudo vai bem até que um dia, saindo do pequeno restaurante onde sempre toma café da manhã, ele tem um branco e não se lembra mais do caminho para voltar à casa.

Diagnosticado como sofrendo de Alzheimer tem que mudar-se de má vontade para a casa da filha Julia (Inma Custa) que também tem que esforçar-se para ser uma boa filha. Eles sempre foram muito diferentes e os poucos momentos de intimidade que Julia se lembra com o pai foram as aulas de matemática e química para ajudá-la no colégio.

A neta, Blanca, adolescente que se dá melhor com o avô, é tão realista quanto Emilio e também não mostra auto piedade com o seu problema de deficiência física.

É manca e faz piada com isso. Uma defesa, claro, assim como o jeito do avô de estar sendo sempre irônico com sua doença. Os dois ficam muito amigos.

Até que um dia Emilio pede algo inusitado à filha. Precisa procurar Margarita antes de esquecê-la e perguntar se ela ainda pensa um pouco nele.

O choque da filha é enorme mas acede ao desejo do pai. O preço a pagar foi o de enfrentar a crise em seu próprio casamento.

Maria Ripoli faz um filme singelo e comovente, com diálogos afiados do roteiro de Maria Minguez, atores competentes, principalmente Oscar Martinez, que não faz uma caricatura mas um retrato sincero e fiel da doença que acomete aos poucos o professor de matemática e o sofrimento que decorre disso.

E uma intrigante cena final nos espera. Sonho ou realidade? Não importa. É delicada e emocionante.

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