Zama

“Zama”- Idem, Argentina, França, Estados Unidos, Holanda, Brasil, Portugal, México, 2017

Direção: Lucrécia Martel

Aquela praia de rio mostra um homem em primeiro plano, com chapéu, bota e espada. Ele olha a outra margem. Um grupo de índios está mais ao fundo. As águas são plácidas e toda a cena é como um quadro banhado em luz amarela.

Subindo a falésia, o homem ouve risos de mulher e se esgueira pelo capim alto para espiar. Elas estão tomando banho na lama do rio. Estão nuas e uma delas denuncia:

“-Curioso! ”

O homem corre mas a mulher, que parece uma índia, o alcança. Nesse momento ele a esbofeteia. Ela se paralisa.

“Zama” não é um filme fácil. A trama quase inexistente centra-se na espera por sua transferência, único objetivo de Zama, aquele homem que acabamos de ver. Em “off” ouvimos a leitura de uma carta de sua esposa, Marta, que o aguarda e pede notícias. E que venha logo.

Estamos no século XVIII, numa pequena aldeia onde moram espanhóis como Dom Diego Zama (Daniel Gimenez Cacho), que é funcionário da Coroa Espanhola.

Mas tudo ali são farrapos. As perucas europeias cobrem cabeças que coçam, as roupas são grosseiras, os índios e escravos negros andam praticamente nus, quase não falam e fazem os trabalhos necessários. Animais domésticos, cavalos e até uma lhama convivem com os homens nesses espaços acanhados.

As casas são toscas, os cômodos pequenos tem mobília desconjuntada. Parece que tudo se consome.

Um homem preso, de quem não vemos o rosto, é motivo de conversa entre os espanhóis:

“- Temos que fazer ele confessar. ”

“- Ele não abre a boca. ”

Alguém decide:

“- Soltem. Pode ir embora. Não haverá castigo. ”

Assim que o soltam, o homem se joga de cabeça contra a parede, balbuciando, com o olhar turvo:

”- Há um peixe que passa a vida num vai e vem, lutando com a água que não o quer. Nunca são encontrados na parte central do rio. Só nas margens. Lutam com todas as suas forças para ficar na água. “

Esse estranho discurso sobre “marginalizados” parece ser a descrição dos que estão ali. Sufocados pelo calor, ameaçados pela peste, vestem-se num arremedo da corte e mostram autoridade sobre pobres serviçais. Perseguem um bandido que assusta a aldeia e prometem recompensas por sua captura.

Zama, obcecado por sua transferência, enlouquece aos poucos.

Em “Zama” reconhecemos muito da angústia de um “Esperando Godot”, de Beckett, “Coração nas Trevas” de Conrad, Kafka e os labirintos de “O Processo”. Lucrécia Martel, 51 anos, respeitada diretora argentina, em seu quarto longa, não escreveu o roteiro como sempre fez mas baseou seu filme num romance de 1956, de Antonio de Benedetto.

Parece que o filme fala de uma alienação crescente e de um mal que se enraíza na alma do homem quando não há nada mais a perder. Tudo isso num clima de um inferno vermelho, cruel, embalado por “guaranias” paraguaias , boleros e um terrível zumbido.

“Zama” faz pensar, mais do que num destino individual, no destino da humanidade mas só é recomendado para quem aceita a lentidão e o non-sense e não se assusta com convites para um mergulho em águas profundas.

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