A Pura Verdade

“A Pura Verdade”- “All is True”, Reino Unido, 2018 “A Pura Verdade”- “All is True”, Reino Unido, 2018

Direção: Kenneth Branagh

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As primeiras imagens mostram um quadro a óleo de William Shakespeare, o mais famoso escritor de lingua inglesa, um personagem que ocupou vários estudiosos a questionar a autoria de suas peças.

O argumento principal era que o dito autor não poderia ter escrito as peças que levavam seu nome, já que ele não era mencionado em nenhum documento que comprovasse sua escolaridade, cultura e nem mesmo viagens citadas em seus escritos.

Kenneth Branagh, o diretor e ator que interpreta Shakespeare no filme, tem uma cena, escrita por Ben Helton, responsável pelo roteiro, que combina com o titulo do filme. É tudo verdade. Nela, um jovem pergunta a Shakespeare como se faz para ser um escritor como ele. Sabe que o respeitado autor de tantas peças nunca viajou nem estudou para isso. E Shakespare responde :

“- Use sua imaginação. Procure dentro de si mesmo e se lembre de todas as experiências vividas, ouvidas ou lidas. Isso vai ser a sua escrita.”

Mas voltemos ao início.

Ficamos sabendo que o famoso teatro em que Shakespeare montava suas peças foi destruido num incêndio em 1613. Perdendo seu espaço, William Shakespeare (1564-1616) volta para sua casa em Stratford-upon-Avon, no campo inglês, onde nascera.

São seus últimos anos de vida e ele está de luto tanto por si mesmo (nunca mais escreverá nenhuma peça), quanto pelo seu filho Hamnet que morreu, vítima da peste, quando o pai estava ausente.

É recebido com frieza pela esposa Anne Hathaway (Judi Dench) que reclama sutilmente que ele apareceu pouco para visitá-la, entretido que estava em Londres. As duas filhas, Susanna(Lydia Wilson) e Judith (Katryn Wilder) também parecem distantes. A primeira, casada com um puritano, procura o amor fora do casamento e Judith, a solteira, tem muita raiva em suas palavras ásperas para o pai. E guarda um segredo.

Mas o luto que William não viveu  pelo filho e a crença de que perdera o herdeiro de sua pena, um menino brilhante, vai mostrar ser uma história mal contada.

Aliás o filme demonstra como as mulheres eram seres de segunda categoria na sociedade inglesa da época. Enquanto o filho homem ia para a escola, as filhas e a mulher dele iam para a cozinha. Nada é verdade, diz a filha Judith, impulsionada por uma enorme raiva quando fala que “morreu o gêmeo errado”, referindo-se ao filho homem, grande orgulho do pai por seus poemas.

Ela não vai resistir e o segredo será revelado, causando grande consternação.

Quanto aos sonetos, obra muito apreciada de Shakespeare, trazem uma notável visita à casa do poeta. O Conde de Southampton (Ian McKellen) tem um momento comovente quando, após o poeta recitar os versos dedicados a ele quando jovem, repete a recitação mas com entonação muito diferente e terna.

A ocupação principal do dono da casa é o trabalho num  jardim, dedicado ao filho morto. A natureza que rodeia o jardim tem uma qualidade irreal, que a fotografia do filme (Zac Nicholson) conseguiu realizar com beleza e magia.

Os interiores da casa são o palco onde se colocam os atores, cada um com a sua verdade. Tudo à luz de velas.

O filme “A Pura Verdade” demonstra como a realidade pode ser múltipla, dependendo de quem a vive, podendo levar a enganos e sofrimentos.

Um filme com excelentes interpretações e muito material para reflexões.

 

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O Corvo Branco

“O Corvo Branco”- “The White Crow”, Reino Unido, Estados Unidos, 2018

Direção: Ralph Fiennes

Ele nasceu num trem trans-siberiano que cortava a tundra russa, de noite. Era o dia 17 de março de 1938. Por causa de suas maneiras diferentes e incomuns, o apelidaram “belaya vrona”, ou seja, “Corvo Branco”, aquele que está à frente de seus contemporâneos. E era verdade.

O grande bailarino, aplaudido pelas plateias mais seletas, veio da provincia de Ufa, um lugar pobre e sem futuro. Mas sua mãe, contrariando o pai, inscreveu o filho numa escola de balé folclórico, onde logo chamou a atenção da professora. Ele vai se tornar o grande Rudolf Nureyev, primeiro bailarino do Kirov, companhia sediada no teatro Mariinsky, em Leningrado.

Começou tarde o aprendizado do bale clássico na Escola de Coreografia de Leningrado aos 17 anos, mas empenhou-se e em três anos alcançou o que queria. Levava o dobro do tempo para os outros chegarem onde ele estava. “O Corvo Branco” mostra cenas da infância em preto e branco, a mãe e seu amor pelo filho, as três irmãs e o pai severo e ele mais tarde em Leningrado e Paris.

O filme é dirigido por Ralph Fiennes, que também atua como o professor Pushkin, de poucas e profundas palavras. Uma interpretação comovente. Foi uma figura paterna para o jovem de temperamento às vezes difícil. Acolheu-o e protegeu o quanto pode.

E quase que o rapaz não conseguiu ir para Paris com o Kirov. Haviam rumores de que ele queria desertar. Foi o professor Pushkin que interveio e assegurou que ele não se interessava por política. Só queria dançar.

E, no dia 12 de maio de 1961, chega em Le Bourget, o avião que trazia a companhia para cinco semanas de apresentações no Palais Garnier, o Opéra.

O Louvre, a Sante Chapelle, o telhado do Opéra de onde se via toda Paris e Rudy se encontrava para conversar com Pierre Lacotte, bailarino francês, as noites em boates com Clara Saint (Adèle Exarchopoulos), o Crazy Horse, tudo apelava para que Nureyve ficasse no Ocidente.

Aquele que ia ao Hermitage , muito cedo e passava horas estudando o quadro de Rembrandt, “O Filho Pródigo”, também foi o primeiro a entrar no Louvre para ver “A Balsa da Medusa” de Géricault. Rodin o seduzia. Picasso e Matisse também. A arte o tocava e sua sensibilidade se alimentava do muito humano.

O bailarino ucraniano Oleg Ivenko traduz com talento toda essa vontade de perseguir o belo na dança e querer sempre se ultrapassar e dar o seu melhor para a plateia ávida. Dança os sucessos de Nureyev com garra.

Ele desertou. Ficou em Paris naquele ano de 1961 e partiu para o mundo. Rudolf Nureyev (1938 – 1993) foi uma lenda da dança no século XX . Felizes aqueles que o viram em pessoa, com toda a energia e carisma que ele mostrava nos palcos privilegiados.

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