Querido John

"Querido John" - "Dear John", Estados Unidos, 2010

Direção: Lasse Halstrom

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É cinemão. Mas tem qualidades. Vejamos.
Para começar, o diretor de “Querido John” é Lasse Hallstrom, sueco, que dirigiu um dos mais belos filmes sobre a infância, “Minha vida de cachorro”, em 1985. Esse filme revelou o talento do então jovem diretor para o mundo. Filmado do ponto de vista do garoto, encanta pelo otimismo e esperança.
Outro sucesso do diretor foi “Chocolate”, de 2000, com Juliette Binoche e Johnny Depp, filmado em uma cidadezinha francesa, tendo como prato principal a tolerância entre as pessoas.
Lasse Hallstrom também é o diretor de “Regras da vida”, de 1999, que deu a Michael Caine o Oscar de melhor ator coadjuvante. Aqui outra vez há um foco em aprender a viver e harmonizar-se consigo mesmo e com o mundo.
Dessa vez, em “Querido John”, o diretor sueco filmou um roteiro baseado em um livro de Nicholas Spark e quer mexer com os nossos sentimentos.
Ela, Amanda Seyfried, ele, Channing Tatum. Belos, jovens, apaixonados e separados pela guerra, escrevem cartas de amor.
Concordo. Os tempos são outros. “Querido John” não chega aos pés de “Casablanca”.
Mas, se não formos muito saudosistas e apegados a nossos critérios de cinema sofisticado, esse filme pode mexer também com os mais exigentes.
Porque existe a história paralela de John com seu pai, vivido com sensibilidade pelo ator Richard Jenkins.
Fechado, assustado, metódico mas presente em silêncio na vida do filho sem mãe, esse pai, que a mocinha Savannah percebe como alguém que sofre de um quadro com características autistas, vai emocionar todo mundo em cenas como a do corredor do hospital ou no carro agarrado ao prato de lasanha.
E aí vocês vão ver aparecer claramente o diretor Lasse Hallstrom de corpo inteiro, dirigindo os atores com maestria e extraindo da história o que ela tem de melhor.
Esse personagem do pai doente e sofrido vai marcar a vida de seu filho, o soldado John. Ele também se fecha na guerra.
E Amanda Seyfried, que vive a patricinha Savannah atua com delicadeza e canta com suavidade a canção que ela mesma compôs, “Little house”.
Praias douradas, campos ao luar, a cidade de Charleston na Carolina do Sul, cavalos, crianças louras, surfe e gente bonita. E a cena das moedas caindo sobre John, que se vê como uma delas, já que tão amadas por seu pai.
Se “Querido John” não é tudo aquilo que a gente espera, tem seus momentos de bom cinema.

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Tudo pode dar certo

“Tudo pode dar certo”- "Whatever works", EUA, 2009

Direção: Woody Allen

Um gênio com QI 200. Físico. Rabujento, excêntrico, hipocondríaco. Mas, acima de tudo, um narcisista que pensa que o mundo gira em torno dele e que ele sempre tem razão.
Um quase Prêmio Nobel, como ele mesmo se intitula, sabe tudo sobre o universo e a vida e, como perfeito misantropo, analisa os relacionamentos pessoais como se estivesse em um laboratório.
Judeu passado em anos, acha que a solução para a humanidade transformar-se seria mandar todas as crianças passar duas semanas obrigatórias em um campo de concentração para aprender até onde pode ir a maldade humana.
Reduzido a professor de xadrez, este é o momento ideal para ele triunfar sobre a humanidade. Arrasa com os aluninhos e não raro atira as peças do tabuleiro em suas cabeças enquanto aterroriza as mães com gritos sobre a estupidez de seus rebentos.
“- Você deveria abrir uma escola de diplomacia “, ironiza um de seus três amigos com quem ele monologa em um restaurantezinho italiano.
Boris Yelnikoff (Larry David) sofre de ataques de pânico e durante um deles tentou o suicídio, atirando-se pela janela. Por sorte ou por azar, escapou da morte aterissando em um toldo. Isso tornou-o manco, o que não diminue o tamanho da sua arrogância. Conta sem remorsos que divorciou-se de Jessica (Carolyn McCormick), porque “o que lhe sobrava em ego, faltava em superego”.
E, em um achado que não é novidade mas que funciona, ele ignora a divisão tela/platéia e conversa conosco, criando assim uma cumplicidade inesperada.
Boris é o novo alter-ego de Woody Allen que, segundo alguns, escreveu esse roteiro em 1977, considerado o seu período mais criativo, engavetando-o em seguida. Lenda ou verdade?
O fato é que o diretor americano mais elogiado na Europa, volta a filmar em New York, reduzindo a cidade a espaços fechados, quando muito a mesas de restaurante na calçada.
Mas o principal nesse novo filme de Woody Allen é como ele nos faz rir com situações tragi-cômicas e reviravoltas inesperadas. Quase duas horas de puro humor inteligente.
A história envolve personagens que são achados desse grande observador da natureza humana que ele é: a quase menina Melody (Evan Rachel Wood), uma lindíssima Elisa de “My fair lady” do século XXI, sua mãe e pai (Patricia Clarkson e Ed Begley Jr), sulistas religiosos que só esperam um convite da vida para revelar sua verdadeira natureza e os amigos (Michael McKean, Adam Brooks e Lyle Kanove) que também entram na dança.
Boris, em meio a discursos ácidos, pouco a pouco vai se transformando perante os nossos olhos mas nunca dando o braço a torcer.
Através de uma garota de 21 anos, ignorante e belíssima que entra por acaso em sua vida, ele vai bancar o Professor Higgins tentando ilustrar a mente simplória de Melody com teorias da física aplicadas ao quotidiano.
Mas, como bem diz Heisenberg, a presença do observador influencia o objeto observado: Boris observa Melody que observa Boris e…
“Whatever works” (ou seja, se funciona para você, tudo bem) faz todo mundo sair do cinema comentando as novas piadas de Woody Allen com prazer.
Vá você também conferir. Pode ser que funcione para tirar você da mesmice das piadas sem graça do dia a dia.

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