Um Reencontro

“Um Reencontro” – “Une Rencontre”, França, 2014

Direção: Lisa Azuelos

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Sabe aquele momento em que seus olhos cruzam os de alguém e você sente algo diferente? Mas, bem diferente mesmo? É o coração que pula, você parece estremecer, sente aquele friozinho na barriga e o rosto ardendo?

E quando são os dois que sincronizam as mesmas sensações?

“Que será, será…”, canta o fundo musical na voz de uma garota. E aqueles dois ficam se olhando, depois que um amigo em comum os apresentou no lançamento do livro dela. Mas não trocam telefones quando ficam a sós.

“- Não sei o que seria pior… Ver você outra vez ou nunca mais…” diz ele, quando a coloca num táxi.

Sim, porque ele é casado, feliz e nunca vai se separar da mulher. É monógamo assumido.

Ela, por sua vez, está recém separada e não quer saber de homem casado. Prometeu para si mesma. Mas o namorado jovem, que tem metade da idade dela, começa a parecer bobo e infantil, quando ela, com o rosto iluminado, fala do outro, que encontrou na festa do seu livro, para as amigas.

“- Ele cheira a laranja verde” e suspira.

E é flagrada na loja abrindo o frasco do perfume dele, de olhos fechados.

Quem consegue controlar a cabeça quando se teima em só ouvir o coração e devanear?

E quando eles cantam juntos a mesma música no trânsito, ela no carro, ele na moto, longe um do outro mas tão próximos na sintonia da mesma lembrança?

Com esses dois, é só isso, o dia inteiro. Um não se cansa em pensar no outro e imaginar cenas, diálogos, até mesmo a cama que ainda não aconteceu.

E como são ardentes as cenas em que se encontram na imaginação.

Além disso, o acaso insiste em fazer com que esses dois se cruzem em lugares improváveis em Paris. A cidade mais romântica do mundo.

Elsa, a escritora e Pierre, o advogado criminalista, estão se apaixonando perdidamente. Sem trocar um beijo sequer. E já começam a sofrer por causa disso.

E, por causa da culpa que já sentem, dedicam mais tempo aos filhos, embora distraídos, alheios, com a cabeça a léguas de distância do que deveriam estar fazendo.

A diretora e roteirista Lisa Azuelos, que também interpreta a mulher do advogado, conta essa história com muito charme e um jeito surpreendente, que faz o espectador participar dos devaneios do casal de apaixonados. Como quando Elsa, que não sabe o que vestir, atravessa o armário, para cair numa festa de aniversário de uma amiga num bar animado. E adivinhem quem está também por lá e tira ela para dançar?

Ou seja, a maneira de contar a história faz com que coisas banais ganhem um colorido que diverte e seduz o espectador. Fora a trilha sonora inspiradíssima.

E François Cluzet, que não é exatamente um galã, tem uma boa química com Sophie Marceau, sexy, bela e irreverente.

E ele, com 59 anos e ela com 48, dão um aviso à plateia: não pensem que só os jovens vivem esses momentos deliciosos onde o amor ainda não aconteceu na vida real. Porque gente de mais idade também gosta de sonhar acordado.

Aproveitem.

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Uma Nova Amiga

“Uma Nova Amiga”- “La Nouvelle Amie”, França, 2014

Direção: François Ozon

Nossa sexualidade foi mapeada no século XX mas muito ainda está por ser visto e estudado.

O que chamamos de “novas sexualidades” é um campo que atrai François Ozon, diretor de cinema francês, 47 anos, sempre antenado naquilo que é secreto, bizarro, escondido (“Dentro da Casa”2012, “Jovem e Bela” 2013, “Ricky”2009).

“Uma Nova Amiga” começa com uma cena espantosa. Em close, vemos uma boca ser pintada, cílios maquiados, brincos colocados. Um homem veste uma bela moça morta. Um caixão branco, forrado de cetim vermelho, acolhe o corpo da moça vestida de noiva.

Na igreja, o elogio fúnebre de Laura, feito por sua melhor amiga, Claire (a belíssima Anais Demoustier), leva-nos em “flash back” ao tempo em que ainda eram meninas, inseparáveis, unidas pelo sangue de um pacto cigano:

“- Na vida e na morte!” bradam as duas na floresta.

Laura (Isild Le Besco) morreu deixando uma filha bebê, Lucie, que tem Claire como madrinha e ela torna pública uma promessa que fez à amiga:

“- Eu prometi cuidar de Lucie e David. E eu vou cumprir a minha promessa.”

O luto está sendo doloroso para Claire, que não consegue sair da cama. Quando sai, vê Laura em todos os cabelos louros que passam. Pensa até em pular da janela do escritório. Pede então uma licença médica e fica em casa.

O marido (Raphael Personnaz) pergunta por que não vai ver Lucie. Ela diz que teme sofrer ainda mais pensando em Laura.

Mas vai.

E o susto que Claire leva quando entra na casa de Laura, já que a porta está aberta, vendo David (Romain Duris, surpreendente) dar a mamadeira para Lucie, é enorme. Para seu espanto e mesmo horror, ele está vestido com as roupas de Laura, maquiado e com uma peruca loura.

“- Faço isso por causa de Lucie. Ela não queria mamar nem dormir mas desde que me vesti com as roupas de Laura, ela está feliz. Sou uma presença materna para ela.”

Claire reluta em aceitar essas desculpas. Está assustada porque não sabe como lidar com tudo isso. Tenta censurar David mas ele explica que não é gay, adora mulheres e talvez por isso precise vestir-se assim de vez em quando:

“- Laura sabia e aceitava. Só pediu para eu não fazer isso em público.”

O travestismo de David vai mexer muito mais com Clair, que batiza o marido de Laura com o nome de Virginia.

E as duas tornam-se melhores amigas. Passam tardes no shopping escolhendo maquiagem, vestidos, bijuterias, vão ao cinema, papos e risos. Virginia atraindo olhares, Claire discreta.

Mas a história se complica porque tem mais coisas que Virginia quer fazer:

“- Quero uma vida nova. Você apareceu e para mim foi um renascimento”, diz para Claire.

François Ozon não toma partido. Não julga. No máximo parece dizer que o desejo é fluido, mutável.

Numa bela cena num cabaré, vemos emoção e tristeza estampadas nas lágrimas da plateia, velhos travestis e em Virginia, ao lado de Claire, quando a exótica transformista dubla “Une Femme avec Toi”. A letra da música repete “com você, eu sou mulher, finalmente”.

E esse é o dilema que se coloca para Claire: quem é Virginia para ela? O marido de Laura que ela prometeu cuidar? Laura rediviva? Uma nova amiga? Um novo amor?

Talvez só o respeito pelos próprios sentimentos consiga fazer com que a vida seja melhor, liberando as escolhas de preconceitos e censuras alheias.

Difícil? Mas possível.

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