Bastardos inglórios

"Bastardos inglórios" - "Inglorious Bastards"

Direção: Quentin Tarantino

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Desde as primeiras cenas desse filme a gente fica cismada tentando se lembrar onde ouviu aquela música…Tarantino brinca com a nossa memória e vai criar, como sempre, emoção e prazer no espectador.

Longe dele a intenção de narrar fatos históricos e falar do passado. Se o filme tem como cenário a Segunda Guerra e a França invadida pelos nazistas, isso é mero pretexto. Porque o que ele quer mesmo é falar do próprio cinema.

Senão, vejamos.

Se você já se lembrou que a música que abre “Bastardos” é o tema do filme “The Alamo” de 1960, dirigido e estrelado pelo homem mau do cinema americano, John Wayne, você já tem uma pista sobre o que vai ver.

“Once upon a time…” (Era uma vez…) lê-se na tela quando começa o filme.

E, juntando uma coisa com a outra, acompanhamos Tarantino que vai ser politicamente incorreto mais uma vez, contando uma fábula sobre os “bad guys”, os sem caráter, ao jeito dos filmes de faroeste.

As personagens principais são um vilão farsesco, poliglota, insinuante e ao mesmo tempo ridículo (Christofer Waltz, que ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes por esse papel) e um mocinho tosco, com sotaque caipira, Aldo, o Apache, jovem bonito e perverso, interpretado magníficamente por Brad Pitt.

O duelo vai colocar frente a frente os “bastardos” e os nazistas. Assim chamados pelos rivais,os “bastardos” são um pelotão de soldados judeus que mata e esfola, ou melhor, escalpela seus inimigos.

Os que sobrevivem tem a suástica marcada à faca na testa.A intenção desse bando é acabar com a guerra, explodindo o alto comando nazista em um cinema.

Se você é detalhista compreendeu a grafia de “bastards” com “e” no título original do filme para imitar um sotaque germânico. Coisas de Tarantino.

Paralelo a esse tema é contada a história de Shoshana (Melanie Laurent), judia francesa que perdeu toda a família assassinada pelo vilão nazista.

Um diálogo racionalmente ameaçador entre o vilão,”Caçador de judeus”e o camponês que abriga a família de Shoshana mostra o talento magnífico de Tarantino com as palavras.

A escolha do tema “vingança”, recorrente no cinema, literatura e teatro é uma das grandes motivações dos heróis de todos os tempos.

“ – A vingança move mais que o amor”, disse Tarantino em uma entrevista sobre o filme.

Assim, depois de muito sangue, em “Bastardos inglórios”a verdadeira vingança será levada a cabo pelos desprezados e humilhados: a judia e o negro. E será pelas chamas do fogo. O inferno comendo as suásticas vermelhas e os drapejados negros.

Não é à toa que Tarantino usa o cinema como fonte de inspiração de seu filme. Ele sabe fazer isso muito bem.

Em “Bastardos inglórios”ele brinca com os mitos que o próprio cinema criou, seja nos filmes de faroeste (bandidos bem intencionados), seja nos desenhos de Disney (Cinderela e o sapato perdido pela agente dupla) ou ainda em Chaplin (um Hitler de fancaria).

Tarantino crê no poder de fascinação do cinema e nós, espectadores, lucramos cada vez que ele nos concede um filme a mais.

 

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Deixa ela entrar

Let the right one in

Direção: Tomas Alfredson

Prepare-se para ver algo insólito: uma história sobre um menino e uma vampira.

Mas nada de cruzes, alho, capas pretas e muito menos caninos afiados

em ‘’close’’.

Há cenas de sangue. Mas elas não são gratuitas.

Em ‘’’Deixa ela entrar’’clichês do gênero horror e vampiro, explorados há séculos

pela literatura e o cinema, ganham uma leitura nova, plena de lirismo e empatia com

as personagens.

Discreto, quase que com uma camara imóvel, o diretor sueco Tomas Alfredson

aproxima-se de um cenário frio: a neve cobre o ‘’playground’’ de um prédio de

classe média.

Um garoto muito louro, com feições de menina, esfaqueia o ar:’’Berra!Berra como

porco!’’ grita, encenando uma força e coragem que não possui.

Encarapitada em um brinquedo alto, ela observa tudo.

‘’Você é um menino ou uma menina?’’ pergunta Oskar a essa figura estranha,

desgrenhada, de mangas curtas no frio da noite.

‘’Me chamo Eli’’.

‘’E eu Oskar. Quantos anos você tem? Eu tenho doze.’’

‘’Eu também.’’

‘’Qual o dia do seu aniversário?’’Oskar está curioso.

‘’Tenho doze anos há tanto tempo que me esqueci do dia do meu aniversário…’’

responde Eli, a sem lugar ao sol.

E é uma história de amizade amorosa que vai ser contada. O menino que tinha medo

torna-se homem e a criança que cheirava mal, floresce mulher.

O confortável maniqueísmo da luta do bem contra o mal é polemizado com sutileza

nesse filme aparentemente simples. Eli,a vampira, não é perversa, não mata por prazer.

E Oskar é chamado a pensar sobre empatia:

’’Ponha-se no meu lugar só um

pouquinho’’pede Eli, para quem o sangue é vital.

Oskar, o menino tímido que não conseguia enfrentar os outros meninos no colégio,

reluta também em aceitar essa estranha criatura, gelada como a neve:

’’Você está morta?’’pergunta Oskar.

‘’Claro que não. Eu sou assim’’retruca Eli.

E, como Oskar, somos conquistados aos poucos pela emoção sutil que emana desse filme

que fala sobre a aceitação do outro, a conquista da confiança e a exigência de  coragem

para enfrentar o destino de cada um.

Uma jóia rara.

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