8 em Istambul

“8 em Istambul”- “Bir Baskadir”- “Ethos” Turquia, 2020

Direção: Berkun Oya

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Esta série retrata a vida real na Turquia atual, o que é raro. O país exporta um cinema apreciado, com histórias românticas e dramáticas com final feliz e que se passam em outras épocas. Aqui, ao contrário, vamos ver atores excepcionais e um diretor talentoso, em cenas filmadas com uma estética contemporânea e histórias que se passam nos dias de hoje.

Cores espetaculares, fotografia rica e original, produção de arte que cuidou de todos os mínimos detalhes e tudo isso mostra como é diversa a Turquia, país que pode ser visto de muitos ângulos diferentes. Modernidade, magia secular e a eternidade da Mesquita Azul e da Hagia Sophia, cujos perfis ornamentam a cidade cortada pelo Bósforo.

“8 em Istambul” traz várias histórias cujos personagens se cruzam em algum momento, por acaso.

E a primeira já dá o tom pois trata de uma moça solteira, Meryem (Oyku Korayel), que começa a ter desmaios e não sabe o porquê. Procura uma psiquiatra dra Peri (Defne Kayalar), que durante as consultas desenvolve uma forte contratransferência. Ou seja, a moça mexe com os sentimentos da doutora, que passa a falar dela em sua própria terapia. Religiosa, a moça é mandada a um conselheiro muçulmano pelo irmão que acha errado ela se tratar com a psiquiatra. E é claro que Meryem não conta nada.

Os oito capítulos são entremeados algumas vezes com cantores dos anos 70 na televisão turca, outras vezes a tela negra apresenta os créditos e, no fim, vemos cenas de rua em Istambul ao que parece nos anos 90 ou começo do século XXI. Não dá para saber.

Política? Apenas em um capítulo há uma alusão a políticos na fala de um personagem que é criticado por ler e falar demais. Para bom entendedor…

Mas o que é central é a condição feminina, o uso do véu, o domínio exercido pelos homens, seja pai, irmão, marido ou namorado e que sufoca a mulher que surge de cabeça coberta por um lenço mas que começa a ficar cansada de obedecer. Muitas já mostram os cabelos.

Outro ponto central das histórias é introduzido também por mulheres mas se estende aos homens. Há uma repressão dos sentimentos que implica em um calar-se e que depois se expressa em sintomas no corpo.

Percebemos o quanto existem lugares na própria Istambul onde se vive no século XXI, em contraste com outros que não saíram ainda do começo do século passado. A tradição e a religião comandam a vida de muitas pessoas que passam a conviver com outras mentalidades e começam a querer mudar também. Um atrito tem que ser vivido nas fases que antecedem as mudanças.

Alude-se claramente à necessidade de levantar a repressão, imposta por uma regra de uma cultura obsoleta, que está a serviço de uma obediência cega a preceitos que já não funcionam.

“8 em Istambul” é recomendado para pessoas que apreciam a beleza das imagens e mergulhos profundos na natureza humana.

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Rosa e Momo

“Rosa e Momo”- Idem, Itália, 2020

Direção: Edoardo Ponti

Como é terrível o trabalho do tempo em um belo rosto de mulher. Fazia 10 anos que Sophia Loren não aparecia na tela. Seu último filme foi em 2009, “Nine” de Rob Marshall. Mas tão grande é o talento dela, que já foi considerada como uma das mais sedutoras atrizes que a Itália presenteou ao mundo, que esquecemos das marcas da idade e nos encantamos com sua Madame Rosa.

A personagem foi criada pelo escritor russo de ascendência judaica e naturalizado francês, diplomata e diretor de cinema, Romain Gary (1914-1980). Ele escreveu mais de 30 romances e ganhou duas vezes o Prêmio Goncourt, uma delas com seu livro publicado com pseudônimo em 1975, “La vie devant soi”, que foi adaptado para o cinema em 1978 no filme “Madame Rosa – A vida à sua frente”, dirigido pelo israelense Moshe Mizrahi, que ganhou um Oscar.

Na nova versão, Sophia Loren faz a judia, sobrevivente do Holocausto, que conheceu Auschwitz e os horrores que lá aconteciam. As feridas incuráveis em sua alma fizeram com que ela fosse aparentemente dura, escondendo sua fragilidade de todos.

Aos 86 anos, dirigida pelo filho Edoardo Ponti, que teve como pai Carlo Ponti, grande produtor de cinema, ela volta a Bari, sua cidade natal no sul da Itália, falando o dialeto napolitano, característico do lugar. E interpreta com sutileza essa velha senhora, antiga prostituta, que cuida dos filhos de algumas delas, para que possam trabalhar e assim ganhar sua sobrevivência.

Uma dessas crianças é Momo (Ibrahima Gueye) de 12 anos, que veio do Senegal com a mãe prostituta que morreu quando ele tinha 6 anos. Ele se lembra dela com saudades e conta para outro menino como era linda, carinhosa e alegre. Em sonhos ele a vê como uma leoa com quem brinca. Mas de dia ele está perto de virar um marginal.

Vamos ver essa dupla de seres humanos, sofridos e parecidos, se aproximar e nos emocionar. Madame Rosa vê em Momo um filho que nunca teve e Momo, que tem saudades da mãe, cuida dela com carinho, depois de desencontros entre eles, ambos fechados, aparentemente, para os afetos.

Sophia Loren, excepcional como Madame Rosa, vive com Momo uma relação de que ambos precisavam.

Curto e aparentemente simples, o filme traz profundidades inesperadas.

Aquece o coração.

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