O Amante Duplo

“O Amante Duplo”- “L’Amant Double”, França, Bélgica, 2017

Direção: François Ozon

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Imagens desconcertantes na tela. Uma mocinha tem o cabelo longo cortado. Ela olha sedutora para a câmera. Há um close de uma vagina cor de rosa que parece uma flor. A imagem de um olho enorme se segue.

Chloé (Marina Vacth de “Jovem e Bela”) está na ginecologista que a avisa:

“- Se você emagrecer muito, suas regras não vão voltar…”e acrescenta, “acho que as dores abdominais que você tem são psicológicas. Procure fazer uma terapia. ”

E vemos Chloé subindo as escadas para o consultório do Dr Paul Meyer, indicado pela médica. E, na primeira vez que vê o terapeuta sentado na frente dela, um rapaz bonito, louro, de óculos (Jérémie Renier), ela diz:

“- Tenho dores na barriga. Fiz regimes especiais. Cortei o glúten. Fui a especialistas. Dizem que o intestino é o segundo cérebro. Tenho 25 anos. Moro sozinha com meu gato Milo. Fui modelo. Tive histórias de amor. Meu trabalho me estressa. Acho que sou incapaz de amar. Sinto-me vazia. Algo me falta. Choro sem razão. Você pode me ajudar? ”

“- Sua dor fala por você, vamos ver juntos do que se trata ”, responde ele.

E começam as sessões. Numa delas ela diz:

“- Quando eu era criança, eu imaginava que tinha uma irmã gêmea. Um duplo para me proteger. ”

Em outra:

“- Fui educada por meus avós. Minha mãe não me ama e isso me faz mal. No enterro dela eu me via no caixão…  Quando você me olha assim, digo a mim mesma que eu existo. “

Já dá para ver que estamos frente a uma mocinha muito doente. E, quando o terapeuta encerra as sessões porque se apaixona por ela e vão morar juntos, Chloé vai ficar desprotegida.

Será através dos olhos dela que vamos conhecer o desenrolar da história. E vamos nos perguntar: mas o que é sonho ou alucinação e o que é realidade? Os limites estão borrados. Vamos acompanhando Chloé e percebendo que tudo fica cada vez mais confuso e amedrontador.

François Ozon, 60 anos, é um diretor francês muitas vezes premiado por seus filmes originais. Podemos citar “Frantz”2016, “Uma Nova Amiga”2014, “Dentro de Casa”2012, “8 Mulheres”2010, ”Ricky”2009, “Sob a Areia”2000. Ele gosta de desafiar a inteligência do espectador e surpreender.

Em “O Amante Duplo”, inspirado por Joyce Carol Oates no seu “Lives of the Twins” (com o pseudônimo de Rosamond Smith), usa a sexualidade para falar de dissociação de personalidade, duplicidade, alucinação do duplo. Mas tudo isso com um erotismo a um passo da pornografia leve, que não é ofensivo nem de mau gosto.

Espelhos de todos os tamanhos e vidros que refletem as pessoas estão em toda parte onde Chloé vai. Dentro dela, um labirinto onde ela se perde.

O filme vai montando um suspense e lembramos de Hitchcock em “Marnie, confissões de uma ladra” e Paul Verhoeven em “Elle”.

Exótico, Ozon seduz pela beleza das imagens, dos corpos dos atores e pelo apelo à excitação que alimenta a libido da plateia.

Mas, nem todos vão gostar. Eu digo: experimente.

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Desobediência

“Desobediência”- “Disobedience”, Inglaterra, Irlanda, Estados Unidos, 2018

Direção: Sebastián Lelio

O velho rabino Rav Kruschka (Anton Lesser) fala para sua comunidade de judeus ortodoxos na sinagoga no norte de Londres. E o assunto é a “Criação” e a liberdade. Diferente dos anjos e dos animais, seres que seguem o plano em que “Hashem” os criou, o homem e a mulher podem desobedecer, diz ele.

“- Hashem nos deu livre arbítrio. Ele nos deixou escolher…”e, não conseguindo terminar sua fala, cai morto.

Assim começa o filme “Desobediência”. E está colocada a questão para uma reflexão através dos personagens que vivem o drama da história a ser contada.

Em Nova York, Ronit (a bela Rachel Weisz, Oscar pelo filme de Fernando Meirelles, “O Jardineiro Fiel”), uma fotógrafa famosa, recebe uma estranha ligação. O que ficou sabendo que a tirou completamente fora de seu eixo?

Foge para um bar, bebe e transa com um homem desconhecido. Parece desnorteada. Depois vai patinar no gelo com um semblante grave e olhos vazios. Até que, sentada, tira os patins e rasga sua camisa. Tomou uma decisão. E a vemos num avião.

Seu destino é o norte de Londres, uma rua tranquila, casinhas geminadas. Bate na porta de uma delas:

“-  Dovit está? ”

E vem atendê-la um jovem rabino (Alessandro Nivola, excelente):

“- Ronit! Não esperávamos você…”

Ela ensaia um abraço mas recua a tempo. Rememora quem está à sua frente. Não mais o amigo íntimo da juventude, o discípulo mais próximo do pai dela, o rabino Rav, mas alguém que talvez ela não conheça mais.

Entra na casa e mulheres de peruca e roupas simples e escuras a olham com curiosidade.

“- Ronit! Então você veio! ”exclama com simpatia a única que a recebe com um abraço, tia Fruma.

Todos os outros ali a fazem sentir-se deslocada.

E quando chega Esti (Rachel McAdams, comovente), a mulher de Dovit, ela fica surpresa. Sentimos que há algo mais acontecendo naquele reencontro. Logo percebemos que o motivo do exílio de Ronit é Esti. As duas viveram na juventude uma relação proibida.

Mas o diretor chileno Sebastián Lelio, 43 anos, que foi escolhido por Rachel Weisz, também produtora do filme, é talentoso. Não à toa, ganhou o Oscar pelo melhor filme estrangeiro do ano passado, “Uma Mulher Fantástica”. É dele também o filme “Glória”, que premiou Paulina Garcia como a melhor atriz do Festival de Berlim de 2013. Filmes sobre mulheres incomuns.

Em “Desobediência” também há mulheres transgressoras aos olhos da comunidade à qual pertencem. E novamente o diretor usa de delicadeza, cuidado e respeito, dirigindo com maestria seus esplêndidos atores. O que faz o filme não ser apenas um drama sobre mulheres que se amam, mas algo bem mais profundo. Trata-se de uma reflexão complexa sobre a liberdade, a fé, a responsabilidade, o perdão e o amor.

Adaptado do romance da escritora inglesa Naomi Alderman, o filme teve o roteiro escrito pelo próprio diretor e Rebecca Lenkiewicz (de “Ida”), que conseguiram criar diálogos naturais e humor, o que muitas vezes alivia o peso das situações vividas pelos personagens.

Sem julgamentos morais, o filme coloca em foco a tolerância, a compaixão e a complexidade das decisões que são tomadas.

Um dos melhores filmes do ano.

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