Três Lembranças da Minha Juventude

“Três Lembranças da minha Juventude”- “Trois Souvenirs de ma Jeunesse”, França, 2015

Direção: Arnaud Desplechin

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É em torno à sua vida afetiva que Paul Dédalus vai nos manter curiosos.

O filme começa com ele adulto (Mathieu Amalric), na cama, com uma bela mulher, que pede para ele fazer uma “mágica” para que ela o esquecesse. Ele está de partida. Vai deixa-la.

É então que começa o desfile de suas lembranças, divididas em três capítulos.

Na “Infância”, um menino assustado, tentando defender-se com uma faca, da mãe louca, que ele diz odiar e que morre quando ele tem 11 anos. A tia Rose, que lhe dá colo e um lugar na casa dela e que se preocupa com a relação de Paul com seu pai. Os dois perdidos em sentimentos dolorosos, depressivos. Tão parecidos e tão distantes.

Em “Rússia”, a ajuda generosa e idealista a um jovem judeu, que se torna seu “irmão gêmeo”, que encontra a terra-mãe.

E na terceira lembrança, a mais longa, o encontro com a mulher de sua vida, Esther, seu único amor.

“- Alguém já te amou mais do que a própria vida? Pois é assim que eu vou te amar” diz Paul no primeiro encontro, depois do primeiro beijo, a uma mocinha surpresa.

Mas ele a deixa e vai para Paris, fazer sua formação como antropólogo, com a maternal doutora que o acolhe em seu coração africano.

E, durante dez anos de pouca presença e muitas cartas, já que se escrevem quase todo dia, esse amor ficará “intacto”, como Paul diz para um amigo, justamente porque nunca se transforma num convívio de um casal normal.

“- Você sabe que não sou homem para casar e ter filhos” diz ele a Esther, que sofre com suas ausências e o ama desesperadamente e faz tudo que o  ele pede.

Porque o amor de Paul é caprichoso. Ele mais quer ser amado por uma mulher intangível do que amar uma mulher real, de carne e osso e exigências femininas.

Esther vai ser a única mulher que Paul amou, sem poder realizar esse sentimento longe do sofrimento mútuo. Há uma forte ênfase em sentimentos masoquistas em Esther, e disfarçadamente sádicos em Paul. É quase com satisfação que Paul arrasta Esther a se envolver com seus amigos e amigas.

O melhor do filme de Arnaud Desplechin é o frescor dos jovens amantes no começo da paixão. Quentin Dolmare e Lou Roy-Lecollinet, com espontaneidade e naturalidade, expõe seus corpos jovens e descobrem o que o outro tem de melhor e pior, descobrindo-se também através dessas trocas íntimas que envolvem corpos e mentes.

Poderia ter sido uma banal história de adolescentes mas Desplechin faz o espectador participar de uma sofrida procura dos abismos do ser, que sempre nos assombra.

Em “Três Lembranças da Minha Juventude” o que é lembrado é aquilo que não se pode esquecer. Não obrigatoriamente o que foi vivido.

Um filme para quem gosta de se perguntar sobre o amor.

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Chatô – O Rei do Brasil

“Chatô – O Rei do Brasil”, Brasil, 1995

Direção: Guilherme Fontes

A primeira cena do filme foi imposição do próprio Chatô, como o chamavam. Nela, ele e sua filha Teresa, vestidos de índios, comem bispos portugueses, “num deslumbrante piquenique” antropofágico.

Foi assim que Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, nascido em Umbuzeiro, Paraíba, em 1892 e falecido em São Paulo em 1968, exigiu que seus biógrafos o retratassem.

E assim fez Fernando Morais, que, em 1994, lança seu livro sobre o discutido Chatô.

Guilherme Fontes comprou os direitos do livro, brigou com Luiz Carlos Barreto que também tinha feito uma oferta e meteu-se numa embrulhada digna do próprio Chatô no financiamento de seu filme, que só veio a ser lançado agora, 20 anos depois.

Assim, o filme participa da lenda e havia alguns que o aguardavam ansiosos enquanto outros achavam que ele não existia. O diretor foi acusado de tudo mas, finalmente, demonstrou que as lutas judiciais valeram a pena e mostrou ao público na pré-estreia na semana passada, um filme que faz jus ao personagem.

Porque Chateaubriand (interpretado com brilho por Marco Ricca) foi louvado e atacado por amigos e inimigos e tachado de excêntrico e prepotente, aqui e na Inglaterra, onde foi embaixador entre 1957 e 1960. A cena da coroação da rainha Elizabeth II é exibida em preto e branco, com a participação, digamos, jocosa, de Assis Chateaubriand, aliviando-se numa garrafa vazia em plena Catedral de Westminster.

O diretor acertou ao descartar a cronologia ou mesmo a veracidade dos fatos e contar a vida do homem através de seus feitos, alguns execrados, outros exaltados, ainda outros exagerados.

Advogado, ele participou da vida pública e política do Brasil, foi senador e amigo/inimigo de Getúlio Vargas (Paulo Betti). Jornalista, começou jovem no “Correio da Manhã” e chegou a possuir uma rede de jornais, revistas (O Cruzeiro), rádio e televisão pioneira, a TV Tupi de 1951(“Os Diários Associados”).

Foi fundador do MASP em 1947, museu de arte de São Paulo, cujo acervo foi adquirido em meio a boatos os mais diversos, com o auxílio de Pietro Maria Bardi (1900-1999) cuja mulher, Lina Bo Bardi (1914-1992), foi arquiteta do prédio do museu.

No filme, em meio a um delírio provocado por uma trombose em 1960, que o deixou sem falar e andar, um programa de televisão imaginário, apresenta os personagens de sua vida, principalmente suas mulheres, que foram muitas.

Casado com Maria Henriqueta Barrozo do Amaral (Letícia Sabatella), separou-se dela para viver com uma menina argentina de 16 anos (Leandra Leal), mãe de sua filha Teresa. A fascinante Vivi Sampaio, um amálgama de mulheres a quem amou, na pele de Andréa Beltrão, que se divide entre Chatô e Getúlio, tem cenas memoráveis, inclusive a última.

Os figurinos caprichados e uma bela luz, conferem ao filme a magia necessária ao clima de sonho e pesadelo em que se desenrolam as memórias de Chatô.

Um filme original, farsesco, bem imaginado, bem dirigido, com um ótimo elenco.

Eu adorei.

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