Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil

“Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil”, Brasil, 2016

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Ela é a “avó da arte da performance”. Assim se intitula a artista sérvia de 69 anos, conhecida no mundo todo. Começou suas performances nos anos 70 e surpreendeu as pessoas pela facilidade com que dispunha de seu próprio corpo para o público interagir com ela, impassível, seja quando tocada por penas, seja quando machucada  com objetos pontiagudos, tesouras e facas. Uma dessas performances teve que ser interrompida no momento em que uma bala foi colocada num revolver, também à disposição do público e a arma foi encostada na cabeça da artista.

No MOMA, durante a performance “O Artista está Presente”, ficou 700 horas sentada numa cadeira, imóvel e calada, para quem quisesse encará-la sentando-se na cadeira em frente.

Aqui no Brasil, onde se passa o documentário de Marco Del Fiol, Marina Abramovic percorreu 6.000 km, de 2012 a 2015, em busca do que chamou “lugares e pessoas de poder”.

No início, a vemos na entrada de uma caverna e, em “off”, ela conta que uma xamã disse a ela:

“- Você nunca se sente em casa em lugar nenhum. Você vem de estrelas distantes. E seu propósito é ensinar os humanos a transcender.”

Desligada de toda e qualquer religião, o que interessa à Marina Abramovic é a espiritualidade.

E assim, a vemos visitando em Goiás o médium João de Deus. Sua posição é contemplativa e serena. Diz em “off”:

“- Milagres acontecem quando não há nada mais a perder.”

A próxima parada é o Vale do Amanhecer, em Brasilia. Mulheres fantasiadas de orixás, cantos, procissões. E a artista pergunta a si mesma:

“- Por que eu sou tão fascinada por rituais? São como performances. Sempre se aprende algo.”

E confessa que veio em busca de cura afetiva:

“- Tive dois amores. O segundo quebrou meu coração.”

Na tela, lindas imagens captadas por Cauê Ito em Alto do Paraiso e Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

Ficamos conhecendo dona Flor e sua medicina natural e o método Abramovic de defesa contra bactérias: comer alho e cebola crus.

Na Bahia, Salvador, é a vez da comida dos orixás de Dadá, que Marina aprecia com prazer.

Numa foto de Pierre Verger, ela encontra a imagem do perfeito equilíbrio em pleno movimento e  visita uma feira de objetos e produtos de culto:

“- Aqui tem tudo que você precisa para entrar em contato com realidades paralelas. É uma passagem secreta”, diz sussurrando para a câmara.

Quando é a vez de um terreiro de candomblé em Cachoeira, Bahia, ela vê a dança de pessoas em transe, ao som dos tambores:

“- Os orixás são como as almas do mundo. Essa é a dança dos deuses transformando o universo.”

E quando ela encontra Mãe Filhinha de 104 anos, famosa mãe de santo baiana, seu olhar é de pura admiração.

E então, surpresos, ouvimos Marina Abramovic falar de sua infância:

“- O que há por trás de tudo? É isso que me interessa. Eu fui uma criança muito solitária. Minha mãe tinha mania de limpeza e só deixava pessoas entrarem no meu quarto se estivessem usando máscaras. Eu brincava com as sombras. Via seres invisíveis…”

Seguimos com a trupe para a Chapada Diamantina, Bahia, onde Marina se encanta com um trompete que toca “Eu Sei que Vou te Amar”.

Mas logo a vemos passar, com câmara desfocada, pela “pior experiência” de sua vida, o chá de ayahuasca, tomado, por insistência dela, em dose dupla.

“- Foi como se alguém quebrasse minha mente.”

Ela quer compreender, procura e insiste.Sua curiosidade comanda.

Em Curitiba, Paraná, depois de um ritual de purificação com os xamãs Rudá e Denise, Marina Abramovic toma outra vez o mesmo chá e a experiência é completamente diferente.

“- A criança traumatizada dentro de mim foi cuidada. Foi uma cura.”

Em Minas ela reencontra os cristais que já tinha usado na criação dos “sapatos de ametista para a mente partir”, na primeira vez que visitou Marabá, no Pará em 1979.

E tudo termina no SESC Pompeia em São Paulo, onde o público interage com cristais:

-“Precisamos de arte nas cidades, não na natureza” e acrescenta “essa viagem foi importante para mim para abrir minha cabeça para coisas novas. Entendi que tenho que dar ferramentas para o povo, para que descubram seu próprio self. Eu só preciso ser uma maestrina. O público é o trabalho.”

Aquela que chegou na beira do precipício e não pulou, parece mais tranquila e em contato consigo mesma.

O que é difícil nesse documentário é perceber quando ela é Marina, espontânea, triste ou divertida e quando aparece a artista. Ou é tudo performance?

Não importa. O que vale é conhecer Marina Abramovic e  o Brasil que ela vê através de sua sensibilidade.

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Certo agora, errado antes

“Certo agora, errado antes”- “Right Now, Wrong Then”, Coreia do Sul, 2015

Direção: Hong Sang-soo

Esperem surpreender-se com esse último e, aparentemente, banal filme do diretor sul-coreano famoso, para quem Isabelle Huppert trabalhou em “A Visitante Francesa – In Another Country” de 2012.

A história é simples. Um diretor de cinema ainda jovem, atraente e famoso, vai exibir seu filme em Suwon, uma cidade da Coreia do Sul. Quando ele chega, vai para o hotel e, ao lado, existe um antigo palácio. Ele vê da janela  de seu quarto uma mocinha bonita entrar e também vai ao local. Fica conhecendo a garota, conversam e ele descobre que ela é pintora. Visitam o ateliê dela e ele opina sobre o quadro que ela está pintando.Vão a um restaurante, bebem muito e depois seguem para um café de uma amiga da mocinha. O diretor tem só essa noite na cidade, porque, no dia seguinte, logo depois da exibição do seu filme e perguntas dos espectadores, ele volta para casa em Seul.

Só que vamos ver essa mesma história se repetir na tela. São os mesmos personagens, as mesmas cenas mas com uma ligeira modificação de gestos, posturas e conversas. E o resultado é completamente diferente nessa segunda vez que vemos a história.

É quase como se o diretor nos mostrasse uma lição de moral. Com apenas pequenas modificações, os personagens tornam-se mais naturais, espontâneos, mais maduros até.

Em uma entrevista, o diretor Hong Sang-soo, 55 anos, conta que filmou a primeira parte, editou e mostrou para os atores. E apenas sugeriu que, na segunda vez, o diretor de cinema iria ser um homem bom para aquela garota.

O jeito desse diretor trabalhar é bem diferente dos outros. Ele se inspira com pouca coisa no início das filmagens e vai construindo a história a cada dia que passa. Mas foi a primeira vez que teve a ideia de contar a mesma história com poucas modificações e resultados diferentes.

O filme é bem original e leva o espectador a comparar, em seu íntimo, as duas história e escolher a melhor. Porque a plateia pode julgar pelos resultados. Pela maneira como os personagens acabam se envolvendo.

O filme ganhou o Leopardo de Ouro no Festival de Locarno, como o melhor filme. O ator Jung JaeYoung recebeu o prêmio de melhor ator.

Se a vida fosse como o filme de Hong Sang-soo, teríamos sempre uma oportunidade de vive-la de uma maneira um pouco diferente. Talvez com mais flexibilidade, menos egoismo e uma maior aceitação dos outros como eles realmente são. Mas, sabendo que é impossível, o melhor é acertar na primeira e única chance que temos. É difícil mas não impossível aprendermos a ser melhores pessoas conforme a vida passa e ensina.

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