O Concerto

“Le Concert” França/ Romênia/ Rússia/ Bélgica/ Itália, 2009

Direção: Radu Mihaileanu

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Um certo tipo de música tem o poder de criar uma atmosfera que nos arrebata e pode nos emocionar até às lágrimas. São momenos sublimes em que os músicos e a platéia entram em um tal estado de comunhão, que a harmonia é perfeita.

O novo filme do diretor judeu romeno Radu Mihaileanu, “O Concerto”, conta a história de um maestro que buscava essa perfeição e tem uma cena final mágica em que isso acontece. Somos tomados por uma forte emoção e as pessoas no cinema enxugam as lágrimas.

E tudo começa de uma maneira insólita. Enquanto passam os créditos iniciais do filme, escutamos uma peça de Mozart e a câmera foca o rosto de um maestro de olhos fechados, que rege embevecido, como que transportado para um outro mundo. Os instrumentos, piano, violino, fagotes são mostrados em primeiro plano. O clima é inefável.

Mas um telefone celular toca.

E rompe-se a magia. Percebemos que aquele que parecia ser o maestro que regia a orquestra com tanta suavidade e presença é, na verdade, o faxineiro do Bolshoi, que está escondido no balcão superior do teatro.

Um diretor furioso entra e o enxota dali:

“- Você está proibido de assistir aos ensaios da orquestra! Volte imediatamente para o seu trabalho.”

E é o que faz um humilhado Andrei Filipov (Aleksei Guskov).

Ele fora o maestro do Bolshoi há 30 anos atrás. Tocava com sua orquestra, quando fora brutalmente interrompido. Sua batuta é quebrada e ele ouve a acusação:

“- Inimigo do povo!”

O maestro ousara desafiar as ordens do supremo mandatário, Leonid Brejnev, que proibira a presença de judeus nas orquestras russas.

Mas o ex-maestro vai ter a sua vingança. Intercepta por acaso um fax dirigido ao diretor do Bolshoi, convidando a orquestra para apresentar-se no prestigioso Châtelet de Paris. E trama um plano: vai reconstituir sua antiga orquestra, da melhor maneira possível, já que muitos músicos morreram e outros não estão mais no país e serão eles que vão tocar em Paris.

Como solista para o Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior de Tchaikovsky, o maestro quer a violinista Anne-Marie Jacquet de 29 anos. A bela Mélanie Laurent interpreta a violinista que vai ser a peça-chave de um drama de injustiça e perseguição. Faz também a outra violinista que aparece em cenas em preto e branco. O passado esconde um segredo que será revelado no final.

Coincidências. Mélanie Laurent interpretou a judia Shoshana em “Bastardos Inglórios” de Tarantino e aqui também é uma judia. Em uma entrevista em Cannes, onde o filme foi apresentado, Mélanie Laurent contou que, também ela, soube de sua ascendência judia tardiamente, como a personagem da violinista que interpreta em “O Concerto”.

Conta também que dublou a violinista francesa de origem rumena, Sarah Nemtanu, que nasceu em 1981 e que é a solista da Orquestra Nacional da França.

Para que ela pudesse fazer o papel, Nemtanu ensinou Laurent principalmente a usar o arco com a mão direita. Ensaiaram por seis meses, duas ou três vezes por semana, por duas horas. Mas na cena final a mão esquerda é de outra violinista, da mesma orquestra porque, conta Sarah Nemtanu em entrevista ao jornal francês “Le Figaro”, suas mãos eram maiores que as da atriz e seus cabelos tinham cor diferente.

O filme trouxe visibilidade para Sarah Nemtanu, que lança seu primeiro CD com músicas para violino com nuances ciganas e chama-se “Gipsic”.

Radu Mihaileanu, diretor de sucessos como “O Trem da Vida” (1998), no qual judeus de uma aldeia vestem-se de soldados nazistas para conduzir os outros a trens que os levarão à Palestina e não a campos de concentração, tem o dom de contar histórias em tom de farsa com aquele humor judáico tão famoso.

Em ritmo de teatro burlesco, o diretor encaminha a sua história com graça e tiradas hilárias, com excelentes atores. É uma comédia que também comove.

O ano termina assim com um presente para quem gosta de bom cinema. Vá assistir e emocionar-se com “O Concerto”.

Comece o ano com o pé direito.

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Oceanos

Oceanos – “Océans” França/ Suiça/ Espanha, 2009

Direção: Jacques Perrin e Jacques Cluzaud

“Oceanos” não é mais um daqueles documentários tediosos que passam na TV e que estamos cansados de ver. Você vai se surpreender se vencer o pé-atrás.

Vamos mergulhar em abismos azuis, voar sobre praias brancas, nadar sobre rochas e corais e descobrir o mundo transparente debaixo do gelo. E o mais fascinante: vamos conhecer de muito perto o povo que habita as águas salgadas que cobrem grande parte do nosso planeta.

Câmeras mágicas, colocadas em lugares que a mente julga inacessíveis, mostram a intimidade dessas criaturas, enquanto que um olho maior vê, em macro, coisas inéditas.

E tudo isso porque uma criança, que nunca tinha visto o mar perguntou a Jacques Perrin, que é o coprodutor, codiretor, ator e também narrador do filme:

“-O que é o oceano?”

Ele diz com sobriedade:

“- E eu não soube responder…”

Por isso o filme “Oceanos” vai tentar mais que responder, explicar essa pergunta de forma visual, com imagens que você não vai esquecer fácilmente. Aliás, a maioria de nós nunca presenciou as cenas que vamos ver.

Levou 7 anos e foram necessárias 70 expedições a 50 lugares diferentes do planeta. Mas valeu a pena. O filme é uma maravilha.

Como uma contrapartida ao conhecido “Mundo do Silêncio” do lendário Jacques Cousteau e Louis Malle, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes de 1956, “Oceanos” traz para os nossos ouvidos os sons de um mundo movimentado.

O filme conta com a primorosa trilha musical de Bruno Coulais, que usa instrumentos, corais e ruídos do próprio lugar da filmagem, para compor um concerto que acompanha a ação e estimula sentimentos diversos na platéia. Assim, é um som eletrizante que evoca em nós o susto e o terror no vôo do tubarão branco que engole a foca no ar, uma melodia suave embala-nos na ternura quando a mamãe foca convida seu bebê para o primeiro mergulho ou ainda, um “fortíssimo” acompanha a emoção da aventura quando golfinhos e gaivotas disputam, palmo a palmo, as sardinhas em cardume, agitando as águas brancas de espuma.E tem muito mais.

Os técnicos usaram hidrofones para registrar o som local e registros sonoros de experimentos científicos foram acrescentados às imagens, sempre que era impossível fazer isso no tempo real.

O produto final é fascinante e, desde o mais ligeiro roçar de patas de um caranguejo, até o estrondo de uma tempestade em alto mar, entram em nosso ouvidos, virgens de tudo isso, como uma composição inebriante ouvida pela primeira vez.

Além de nos apresentar às águas dos mares e seus habitantes, ”Oceanos” tem a intenção de conscientizar os seres humanos sobre a importância da preservação da região aquosa de nosso território de vida. Pois a Terra é um ser vivo, Gaia, e nós fazemos parte dela.

Mas, assim como nunca descamba para o didatismo, apenas mostrando imagens sonorizadas, “Oceanos” não faz preleções sobre o respeito à natureza.

Mais forte do que qualquer discurso são as imagens que vemos de espécies já extintas, em um museu todo de mármore branco. Cemitério para bichos empalhados que não existem mais…

Jacques Perrin e seu neto caminham entre esses animais tornados estátuas inertes. Os olhos do menino indagam, mudos, ao seu avô o por que de todo esse massacre. Perrin não explica, apenas nos incentiva a pensar e a nos entristecer.

Visitamos com eles o maior aquário do mundo em Atlanta, EUA. O fundo do mar é simulado com talento. E a pergunta está no ar: no futuro veremos a população marinha só em aquários? E os oceanos? Estarão de tal forma poluídos e desertos que nos farão horror?

E antes que você se escandalize com a contradição de um filme tão ecológico orquestrar um massacre na cena da pesca de pesadelo, fique mais um pouco no cinema e veja a explicação nos créditos finais. Porque nenhum animal foi maltratado nesse filme. A cena dantesca, a que assistimos enojados, é uma encenação na qual até robôs foram usados.

Imprescindível para tocar o âmago da nossa alma e despertar a compaixão.

Vai ser bom se você sair do cinema encantado e disposto a ajudar o povo do mar a sobreviver.

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