Bom dia, Verônica

“Bom dia, Verônica”- Brasil, 2020

Direção: José Henrique Fonseca

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Ela é escrivã numa delegacia de polícia. Mas ambiciona mais. Desde criança queria ter a mesma profissão que o pai. Nela, a vontade de ajudar mulheres maltratadas aparece logo nas primeiras cenas. Verônica é a única que se precipita quando vê uma mulher jovem, muito pálida, pegar a arma caída no chão. Pede a arma com delicadeza mas a jovem se mata com um tiro na cabeça na frente dela, dizendo:

“- Não existe amor ideal. “

Um pai que teve a filha estuprada e morta, esperava o criminoso chegar para ameaçá-lo com uma arma, que cai no chão quando conseguem detê-lo. Foi essa a arma do suicídio da jovem.

Aos poucos vamos entender que Verônica (Tainá Muller) se entrega totalmente à sua profissão, mesmo às custas de sentir-se culpada quando chega em casa e seus dois filhos dormem e o marido a espera, descontente. Uma antiga tragédia familiar talvez explique porque ela diz que quer salvar o mundo, descuidando-se de si mesma.

A trama dessa série de 9 episódios vai envolver sites de relacionamento onde homens inescrupulosos tem na cabeça algo muito diferente do “amor ideal’. Na verdade, tiram tudo dessas mulheres desavisadas e românticas. Principalmente ferem fundo a auto estima de suas vítimas.

A violência doméstica, que ultrapassa quaisquer limites, vai levar Verônica a tentar ajudar Janete Cruz (Camila Morgado, maravilhosa) casada com Brandão (Eduardo Moscovis), um psicopata perigoso.

A mesma culpa que joga Verônica na frente da bala dos bandidos parece submeter Janete, uma mulher que pensa que ama um homem sem nenhum remorso.

“Bom dia, Verônica” foi adaptada do livro de Ilana Casoy e Raphael Montes, de 2016, que tem um tratamento mais pesado dos temas violentos que a série. É compreensível, já que o grande público da NETFLIX é pouco chegado a tragédias com muito sangue. Não que  tenham adocicado a série na adaptação mas tudo é visto à distância, sempre que possível.

Tanto os atores, excepcionais, quanto a produção e a direção de José Henrique Fonseca, mostram um nível superior de conhecimento da técnica de criar suspense e interessar o espectador. A fotografia é sofisticada e a câmera é manejada por quem entende da profissão. A trilha sonora é bem escolhida e pontua os momentos de tensão.

A série brasileira merece ser vista por quem não se assusta facilmente e aguenta ver sangue e maldade.

Mesmo porque o motivo que nos atrai ao gênero seria sempre algo ligado a fantasias inconscientes ou mesmo conscientes, que vemos realizadas por outros na tela. Há uma supressão momentânea da proibição interna de transgredir, identificando-se com o criminoso.

Mas talvez não seja a série ideal para o momento em que vivemos e no qual as pessoas querem esquecer do mundo real, o terrível que está acontecendo.

Pois então você decide se vai ver ou não “Bom Dia,  Verônica ”. Confesso que fiquei fisgada na trama. Mas eu não me assusto facilmente.

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Vientos de Agua

“Vientos de Agua”- Espanha, Argentina, 2006

Direção: Juan José Campanella

Conhecido internacionalmente por seu filme “O Segredo de Seus Olhos”, de 2009, que ganhou Oscar de melhor filme estrangeiro, Juan José Campanella produziu, escreveu o roteiro e dirigiu muitos dos 13 capítulos dessa série, dedicada à memória de seu avô materno, que teve que fugir muito jovem da aldeia nas Astúrias, onde vivia com sua família. Imigrou da Espanha para a Argentina.

A filmagem durou 3 anos, nas Astúrias, em Buenos Aires e Madrid, congregando muitos atores nos vários personagens da série que começa nos anos 30 na Europa, século XX e vai até a primeira década do século XXI.

Mas Campanella não conta só uma história de família. Inspirou-se no seu avô mas quis narrar a saga dos imigrantes europeus que chegaram à Argentina nos anos 30 e 40, fugindo das guerras e perseguições em suas terras natais. No navio que traz José Olaya, fugindo com os papéis de seu irmão morto, Andrès, em 1934, vamos conhecer os amigos judeus que ficam próximos dele a vida toda, Juliuz, Gemma e Laia.

Ernesto Olaya, filho de Andrès/José vai fazer o percurso inverso em 2001. Arquiteto sem trabalho imigra para Madrid, com a intenção de levar para lá toda a sua família, Cecilia com quem está casado há 20 anos e os dois filhos, Alicia e Tomás. Ernesto procura uma vida melhor para todos.

A série faz os personagens viverem o contexto político e econômico tanto da Europa, entre os mineiros de carvão das Astúrias nos anos 30 e 40, como a guerra civil da Espanha. Esta fase é representada pela chegada da irmã de Andrès/José, Felisa que foge da ditadura de Franco. E vai ter que viver outro momento ruim para ela e os anarquistas perseguidos por Perón.

As duas histórias separadas por 65 anos, são vividas na tela em ordem cronológica e são intercaladas. Na verdade, tanto o início quanto o fim da série mostram que o personagem principal é o espanhol asturiano Andrès/José, interpretado na mocidade pelo ator Ernesto Altério e na velhice pelo próprio pai do primeiro ator, Hector Altério. A ele cabe o capítulo final da série, um ponto alto na atuação de vários personagens, que emociona e faz pensar no valor da vida.

O filho de Andrès/José, Ernesto Olaya, interpretado com muito talento e naturalidade por Eduardo Blanco, mostra os conflitos internos que existem no coração do homem contemporâneo, mais livre para viver os amores, mesmo os proibidos Ernesto é quem enfrenta as maiores dificuldades no exílio em Madrid, pois não consegue os papéis legais de naturalização. Além disso seu diploma de arquiteto tem que ser revalidado e ele não consegue se concentrar em estudar e ter paciência para aguardar tantas provas.

Mas assim como seu pai tivera um grupo de apoio de amigos em torno dele, Ernesto vive entre os ilegais colombianos, romenos e russos.

As mulheres são importantes na vida do pai e do filho. Desde a presença da mãe nas Astúrias e a noiva Henar (Silvia Abascal) a quem deixa prometendo vir buscá-la, até a mulher de Ernesto, Cecilia (Claudia Fontam) e em Madrid, Ana (Marta Etura) e a bela Mara (Angie Cepeda) e as três mulheres de Andrès /José, a noiva da aldeia Henar, a francesa Sophie (Catarina Murino) e Lucia (Valeria Bertuccelli).

“Vientos de Agua” emociona e envolve quem está assistindo porque o autor traça um painel humano e comovente onde vemos pessoas iguais a nós, que também queremos sobreviver com dignidade e esperanças.

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