Eu e Você

“Eu e Você”- “Io e Te”, Itália, 2012

Direção: Bernardo Bertolucci

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O que foi que aconteceu com aquele garoto, sentado incômodo, frente ao terapeuta? Este, que já não é jovem, usa uma cadeira de rodas e pergunta com paciência sobre o acontecimento traumático que envolveu seu paciente e um amigo.

Nada feito. Lorenzo (Jacopo Antinori) , de 14 anos, a tudo responde com uma frase lacônica:

“- Normal. Ele teria feito o mesmo.”

E o terapeuta diz:

“- Mas o que é “normal” para você? “

O garoto olha o relógio e dá por terminada sua hora.

Parece que Lorenzo nada contra a corrente.

No restaurante com a mãe (Sonia Bergamasco), superprotetora, separada do pai dele,  ele encena um complexo de Édipo exagerado, quase certamente para irritá-la. E ela explode:

“- Você parece um menino de 6 anos!”

Adolescente, cheio de espinhas e com os olhos azuis encobertos por uma sombra, Lorenzo não está bem.  Construiu uma carapaça para onde se retrai quando alguém chega perto demais.

A expedição de ski do colégio serve como o momento certo para ele atuar esse estado de alma que é psicológico, tranformando-o em um evento concreto. O porão de sua casa vai ser seu “habitat” por uma semana. Finge que foi com os colegas e refugia-se lá embaixo, levando seus discos e comida, para ter paz.

Mas algo inusitado vem quebrar seu isolamento.

Olivia (Tea Falco), sua bela meia-irmã, mais velha do que ele, aparece de repente, procurando coisas dela naquele porão.

Os primeiros movimentos de Lorenzo são de retraimento e raiva. O que faz ali aquela estranha? Mas, aos poucos, vamos observando sinais de curiosidade entre ambos.

Houve uma entrega total dos jovens atores aos seus personagens, sob a batuta do maestro Bertolucci.

E eu me pergunto se o diretor, que adaptou o livro “Eu e Você” de Nicolò Ammariti, editado no Brasil pela Ed. Bertrand Brasil, e que passou por um periodo difícil, tetraplégico e sem filmar, desde “Os Sonhadores” de 2003, não se identifica com Lorenzo, que passou por algo terrível e não consegue mais viver no mundo. Certamente ele também teve que lutar para poder chegar na cadeira de rodas e voltar a dirigir um filme. Bertolucci disse numa entrevista:

“- Acho que a maioria dos meus filmes fala sobre o universo jovem, de seus medos, suas vontades, seus desafios. Talvez seja porque me interessa muito a energia que o jovem tem, que tem muitas vêzes de aprender a usar para poder viver num mundo que não o compreende.”

Voltar a filmar depois de 9 anos afastado, numa cama, cheio de dores e depressivo, como confessa num documentário imperdível, “Bertolucci por Bertolucci” de Luca Guadagnino e Walter Fasano, foi muito difícil e “Io e Te” é sua retomada cinematográfica.

A lista de obras-primas do cinema assinadas por ele é imensa. Mas é só lembrar de “La Luna” 1978, “O Último Tango em Paris”1972, “O Último Imperador”1987, “Novecento”1976, “O Céu que nos Protege”1990, para entender que ele ainda tem muito a dizer.

“Eu e Você” é um filme intimista que desvela com delicadeza as dificuldades de seres humanos. Ultrapassar as próprias, faz do filme um depoimento concreto e valioso de Bernardo Bertolucci, mestre do cinema.

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Um Estranho no Lago

“Um Estranho no Lago”- “L’Inconnu du Lac”, França, 2013

Direção: Alain Giraudie

 

 Sol de verão. Ouvimos o rumor de água e o som do vento nas folhas das árvores. Um carro estaciona num lugar onde vemos outros carros e o rapaz que desce vai até a praia de pedras, passando por um bosque.

Ele entra na água e o vemos nadando no lago azul. Olha a praia e vê um homem sentado perto de uma árvore. Sai da água e senta-se ao lado dele. O homem é gordo, meia idade e o rapaz é jovem e bonito.

“- Você não tem medo dos bagres de 10 metros que tem nesse lago?”

“- Mas isso não existe!”

Henri, o gordo, responde que já viu um de 4 metros e por isso não entra na água.

E continuam a conversar. Franck fica sabendo que o outro costumava ir a uma outra parte do lago com a namorada mas que brigaram.

“- Gosto de olhar a água. Me faz bem ficar aqui sozinho. Mas não digo isso para você ir embora. Agrada-me conversar com você.”

Franck conta que está desempregado e Henri diz que é lenhador.

“- Que maravilha trabalhar ao ar livre!”

“- Não é tão bom assim…”, responde o gordo que parece deprimido.

A câmera mostra que só há homens na praia, um pouco além do lugar onde estão os dois estão sentados. Muitos estão nús.

Um cara sai da água e Franck levanta-se, despede-se e vai atrás do homem que entrou no bosque.

Alain Giraudie ganhou o prêmio de melhor diretor na mostra “Um Certain Regard” em Cannes 2013 e o “Queer Palm”, prêmio para o filme com a melhor temática gay.

Além disso, o “Cahiers du Cinéma”, revista que é a bíblia do cinema francês, apontou o filme como o melhor do ano. Tudo isso pode ser um pouco de exagero mas o filme ganhou visibilidade e está sendo exibido na Europa, Estados Unidos e América Latina, fora dos guetos onde geralmente passam os filmes gays.

“Um Estranho no Lago” não é para todo tipo de público, claro. Mesmo os menos preconceituosos vão precisar de um tempo para se acostumar. Há cenas de sexo explícito mostradas sem nenhum pudor.

Naquele bosque, os casais de homens fazem sexo à vontade. Todos que lá vão, estão à procura de parceiros. O lago, a praia e o bosque são como que um paraíso gay natural.

Mas o filme de Giraudie vai começando a mostrar um clima tenso. Pequenos nadas vão se somando e vamos sentindo um mal estar.

O desejo sexual, independente do sexo, esconde perigos,  se precauções não são tomadas. Todos sabemos disso. Preservativos são usados por quase todos os homens alí.

Mas como se preservar da perversão, da maldade, presente e ativa em alguns seres humanos?

Franck (Pierre Deladonchamps) vai se aproximar de Michel (Christophe Paou), corpo bonito e olhar sedutor, por cima de um bigode.

Vemos, com apreensão crescente, que mesmo depois de ver de longe do que Michel é capaz, Franck vai procurá-lo todo dia na praia. Está apaixonado por ele. Sonha com uma relação mais estreita. É Michel que não quer saber de intimidades. Não quer perder sua liberdade.

A amizade que Henri, o gordo melancólico, tem por Franck, também o leva a procurar por um caminho perigoso mas desejado por seu lado ambíguo.

E o clima de tensão vai num crescendo até a cena final. O público do cinema se envolve mesmo sem querer.

Com poucos elementos, sem trilha sonora, só com o vento nas folhas e o rumor das águas, o diretor nos prende à trama.

A cada dia que passa, o perigo aumenta e parece que o tesão de Franck, acossado pelo elemento perturbador na personalidade de Michel, também se  intensifica. O que quer aquele rapaz, antes calmo e razoável?

Há um fascínio com o sexo que pode levar à morte.

A cena final, em plena escuridão, arrepia.

Um ótimo suspense.

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