Apenas o Vento

“Apenas o Vento”- “Csak a Szél”, Hungria, 2012

Direção: Benedek Fliegauf

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Logo no início somos avisados. Na Hungria, em 2008 e 2009, ocorreram assassinatos de ciganos. Famílias inteiras dizimadas. Mas não vamos ver um documentário. “Apenas o Vento” é um filme de ficção, baseado em fatos reais. O diretor húngaro Benedek Fliegauf também escreveu o roteiro e seu filme ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim.

Um dia nasce. O sol por trás das árvores começa a aquecer a terra. Muitas moscas voam em meio a lixo.

Um menino com o torso nu e o rosto sombrio, escuta pessoas cantando um lamento:

“Eles mataram seu pai

Esconderam sua cova

Seu coração está enterrado

Debaixo das pedras.”

Dentro daquela casa tudo está escuro. Vagamente percebemos pessoas deitadas numa cama. Amontoados.

De repente, uma mulher afasta com delicadeza uma perna de criança pousada em cima da dela. Levanta-se, prepara um prato e alimenta um velho, seu pai.

“- Volto à noite”, avisa.

Duas outras crianças, adolescentes, vão também se levantar daquela cama.

A família de ciganos mora em um casebre junto a outros, na borda de uma floresta.

A mãe tem dois empregos. Seu rosto determinado e duro, responde às agressões que sofre durante o dia com silêncio e olhos baixos.

A mocinha vai à escola e também passa por perseguição. Mas ela é a personagem mais amorosa. Conversa no computador da escola com o pai. A esperança é ir encontrá-lo no Canadá.

“- A família Lakatos foi morta. Destroçados com uma escopeta. Papai, você deveria voltar para casa.”

“- Vocês todos vão vir para Toronto quando sua mãe conseguir o dinheiro. Não se preocupe. Fiquem juntos à noite. Tranca a porta e as janelas.”

Ela desenha bem e promete fazer um bem bonito para as mocinhas de batom preto levar para o tatuador.

Voltando para casa encontra a menina, filha da vizinha drogada e leva ela para um banho no rio. Colhem flores no campo e ela coloca uma coroa na cabecinha da pequena. É o único momento doce e belo do filme.

O irmão dela, Rió, não vai à escola. Perambula pela floresta. Vasculha lixo e casebres abandonados. Abastece seu esconderijo. Fareja o ódio. Parece que sabe que chegou o dia.

A câmara gruda quase o tempo todo nos personagens e isso nos angustia. É anti-natural essa invasão do espaço íntimo de um ser humano. A tentação de ir embora do cinema, para não ver o que vai acontecer, é grande.

Quem fica, sofre com o drama daquela família que representa as outras todas que morreram.

A “limpeza” étnica no Leste europeu assusta e mostra para onde pode caminhar a humanidade, se não estivermos atentos.

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Tese Sobre um Homicídio

“Tese Sobre um Homicídio”- “Tesis Sobre un Homicidio”, Argentina, 2013

Direção: Hernán Goldfrid

Detalhes. É com eles que começa o filme argentino que traz o excelente Ricardo Darín (“O Segredo dos Seus Olhos”, 2009) como o professor da Faculdade de Direito de Buenos Aires, Roberto Bermudez.

Assim, vemos uma moeda girando em cima de uma mesa, uma garrafa de uísque tombada, uma mão ferida enfaixada, “slides” antigos, um livro aberto no chão, o apartamento revirado. Darín levanta-se de um sofá de couro e leva as mãos à cabeça. Está tudo ali nos detalhes que a câmara foca. Porém o espectador tem que prestar atenção. Nem tudo é falado.

Vamos assistir a um jogo de “gato e rato”, onde as aparências enganam e antigas rivalidades vem à tona.

Mas há várias maneiras de interpretar o filme.

Pode ser a história de um homem que desmorona e entra num surto obsessivo.

Também pode ser a história de um aluno que desafia o mestre e quer provar que ele não sabe funcionar na prática. Só entende de teoria. Vai fazer o orgulhoso professor cair do seu pedestal.

Em outra camada mais profunda, o filme pode contar a história de um filho que odeia a mãe e o pai e desafia quem ele pensa que verdadeiramente o gerou.

A dúvida é o elemento principal que sustenta a narrativa e prende a atenção do espectador.

O diretor Hernán Goldfrid, nas pegadas de Hitchcock e Brian de Palma, cria intriga e suspense também com as imagens. Tomadas em “close” do rosto de Darín, seus olhos expressando emoções mudas, sua nuca que é o ponto onde a câmara insinua um começo de um estrangulamento, imagens desfocadas e duplicadas em espelhos e vidros, quase que alucinações e delírios.

Um assassinato, cometido com requintes de perversidade, acontece no estacionamento, em frente à sala da Faculdade onde o professor Bermudez e o aluno Gonzalo (Alberto Ammann), filho de antigos conhecidos do professor, se enfrentam, duelando teorias sobre a justiça.

Quem é o assassino da borboleta? O professor tem razão em desconfiar do aluno ou está novamente equivocado como no caso Latorre, citado muitas vezes ao longo do filme?

Calu Rivero como Laura, empresta seu encanto e juventude e faz o pomo da discórdia, seduzindo os dois homens, professor e aluno.

Baseado no livro do mesmo nome de Diego Paszkowski, admirado autor argentino, “Tese Sobre um Homicídio”, com roteiro de Patricio Veja, é um “thriller” intrigante e bem realizado.

E novamente, o cinema argentino mostra o seu valor.

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