Os Miseráveis

“Os Miseráveis”- “Les Misérables”, Reino Unido 2012

Direção: Tom Hooper

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Quer se emocionar? Reencontrar a vontade de chorar com uma cena arrepiante?

Vá ver “Os Miseráveis”.

Sim. É um musical. Mas se você der uma chance, vai ver que não é um musical como os outros.

O dono da história é o francês Victor Hugo (1802-1885) que escreveu um dos romances mais lidos da literatura, “Os Miseráveis”, publicado em 1844.

Em 1980, o diretor e ator francês Robet Hossein teve a idéia de transformar o livro em musical, com libreto de Alan Boublil e música de Claude-Michel Schonberg. Foi um sucesso que lotou o Palais des Sports em Paris.

Daí a ser traduzido para o inglês e repetir o sucesso em Londres (1985) e na Broadway (1987) foi um pulo. Teve até versão brasileira.

Mas o musical “Les Mis”, como era conhecido, levou muito tempo para conseguir chegar ao cinema. Musicais são difíceis para o grande público. E “Os Miseráveis” é todo cantado.

Tom Hooper, o oscarizado diretor inglês de “O Discurso do Rei”, ousou o que ninguém tinha tido a coragem de fazer antes. E acertou em cheio.

Sua versão para o cinema já ganhou o Globo de Ouro para o filme, ator (um maravilhoso Hugh Jackman) e atriz coadjuvante (Anne Hattaway). Tem oito indicações para o Oscar.

Espetáculo belíssimo, emociona e conquista o espectador, que se sente muito próximo de Jean Valjean, Javert, Fantine, Éponnine e Cosette. O bom cinema tem recursos que Hooper usou para trazer os personagens do século XIX para o público do século XXI. Quando cantam, seus closes e a câmara ao redor e próxima, torna todos nossos íntimos.

A cena inicial já é de tirar o fôlego. Jean Valjean (Hugh Jackman), com outros condenados acorrentados, puxa para as docas um imenso galeão. Aliás, a primeira música, “Look down”, é a única que não foi cantada ao vivo no “set” de filmagem. Não dava. A água toma conta do cenário. Mas todas as outras canções são cantadas na hora em que a cena foi filmada.

Esse recurso foi um achado de Hooper, que não buscou colocar cantores em cena, mas atores. Então, as músicas ganham um contexto dramático nunca conseguido quando a preocupação é sómente cantar afinado.

A melhor cena de Anne Hattaway, não seria o que é, sem a cuidadosa direção de Hooper que faz a canção “I had a dream”, soar como se nunca a tivessemos ouvido antes. A Fantine de Anne Hattaway, a sofrida mãe de Cosette, nunca foi tão comovente e frágil. Globo de Ouro merecido.

Os momentos cômicos, que aliviam um pouco a tensão são do casal Thénadier, interpretados por Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen, os aproveitadores, ladrões e fingidos donos da hospedaria que maltratam a pequena Cosette (uma bela e delicada Amanda Seyfried quando mocinha).

Javert (Russell Crowe) persegue Jean Valjean com a tenacidade daqueles que são severos e estreitos no cumprimento da lei ao pé da letra. E o pobre Jean Valjean leva uma vida triste, com raros intervalos de felicidade, porque no fundo, condena a si mesmo tanto quanto seu carrasco. Diríamos que o superego cruel dos dois, os faz inimigos íntimos e iguais.

É uma história que tem um conteúdo humano universal. Tratada como foi, torna-se um espetáculo belo e tocante.

Não percam.

 

 

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Django Livre

“Django Livre”- “Django Unchained”, Estados Unidos, 2012

Direção: Quentin Tarantino

Já na abertura, com aquela música típica de faroestes italianos dos anos 70 e os enormes letreiros vermelhos,adivinhamos que Tarantino vai se esbaldar.

O ano é 1858, dois anos antes da Guerra da Secessão que opôs o norte e o sul americanos, numa luta sangrenta, tendo como motivo de discórdia a escravidão, da qual o sul dependia por causa das grandes plantações de algodão, “plantations”, onde a mão de obra era escrava e negra.

De cara, os personagens principais se encontram. Dr King Schultz (Chistoph Waltz, dispensando adjetivos), o alemão escondido atrás de uma falsa identidade de dentista, para melhor fazer o que sabe: vender corpos. Ou seja, é um caçador de recompensas.

 Lembram daqueles cartazes: “Procurado – Vivo ou morto”? Pois é o que ele faz. Traz o morto para receber o dinheiro prometido.

E o outro é Django, que de escravo acorrentado passa a homem livre, companheiro de Schultz, que o ensina a atirar para matar.
Faz mais, devolve ao negro humilhado (Jamie Foxx, espetacular), sua auto-estima e o poder de vingar-se de quem fez mal a ele e sua mulher, de quem foi separado
à força e com crueldade.

Ele vai encontrá-la na “plantation” de Calvin Candie, o malvado interpretado com perfeição por Leonardo DiCaprio.

Como na saga dos Nibelungos cantada no “Anel” de Richard Wagner, Django é casado com Brunhilde,  que tem o mesmo nome da princesa, filha do deus Wotan, uma das Walkirias, que o pai coloca no alto de uma montanha, cercada por fogo. Uma bela adormecida que terá de ser salva por um principe corajoso. Sem medo de dragões nem de fogo. Django, claro.

O racismo é uma chaga ainda aberta em muitos lugares dos Estados Unidos e por isso Tarantino foi criticado. A palavra “nigger”, impolíticamente correta, é usada o tempo todo.

Spike Lee disse:

“- A escravidão na América não foi um “spaghetti western” de Sergio Leone.Foi um holocausto. “

Jamie Foxx respondeu:

“- Era assim que os senhores falavam na época. Reproduzir a fala não significa referendar o conceito deles.”

A Associação de Críticos Afro-Americanos acabou com a discussão, elegendo o filme como um dos melhores do ano.

A infame organização Ku Klux Kan também é alvo de piadas que expõem ao ridículo seus participantes, que também não devem ter gostado nada disso.

Mas isso é puro Tarantino. Seu humor ácido não se intimida e não poupa ninguém. E os banhos de sangue e cabeças cortadas são uma vingança na tela contra seres humanos que não merecem esse nome.

Tarantino é irreverente com tudo mas também sabe fazer o espectador se emocionar. Entre outras, as cenas finais são belíssimas e fazem lembrar de Obama e Michelle, vencedores e enamorados.

“Django Livre” não é indicado apenas para admiradores de Tarantino. O filme é tecnicamente perfeito, a câmara bem dirigida, aumenta a tensão sempre que necessário, as paisagens são muito bem usadas como momentos de respiração e os figurinos recriam a época, com toques de modernidade.

Depois de “Bastardos Inglórios” parecia que ia ser difícil acertar outra vez mas ele fez de novo. É um grande cineasta.

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