Olhos da Justiça

“Olhos da Justiça”- “Secret in their eyes”, Estados Unidos, 2015

Direção: Billy Ray

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Tudo aconteceu por causa de Julia Roberts, 48 anos, Oscar em 2001 por “Erin Brockovich”. Ela leu o roteiro do diretor Billy Ray de “Olhos da Justiça” e palpitou muito. Queria um papel que a fizesse desaparecer. Usou lentes de contato que tornaram seus olhos opacos, prendeu o cabelo e a boca abandonou o sorriso e contorceu-se para baixo.

Roberts chamou o marido Danny Moder para ser o diretor de fotografia e deve ter pedido um salário à altura. Não foi ela a primeira mulher a receber 20 milhões de dólares pelo papel em “Erin Brockovich”? Faz ela muito bem. Equiparação salarial com os homens, é ainda algo pelo que se tem que brigar não só em Hollywood.

Sua personagem era para ser lésbica no roteiro original e perder a mulher num assassinato. A Jess de Julia Roberts, ao invés disso, perde a filha de 20 anos, a única coisa boa da vida dela, que é policial de um esquadrão anti-terrorismo.

Em Los Angeles, 2002, a paranoia do ataque às Torres Gêmeas em Nova York, um ano antes, faz todo mundo ver terrorista por toda a parte.

Ray (Chiwetel Ejiofor) e Jess (Julia Roberts) trabalham  bem junto e os dois se abalam profundamente com o estupro e o assassinato da filha de Jess. Ray sente-se culpado por não conseguir provar nada contra o suspeito, um rapaz que frequenta uma mesquita, próxima de onde encontraram o corpo da vítima e que pode estar envolvido em terrorismo.

Numa foto de um piquenique, ele olha para a garota com olhos de cobiça.

No segundo tempo do filme, em 2015, Ray está aposentado mas não conseguiu se esquecer um só minuto do caso da filha de Jess. Volta a Los Angeles e também revê uma paixão não correspondida, que era de Homicídios e agora é promotora (Nicole Kidman, que não mudou nem um fio de cabelo desde 2002).

Já Jess dá um susto em Ray:

“- Nossa! Você parece que envelheceu um milhão de anos…”

Por acaso você viu “O Segredo dos Seus Olhos”, filme argentino de 2009, dirigido por Juan José Campanella, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010? Se viu, vai ficar decepcionado, porque o roteiro desse thriller, uma adaptação do filme argentino, não tem nada a ver nem com o clima emocional, nem com a atuação intimista e divertida de Ricardo Darín e Guillermo Francella (o estupendo Arquimedes Puccio de “O Clã”). Nem muito menos com o charme e o romance contido entre Darín e Irene Menéndez Hastings, que só tem em comum com Nicole Kidman, o fato de ser a chefe de Darín, como Kidman era chefe de Ray quando aconteceu a tragédia.

O clímax do final vira uma coisa chocha e a substituição do personagem de Pablo Rago, cuja bela mulher é estuprada e assassinada, nos anos 70, pela Jess de Julia Roberts e a filha, não acrescenta nada ao filme, ao contrário, diminuiu o suspense e o apelo.

Pena. Parece que a presença do diretor do filme argentino, Juan José Campanella como diretor executivo, não ajudou ou até atrapalhou Billy Ray, que fez tudo ficar tão diferente, que o encanto da história misteriosa e romântica, naquele prédio antigo e imponente em Buenos Aires, atulhado de processos, se perdeu.

Fui correndo rever “O Segredo dos Seus Olhos” e recuperei o que “Olhos da Justiça” quase roubou de mim. Nada como o original.

 

 

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Mia Madre

“Mia Madre”- Idem, Itália, França, 2015

Direção: Nanni Moretti

Certos momentos na vida são difíceis de ser vividos. Nunca é fácil lidar com perdas. E, portanto, o luto é um trabalho pesado e longo. E nem sempre começa depois da morte do ente querido. Algumas vezes, ele antecede à morte, que já é esperada, mas custa a acontecer.

Margherita (Margherita Buy, excelente), diretora conhecida por seus filmes que não são escapistas e que enfrentam a realidade, está no meio das filmagens. As cenas iniciais são desse filme, dentro do filme de Nanni Moretti. Ele disse, no Festival de Cannes, que o filme “Mia Madre” nasceu da experiência da morte da mãe dele, há alguns anos.

O fato de Magherita estar fazendo um filme, ao mesmo tempo em que sua mente se ocupa com a mãe hospitalizada, interfere fortemente na maneira quase rude com que trata os artistas e os técnicos.

Ela não consegue escapar da dura realidade em que vive. Por isso, a raiva e a culpa, elementos onipresentes quando se trata da morte, a acompanham onde quer que ela vá.

Controladora, Margherita vê tudo lhe escapar por entre os dedos, como areia fina. E, quanto mais avançam os filmes, o que estamos vendo e o que a diretora está filmando, parece que tudo se atrapalha, que os nervos estão à flor da pele.

A presença de um ator americano, Barry Huggins (o maravilhoso John Turturro),esquecido no aeroporto por um assistente, faz Margherita ir apanhá-lo pessoalmente. Ela quer interferir em tudo. E ele é falastrão e irrita mais ainda a diretora porque, ao contrário dela, ele não se inibe, faz do descontrole uma arte e, mesmo assim, angaria simpatias entre a trupe do filme, enquanto que Margherita mal consegue disfarçar o tumulto interno que vive, a duras penas.

E como seria diferente? O irmão, vivido por Nanni Moretti comporta-se de maneira mais sensata. Pediu licença do seu trabalho e ocupa-se da mãe no hospital e de si mesmo.

Um sonho de Margherita ilustra seu desejo de que tudo fosse diferente. Na frente de um cinema, o anjo de “Asas do Desejo”, de Wim Wenders, recebe as pessoas que vão ver o filme. Mas não há nenhum nome no cartaz. Todos ali vieram ver o filme dela. A mãe, o irmão que tenta dizer a ela para ser mais livre, mais criativa, ela mesma, muito jovem discutindo a relação com quem imaginamos ser o pai da filha dela, que diz:

“- Você não imagina o quanto faz sofrer aqueles que te amam?”

Em outro, ela fica brava porque a mãe está guiando o carro dela sem a carteira de motorista em dia, assume a direção e destroça o carro, batendo repetidas vezes no muro.

Ainda outro sonho e nesse, ela descobre o corpo morto da mãe, debaixo das cobertas do hospital.

Tudo pesa. O desejo é de escapar, fugir, não viver o que se sabe que vai acontecer.

Dentre todos os envolvidos, a mãe (Giulia Lazzarini) é quem mostra maior serenidade, muito próxima da neta. Uma professora que foi amada e respeitada pelos ex-alunos que ainda a visitam.

Um olhar de Margherita no hospital, seguindo outra filha que, carinhosa, passa creme e massageia as mãos da mãe, também doente como a dela, sugere que ela gostaria de demonstrar melhor o amor que sente pela mãe.

E, uma última visão sonhada/alucinada nos mostra a mãe de Magherita no espelho e ela pergunta:

“- Mama, no que você está pensando?”

“- No amanhã.”

Claro, naquele que virá para todos nós.

Comovente. Inspirado. Enriquecedor.

 

 

 

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