Mãe Só Há Uma

“Mãe Só Há Uma”- “Don’t call me Son”, Brasil , 2016

Direção: Anna Muylaert

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Na festa animada de adolescentes, cada um na sua e ninguém é de ninguém. Pierre (Naomi Ferro) com um adereço de pele na cabeça e olhos pintados de preto, dança um pouco com um cara e outro pouco com uma menina. Com ela, um beijo longo e rumo ao banheiro, para uma transa rápida, ele de cinta liga.

No café da manhã, numa casa da periferia, a mãe carinhosa beija os filhos, Pierre e sua irmã. Ele sai de bicicleta para a escola e estranha quando um homem tira sua foto na rua.

Na aula de literatura, Pierre não escuta o professor porque passa a mão na perna da aluna sentada atrás dele. O professor chama  atenção mas ele desenha no caderno e não vê a hora de ir embora. A banda dos amigos o espera e quando ele chega, cantam e tocam um rock. Um baseado anima a dança e o embalo.

Uma dúvida está no ar. Pierre gosta de meninas ou de meninos? Dos dois. A figura dele é andrógena. Alto e magro, perfil bonito, olhos pintados, unhas azuis e cachos despenteados.

Em casa, a mãe chega e com ela a polícia. Choque geral. Denunciaram à polícia que Pierre teria sido roubado quando era ainda um bebê, por aquela que ele chama de mãe e faz tudo por ele. Mas o exame de DNA não mente.

E Pierre? Parece que gosta desta “Mãe”. Sua sexualidade e sua identidade sofreram com esse começo de vida. Ele adora se vestir como mulher mas transa com meninas. A figura feminina é dúbia para ele. Ladra bondosa ou fada má?

O encontro com a família biológica é ao mesmo tempo tocante e engraçada. Mas na realidade é um fracasso. A casa enfeitada e pai, mãe e irmão, ansiosos para a volta de Felipe, o nome que tinham dado a ele.

Mas Pierre normalmente mais quieto, se fecha mais ainda. As duas mães que ele tem (interpretadas pela mesma atriz, com muito talento, por Dani Nefussi), complicam a vida dele. Gosta da vida com a ladra que mentira que fora adotado por ela e com a família biológica não tem nenhuma química. De uma maneira intensa recusa-se a dar o seu amor a quem se deixou roubar. Ele valia pouco para eles? Não era o que esperavam?

Não sabemos o que se passa na cabeça de Pierre. Mas uma coisa fica clara. Quer punir quem o deixou. Não importa que digam que por 17 anos o procuraram.

A diretora Anna Muylaert (“Que horas ela volta?”2015), apresenta problemas sem uma solução. Não há receita. Dá para voltar tudo para trás? Pierre consegue deixar de sentir-se uma coisa, não um filho, sobre quem suas duas mães brigam? Não havendo uma saída da Biblia do rei Salomão, Pierre sofre com essa outra situação ambígua que ele tem que viver. E passa a sentir-se um estranho em toda parte.

A última cena do filme parece indicar um caminho. O afeto, que pode unir os irmãos, não se contagiou.

Talvez haja uma solução para Pierre: sentir-se amado por ser quem é. Nada mais.

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Gran Torino

“Gran Torino”- Idem, Estados Unidos, 2008

Direção: Clint Eastwood

Mesmo num momento de dor, pois ele amava sua mulher Dorothy, Walt Kowaslki não perde o ar austero, de poucos amigos, nem sua dignidade, nas cerimonias fúnebres para ela. Mais. Afasta-se dos dois filhos e suas famílias, que ele sabe que não gostam dele e só pensam em asilo e herança.

Ele é um homem só no mundo, agora que Dorothy se foi e tem por companhia Daisy, a doce labradora que sente a perda da dona tanto quanto ele. Ficam os dois na varanda, depois dos afazeres domésticos, ela sentada aos seus pés e ele com o cigarro e a lata de cerveja. Walt conversa com ela, que parece entender tudo que se passa.

E o assunto são os novos vizinhos que ele olha com desprezo. Veterano da guerra da Coreia, onde ganhou a Estrela de Prata, ele não vê com bons olhos aqueles que habitam ao seu lado. Caprichoso, Walt, aos 78 anos, mantém sua casa e jardim impecáveis e vê com raiva seu bairro tornar-se decadente e violento, abrigando imigrantes asiáticos, negros, indianos e poucos brancos.

Sua maior alegria tem sido lustrar sua joia, um Ford Gran Torino 1972, novinho em folha, que ele mesmo ajudou a montar na fábrica da Ford, onde trabalhou por muitos anos.

É por causa do carro que a história começa. Thao, o vizinho adolescente tímido, é assediado por uma gangue de jovens delinquentes, inclusive um primo, para que sua iniciação seja o roubo do carro precioso.

Dá tudo errado e Walt observa de sua varanda quando a gangue vem ameaçar o jovem Thao e sua família. E dá um jeito de intimidar a turma, que sai correndo. Como consequência, vira ídolo da vizinhança pacata que vê com preocupação a violência e a falta de policiamento. Flores e quitutes chegam de todos os lados.

E Sue (Ahney Her) irmã mais velha de Thao, aproxima-se de Walt e pede que ele proteja e seja um modelo masculino para o irmão que não tivera um pai presente.  Sem perder a pose, o passo firme e os olhos apertados e vigilantes, Walt inicia uma relação amistosa com Thao que muda a vida dos dois.

Clint Eastwood vive a figura do mal humorado Walt com classe e elegância no porte altivo e sabe dosar o macho racista e arrogante e um coração ferido por algo muito trágico que viveu na guerra.

Um bom exemplo de mudança de racismo para humanismo, num país onde existem muitos como Walt, antes de passar a encarar o diferente com olhos despidos de prepotência.

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