Chéri

“Chéri”, Inglaterra/França, 2009

Direção: Stephen Frears,

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Cenários suntuosos onde brilham materiais e móveis preciosos sob uma iluminação perfeita. Locações de sonho: Paris, Normandia, Biarritz. Figurinos de época trabalhados com arte para encantar. Elenco de primeira, tendo à frente uma belíssima mulher e um jovem lindo como um deus grego.

Mas não se enganem. Esse não é mais um filme de época feito para ganhar alguns Oscars de segunda categoria.

Vinte e um anos depois de impactar o mundo do cinema com o seu premiado ”Ligações perigosas” (“Liaisons dangereuses”,1988) no qual tratava das defesas perversas frente aos perigos do amor, o diretor inglês Stephen Frears traz para a tela “Chéri” (2009), baseado no livro de 1920 da escritora francesa Colette (1873-1954).

E retoma o tema do amor.

A beleza dos figurinos e dos cenários escolhidos não servem apenas como uma distração para nossos olhos. Ao contrário, pontuam uma preocupação decadente com o mundano que marcou o fim do séculoXIX e o começo do século XX – a “Belle Époque”- que teria um fim com a Primeira Grande Guerra.

Entre o aconchego dos veludos, plumas e peles do jardim de inverno de uma casa francesa vão ocorrer os fatos que desencadeiam uma história de amor não-ortodoxa.

É nesse jardim de inverno que famosas ex-cortesãs passam suas tardes a recordar seus momentos de glória nas rodas aristocráticas e boêmias da Europa.

Essas mulheres, cultivadas e até mesmo refinadas, não podem ser confundidas com meras prostitutas. Algumas marcaram em seus salões o destino da arte e cultura da época. Outras se tornaram muito ricas devido à relações com a aristocracia endinheirada. Mas nunca foram recebidas oficialmente nas altas rodas da sociedade. Por isso conviviam entre si.

Ficamos sabendo que a dona da casa, Charlotte Peloux (Kathy Bates), preocupa-se com o filho Fred de 19 anos (Rupert Friend), apelidado Chéri por uma colega de ofício que o conhece desde pequeno, a ainda bela e bem sucedida Lea de Lonval (Michelle Pfeiffer).

Aos 49 anos ela pensa em abandonar o “métier”.

Entregue aos cuidados de Lea para largar a vida de dissipação que levava, Chéri, quase sem querer, vai marcar e ficar marcado para sempre.

Ele, que a chama de “Nounoune”, vai encontrar na cama e nos braços de Lea, não só os prazeres do amor carnal mas as delícias dos mimos e dos cuidados maternais que tanto faltaram na vida desse rapaz que se considerava”órfão”. Sem pai e com uma mãe que não tinha muito tempo para ele.

Ela, Lea, que envelhece com dignidade, não se dá conta, apesar de toda a sua experiência,que essa história vai custar caro aos dois. Era virgem em matéria de amor.

E ela não apenas “adota” Chéri. Coloca o rapaz no centro de sua vida. E o educa para a masculinidade. Ele que tanto se atraia pelas pérolas cor-de rosa.

Um Édipo que consegue uma realização feliz.

Ao menos por uns anos…Porque, depois, a vida vai se encarregar de arrancar Chéri dos lençóis cor-de-rosa de Lea.

Essa cobrança que a vida faz em nome da tradição poderia ser uma oportunidade de crescimento para os dois amantes.

Mas a que melhor aproveita essa lição é Lea. Bem dizem os franceses:”Si la jeunesse savait…Si la vieillesse pouvait…”(Se os jovens soubessem…Se os velhos pudessem…)

As disputas sutis e venenosas entre a mãe e a amada de Chéri são um dos pontos altos do filme. Diálogos ferinos escritos pelo roteirista e dramaturgo Christopher Hampton que adaptou o livro de Colette são brihantes e dão oportunidade a Kathy Bates de mostrar a sua verve humorística refinada.

Michelle Pfeiffer, que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante em “Ligações perigosas” fazendo o papel da pura Mme de Tourvel que se torna presa de um perverso John Malcovitch, brilha em “Chéri” como a cortesã Lea.

Ela atua com tanta sutileza que parece que só a câmara capta, em segredo para a platéia, a crispação de seu belo rosto frente às provocações de Mme  Peloux (Kathy Bates), mãe de Chérie, que sempre foi uma rival ciumenta.

E é com muita sinceridade que a vemos lamentar, quase que em silêncio mas com uma postura alquebrada, o rumo dos acontecimentos.

Mais ainda, belissima como sempre foi, a atriz oferece generosamente ao nosso olhar um pescoço já marcado por rugas e um rosto que começa a perder o viço.

Stephen Frears que a dirigiu 21 anos atrás parece que sabia que Michelle Pfeiffer seria uma maravilhosa Lea de Lonval. E ela aceitou prontamente o papel.

Penso que não foi por acaso ou por coincidência que o diretor convidou Michelle Pfeiffer para o papel e repetiu com ela o close final de Glenn Close em “Ligações perigosas”. Lembram-se?

Em “Ligações perigosas”, o close servia para mostrar a atriz tirando a maquiagem e, assim fazendo, desnudar nos traços melancólicos de seu rosto a tragédia que resultou de suas maquinações perversas.

Em “Chéri”, Stephen Frears coloca Michelle Pfeiffer também em close, frente a um espelho que somos nós, testemunhas de sua maturidade triste mas sadia. Um rosto envelhecido mas de certa forma enriquecido pelas venturas e desventuras vividas plenamente.

Duas personagens femininas bem diferentes.

Acho que há nessa escolha do diretor uma lição nada moralista mas bem realista: a aceitação da passagem do tempo é um árduo mas necessário fardo para todos nós. A única saída é viver plenamente.

E, quanto ao amor, vamos repetir aqui os versos tão conhecidos do “Soneto da fidelidade” do grande Vinicius de Moraes:

“Que não seja imortal, posto que é chama.

Mas que seja infinito enquanto dure.”

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Educação

"Educação" - "An Education", Inglaterra, 2009

Direção: Lone Scherfig

Estamos em Londres, 1961 e a abertura do filme nos leva a meninas de uniforme no colégio, em aulas de biologia, matemática, dança, culinária. No recreio, bambolê, ao som gostoso de um musiquinha da época.
Mas logo a câmara e os nossos olhos estão grudados em Jenny, 16 anos, que se destaca do grupo.
Não só ela é aluna brilhante, como é o centro das atenções das outras, com suas frases em francês e seu jeito alegre e desembaraçado.Toca cello na orquestra da escola e ouve Juliette Greco cantar “Sous le ciel de Paris” na vitrolinha, deitada na cama, sonhadora.
Ela quer ir para Paris, vestir-se de preto e discutir Camus. Quer ser existencialista no Quartier Latin.
Mas nem a música nem o francês estão no currículo oficial e os professores e os pais de Jenny querem vê-la em Oxford. É nesse momento crucial de sua vida que Jenny vai se deparar com a necessidade de fazer escolhas por si mesma ao tentar viver aquilo que ela pensa ser a verdadeira vida.
David (Peter Sarsgaard), muito mais velho que ela, bom de conversa e traquejado sedutor vai virar a cabeça de Jenny. Mas não só a dela. Seus pais (os ótimos Alfred Molina e Cara Seymour) ficam deslumbrados com David e soltam Jenny para viver esse romance.
Ela passa, então, a frequentar o mundo das festas, concertos, leilões, cabarés, vestida de mulher.Toda uma sofisticação desconhecida que a encanta e atordoa.
Quando chega em casa tarde, depois de uma primeira noite nesse mundo de David, responde à mãe que a espera na cozinha:
-Como foi a sua noite?
-A melhor noite da minha vida!
Certo. ”Educação” é um filme sobre o rito de passagem da menina Jenny para a vida de mulher adulta.Trata-se de mais uma narrativa sobre a perda da inocência. E demonstra-se outra vez que nossas escolhas determinam nossa vida.
Mas “Educação” é mais do que isso.
Baseado em fatos verdadeiros, narrados pela jornalista britânica Lynn Barber em suas memórias publicadas em uma revista inglesa, o roteiro assinado pelo escritor Nick Hornby foi indicado para o Oscar de melhor roteiro adaptado. Seus diálogos naturais e bem colocados, ajudam “Educação” a ser um filme que foge aos padrões comuns e aos clichês. Não é por acaso que foi indicado para o Oscar entre os dez melhores filmes do ano.
Mas o que sem dúvida está muito acima da média em “Educação” é Carey Mulligan, a Jenny do filme. Acaba de ganhar em Londres o Bafta de melhor atriz. E foi indicada merecidamente para o Oscar nesse primeiro papel importante que faz para o cinema, aos 22 anos. Ela é uma surpresa deliciosa.
Atuando com um elenco estrelado no qual todos são ótimos, Carey Mulligan consegue se sair melhor do que muita atriz tarimbada. É para ficar na história seu diálogo vibrante com a diretora da escola, interpretada por uma Emma Thompson de balançar até uma veterana.
E o que é mais importante: seu carisma natural colabora para que ela se destaque sem esforço, atraindo para si a nossa simpatia.Torcemos por Jenny porque nos identificamos com ela, qualquer que seja a nossa idade.
A diretora dinamarquesa Lone Scherfig, toca o filme sem estardalhaço, costurando as cenas com habilidade e dando espaço aos atores. Seu tom é sempre sóbrio e isso faz com que a história seja contada sem argumentação moralista.
Quando pensamos que a década de 60 vai acabar com uma grande revolução nos costumes e que os Beatles, Mary Quant e os hippies vão fazer de Londres o centro do mundo, a personagem Jenny é uma feminista “avant-la-lettre”.
Os sonhos, lutas e desilusões dessa geração vão pavimentar o caminho que, meio século depois, pode ser trilhado pelas Jennys do século XXI.
E mais, o filme aponta para o fato de que nossa educação formal não seria nada sem a educação sentimental. É na vida prática que aprendemos as lições que nos guiarão para sempre. Mas, é verdade também que sem uma educação formal, essa vida de experiências não vai poder passar por um crivo de reflexão necessária.
No balanço final há em “Educação” algo que vai ser para sempre eterno: sabemos como a juventude é breve mas duradoura dentro de nós.
“Educação” nos faz lembrar disso com carinho.

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