À Pé Ele não Vai Longe

“A Pé Ele Não Vai Longe”- “Don’t Worry, He Won‘t Get Far on Foot”, Estados Unidos, 2018

Direção: Gus Van Sant

Oferecimento Arezzo

Como foi que aconteceu? Como John Callahan ficou condenado a uma cadeira de rodas por toda a vida?

Joaquin Phoenix, fazendo o irreverente cartunista, com o talento camaleônico de sempre, conta sua própria história no grupo terapêutico que frequenta, sob o comando de Donny (Jonah Hill, ótimo), seu “coach” de vida:

“- Acordei e ainda estava bêbado da noite anterior, no último dia em que andei. ”

Aquele cara ruivo, 21 anos, de óculos, com uma camisa estampada, jeans e chinelos, vai correndo até a loja de bebidas. Não podia ficar sem. O álcool o controlava.

À noite vai a uma festa e conhece Dexter (Jack Black), um gordo de bigode que o convence a ir para outra festa, onde os dois já bêbados, bebem mais ainda. No Volkswagen azul, Dexter ao volante, vomita pela janela.

Param num parque de diversões mas não param de beber. Dentro do carro, os dois dormem e o carro anda em zigue-zague.

“ – E foi assim. Dexter confundiu um poste com uma saída e batemos a 145 milhas por hora. ”

John foi para a UTI, quase morreu e Dexter saiu sem um arranhão.

“- Teve sorte “, diz o médico que não poupa John de ficar sabendo de todos os detalhes de sua péssima situação.

Ele tem uma história triste que conta no grupo com humor amargo:

“- Sei três coisas sobre minha mãe: era ruiva, irlandesa-americana e não me queria. “

Foi longo o caminho que John Callahan teve que percorrer para aceitar sua condição de tetraplégico com colostomia, que dependia de um cuidador para tomar banho e todo o resto.

E, além disso, foi duro admitir que era um alcoólatra, conseguir executar os 12 passos dos Alcoólicos Anônimos e livrar-se dessa dependência.

Ajudou-o seu espírito curioso e não convencional e um olhar irônico sobre a vida. Numa das cenas, ele anda pelas ruas, como sempre, acima da velocidade permitida em sua cadeira de rodas elétrica e cai. Um grupo de jovens o ajuda a levantar e veem um desenho dele onde cowboys a cavalo olham uma cadeira de rodas vazia em pleno deserto. Um deles diz:

“- Não se preocupem. A pé ele não vai longe. ”

Essa frase tornou-se o título de sua autobiografia, na qual o diretor Gus Van Sant se inspirou para o roteiro do filme. Contada em idas e vindas no tempo, a história desse homem incomum, que morreu em 2010, faz a gente pensar no que ele não tinha e no que nós temos e nem valorizamos.

E John Callahan teve também um anjo sueco em sua vida, Annu (Rooney Mara) que o ajudou a desenvolver e a expressar a parte delicada de sua alma.

Um filme comovente e nada patético.

Ler Mais

Bird Box

“Bird Box”- “Às Cegas”, Netflix, 2018

Direção: Susanne Bier

A sobrevivência é algo precioso para os seres vivos. Para nós, humanos, entretanto, existe uma saída trágica dessa vida através do suicídio. Que é sempre um enigma.

Pois “Bird Box” trabalha justamente o medo paralisante, o terror e o fim do terror através da morte, preferida à visão de algo extremamente perturbador. Esse algo provocaria o surto psicótico que leva ao suicídio.

O que é esse algo? O que ameaça e faz as pessoas se matarem? Não sabemos e não saber é um estado de sofrimento que vai se instalar ao longo do filme.

No começo, as irmãs Malorie (Sandra Bullock) e Jessica (Sarah Paulson) a pintora e a criadora de cavalos, não dão muita atenção ao que a TV está mostrando. Pessoas estão se matando na Rússia. Há uma epidemia de suicídios pelo mundo.

Mas Malorie tem uma consulta com a médica obstetra e Jessica larga tudo para acompanhá-la. Está preocupada com a apatia da irmã que não dá sinais de estar ligada em seu estado. Há algo de negação e de repúdio à gravidez não desejada e fruto de uma relação que não vingou.

A médica tenta alertá-la e até propõe o caminho da adoção, já que talvez Malorie não tenha nascido para ser mãe.

Já na saída do hospital as irmãs veem uma moça batendo a cabeça no vidro do corredor. Realizam rapidamente que a epidemia de suicídios tinha chegado. Nas ruas, carros batem, capotam, atropelam pessoas. Gente correndo sem rumo. Pânico.

Jessica, que está dirigindo o carro naquela rua cheia de gente enlouquecida, vê algo e põe o carro em situação de perigo. Malorie não consegue despertá-la de um estranho estado. Capotam mas sobrevivem. Quando Jessica olha Malorie com um olhar vazio e se deixa atropelar por um caminhão, é o nosso primeiro grande susto.

Malorie consegue ajuda e se refugia numa casa levada por um homem (Trevante Rhodes), não sem antes ver enlouquecer uma mulher que também vinha na sua direção. O marido dela (John Malkovich) assiste a tudo sem poder fazer nada.

O filme vai alternar dois cenários e dois tempos: a casa trancada e com as janelas vedadas, onde se refugiam algumas pessoas e o rio, onde, cinco anos depois, Malorie vai tentar sobreviver com duas crianças num barco a remo, com vendas nos olhos. Leva consigo uma caixa com pássaros porque eles sinalizam a presença do perigo ameaçador de que fogem. Este fato dá nome ao filme e também passa a ideia de confinamento a que os personagens estão condenados, já que não podem sair ao ar livre sem vendas e, assim mesmo, se arriscando à tentação de querer ver o que causa o perigo de morte.

Sandra Bullock, 54 anos, que já ganhou um Oscar de melhor atriz por “Um Sonho Possível” de 2009 e atuou em “Gravidade” de 2013, dirigida por Cuarón, está brilhante no papel de uma pessoa apática que passa a dar valor à vida e a sentir-se ligada, com todas as suas forças, ao objetivo de sobreviver com as duas crianças.

Susanne Bier, diretora dinamarquesa, 58 anos, levou o Oscar de melhor filme estrangeiro com “Em um Mundo Melhor” de 2010. Ela consegue passar o clima de suspense e terror na medida certa em seu filme. O roteiro de Eric Heisserer (“A Chegada”) é uma boa adaptação do livro de Josh Malerman, dizem os que leram o livro.

Agora, quem não gosta de ver sangue e assassinatos, nem de sentir ansiedade, melhor pular essa produção da Netflix. Uma pena porque vão perder um filme muito interessante. Aos outros, eu recomendo vivamente.

Ler Mais