O Regresso

“O Regresso” – “The Revenant”, Estados Unidos, 2015

Direção: Alejandro Inarritu

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Imagens iniciais fascinantes. A câmara mostra uma floresta de árvores enormes, raízes seculares, invadida pela água. Uma floresta escura. Dois homens armados caminham à espreita da caça. Eis aí os temas principais de “O Regresso”.

Já estamos frente ao medo e o perigo, o homem e o animal sempre ameaçados e a natureza imponente, majestosa e impávida frente à fraqueza dos seres que a habitam. Pensamos com receio na pequenez das criaturas que lutam para sobreviver nesse cenário selvagem.

O filme é uma adaptação feita por Inarritu e Mark L. Smith do livro escrito por Michael Punke, em 2002, que conta, com toques de ficção, as aventuras de Hugh Glass, um personagem real que trabalhava em 1823-24 para a “Mountain Fur Company”, guiando caçadores de peles de castor num terreno hostil. Com ele está o filho adolescente, Hawk (Forrest Goodluck), descendente da tribo dos Pawnee, pelo lado da mãe. Aliás, vamos ver, no decorrer da história, representantes das várias tribos que habitavam a região e viam o homem branco como usurpador.

Hugh Glass sonha muito com essa bela mulher, morta quando a tribo dela foi atacada. As cenas dessas lembranças sonhadas são belíssimas. O filho Hawk é fictício e empresta um toque amoroso ao caráter de Glass, dando uma direção emotiva à sua luta pela sobrevivência.

Há cenas de arrepiar mas a mais horripilante vem logo no início de “O Regresso” e ficará na história do cinema. Uma mãe ursa e seus dois filhotes são surpreendidos pela presença de Hugh Glass. A fêmea ameaçada ataca com ferocidade. É um “grizzly”, urso conhecido por sua agressividade. Filmada num único “take”, faz o espectador afundar na cadeira, tal a veracidade com que o enorme animal é concebido. O ataque só não é fatal porque Glass consegue atirar e ferir mortalmente o animal. Mas Glass fica muito machucado. As garras e os dentes do animal, ferido e pesado, fazem um estrago no homem frágil frente a uma força muito superior à dele. Depois da morte da ursa, Glass jaz debaixo do corpanzil e os homens pensam que ele está morto.

Ele está vivo mas não consegue mais falar, nem andar. Seu corpo está retaliado e o pescoço tem cortes profundos. Glass não pode mais ser o guia dos caçadores. É deixado com o filho e dois outros para que possam dar a ele um enterro digno. Todos estavam certos de que ele não resistiria.

Mas esta é a surpresa. Em inglês, “revenant” quer dizer “o que voltou dos mortos” e Glass sobrevive quando todos o acreditavam morto.

Ele vive para uma vingança.

A dificuldade que o diretor mexicano Inarritu e sua equipe tiveram que enfrentar para filmar em locação foram terríveis. Todo dia, duas horas de carro até as montanhas no Canadá (Alberta) e uma temperatura de muitos graus abaixo de zero.

O mago das lentes, Emmanuel Lubeski, além de belas imagens da natureza, acompanha com sua câmara os esforços de Leonardo DiCaprio para lutar contra o frio, sua dificuldade de caminhar e encontrar abrigo, comida e segurança. Há momentos em que está tão perto da ação que fica embaçada pela respiração do ator enquanto em outras é respingada pelo sangue que jorra.

Leonardo DiCaprio mostra ser um ator completo. Emoção, medo, desespero e força de vontade, vemos em seus olhos. Arrastando-se, abrigando-se numa carcaça para se aquecer, lutando contra águas revoltas, tudo que ele faz mostra um empenho de seu corpo e mente para fazer justiça ao homem que ele interpreta com seu imenso talento. Já ganhou o Golden Globe e está na lista dos indicados a melhor ator no Oscar 2016.

“O Regresso – The Revenant” é um filme excepcional que homenageia o cinema verdade, aquele de antigamente, com locações em regiões perdidas e uma luta não só do ator mas de toda a equipe para fazer aquele filme e levar o espectador muito longe e, assim fazendo, nos confrontar com nossa fragilidade mas também com a insuspeitada força que nos garante a sobrevivência quando tudo está contra nós.

O filme ganhou o Golden Globe de melhor diretor e melhor filme e tem 12 indicações para o Oscar 2016.

Bravo Inarritu!

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A Grande Aposta

“A Grande Aposta”- “The Big Short”, Estados Unidos, 2015

Direção: Adam McKay

Sabe aquele sonho da casa própria que todo mundo tem?

Pois é. Pode virar um pesadelo, quando a ambição aumenta e encontra pessoas de má fé, prontas a emprestar força perversa para uma avidez desmedida.

“A Grande Aposta” mostra que vivemos num sistema financeiro alimentado por ganância e corrupção, com total desprezo pelo cidadão comum que precisa de bens para viver e sentir-se feliz assim.

Mais. Existem saqueadores que seduzem e tiram o que podem das pessoas mais ingênuas. Ricas e pobres.

Todo mundo já ouviu falar da crise de 2008, nos Estados Unidos, que jogou na rua milhares de desempregados e deixou outros tantos na penúria, sem um teto para cobrir a cabeça. Pois bem, o filme mostra como tudo começou, como ninguém prestou atenção, nem teve juízo.

“A Grande Aposta” demonstra como as pessoas não abrem o olho se tudo está, aparentemente, correndo bem para elas. Não notamos ou esquecemos daquilo que pode toldar o brilho dos nossos dias. E aí começa a encrenca.

Quem não entende, como eu, de economia, pode se atrapalhar bastante com o jogo dos corretores e dos representantes dos bancos frente à bolha no mercado imobiliário americano. São muitos personagens e termos em “economês” que a pessoa comum mal sabe que existe. E essa é mais uma das espertezas desse sistema: o uso de termos complicados e siglas estranhas, de propósito, para enganar os ingênuos que não querem passar por ignorantes.

O diretor Adam McKay, que adaptou o livro de Michael Lewis, de 2010, usa de um estratagema divertido e eficaz quando chama pessoas conhecidas para explicar o “esquema”, através de exemplos fáceis, que todo mundo entende. O “chef” Anthony Bourdon, por exemplo, explica para o público como se vende um peixe encalhado de três  dias, transformando-o em um produto novo, o ensopado. É o que fazem esses corretores inescrupulosos.

A maneira de contar essa história real é com a câmara agitada e cortes abruptos e uma introdução de cenas que ilustram o espírito do que está se passando com os personagens. E a trilha sonora acompanha com comentários musicais.

Christian Bale, um dos envolvidos, é aquele que vê, antes de todo mundo, o que vai acontecer e aposta contra o sistema, que ele sabe que vai terminar mal. Considerado louco, é o único que viu o tsunami anos antes, só fazendo o que ninguém faz, ou seja, prestando atenção nos números.

Ryan Gosling, um dos narradores e participantes da história, apesar de compreender o que está acontecendo, o drama que vai acontecer para muitas pessoas, aproveita-se bem da situação e faz sua conta bancária engordar. Enquanto que Steve Carell, é o personagem mais angustiado e indignado com o que vê acontecer.

Brad Pitt, que também é um dos produtores do filme, faz uma ponta e é aquele que vive de acordo com o que todo mundo sabe como deveria viver nos dias atuais. O ex-banqueiro é fã de comida orgânica da própria horta e pomar, vive longe das grandes cidades mas está ainda ligado ao mundo financeiro como uma espécie de consultor, apesar de não concordar com o que fazem seus colegas.

O filme foi indicado para cinco Oscars: filme, diretor, ator coadjuvante (Christian Bale), roteiro adaptado e montagem. E já ganhou o prêmio de melhor filme do Sindicato de Produtores dos Estados Unidos, que também votam no Oscar. Pode surpreender?

“A Grande Aposta” expõe uma chaga do mundo contemporâneo. Tudo isso aconteceu mais de uma vez e vai acontecer novamente, se deixarmos.

Saímos do cinema perplexos.

 

 

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