A vida íntima de Pippa Lee

“A vida íntima de Pippa Lee” - "The private lives of Pippa Lee", Estados Unidos, 2009

Direção: Rebecca Miller

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É um filme estrelado. Nomes como Robin Wright Penn(Pippa Lee adulta), Alan Arkin (o marido 30 anos mais velho do que ela), Maria Bello (a mãe de Pippa), Monica Bellucci (a ex do marido), Julianne Moore (o “caso” da tia  lésbica), Winona Ryder ( o “caso” do marido), Keanu Reeves(o “cara meio pancada”) e Blake Lively (Pippa quando jovem) participam de um filme escrito e dirigido por Rebecca Miller, filha do conhecido dramaturgo Arthur Miller(1915-2005).

Como se não bastasse, o produtor executivo do filme é ninguém menos do que Brad Pitt.

A diretora, que escreveu e adaptou seu próprio livro, diz em uma entrevista:

“- Arthur (Miller) era meu pai, só penso nele assim, embora como intelectual me interesse muito a construção e repercussão de sua obra. Se isso é bom ou mau para a minha carreira, se ele me ilumina ou projeta uma sombra, confesso que são questões que só surgem quando dou entrevistas.”

E ela é casada com Daniel Day-Lewis que já ganhou dois Oscars por “Meu pé esquerdo” e “Sangue Negro”.

Poderíamos indagar onde fica a figura da mãe no universo familiar da autora. Ninguém perguntou sobre isso…

Mas, para Pippa Lee, sua personagem, certamente essa pergunta é crucial.

Porque ela tem muitas vidas, muitos recomeços. Isso perdeu-se na tradução do titulo do filme do inglês para o português:

“- Como muita gente, já vivi muitas vidas”, diz Pippa no início do filme.

Em sua primeira vida, vivida na tela por Madeline McNulty, ela é a bebê mimada por sua mãe narcisista que a trata como uma extensão de si mesma.

Já maiorzinha, vestida de anjo, ”cowgirl”, dançarina, posa para sua mãe pintora, toda admiração pela filhinha.

“- Ela é um bebê ou um bichinho de estimação?” pergunta o irmão.

Esse foi o paraíso de Pippa mas que durou muito pouco.

“- Eu era o seu bem mais precioso”, diz uma Pippa adulta relembrando dessa primeira vida.

Entrando na adolescência, dá-se conta de que a mãe é triste, que seu humor tem altos e baixos e ela se crê a culpada de tudo isso:

“- Meu dever era fazer ela feliz outra vez. Seu humor governava a minha vida”.

E Pippa, identificada com sua mãe, tenta entender o enigma de sua instabilidade agindo como ela. Toma todas as anfetaminas que acha no armário da mãe e que ela tomava para não engordar.

“- Eu te amo tanto. Agora nós duas podemos ficar “chapadas e felizes”, grita uma menina enlouquecida.

A mãe fica furiosa e Pippa foge de casa, começando assim a sua segunda vida, que vai iniciá-la na sexualidade, na perversidade e na “dolce vita” do fim dos anos 60.

Ela é uma menina perdida que encontra um homem importante, o maior editor da época, trinta anos mais velho do que ela (Alan Arkin,comovente) e que se apaixona por Pippa.

Alguém a define como uma “femme fatale” ingênua.

Vive então a sua terceira vida já na pele de Robin Wright Penn, que está maravilhosa no papel.

Nessa vida ela vai tentar viver da melhor maneira possível mas se torna um “enigma adaptável” segundo seu marido que envelhece e de quem ela cuida como se ele fosse um bebê. Ou alguém à beira da morte.

Começam estranhos episódios em sua vida enquanto ela se pega menos controlada, mais sensível.

E ela se pergunta:

“- Será que não estou tendo um “nervous breakdown”(colapso nervoso) silencioso?”

O roteiro do filme propõe novas interrogações para Pippa que parece finalmente aceitar sua dissociação cabeça/coração.

E nós na platéia torcemos por ela, que se redescobre e se reinventa enquanto ainda (?) há tempo para isso.

Fatalmente alguns de nós vamos nos perguntar na saída do cinema:

“- Quantas vidas eu me permiti viver?”

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É Proibido Fumar

"É Proibido Fumar", Brasil, 2009

Direção: Anna Muylaert

Até já virou clichê: este é o ano de Glória Pires.

Ela, que sempre comove e convence na TV, este ano brilhou no cinema. Seja na pele de dona Lindú (“Lula, o Filho do Brasil”), seja na Baby de “É Proibido Fumar”, ela merece todos os elogios que ganha.

Aliás, o 42º Festival de Brasília cumulou de prêmios esse filme. Além de melhor filme, melhor atriz (Glória Pires), melhor ator (Paulo Miklos) e atriz coadjuvante (Dani Nefussi), ganhou também o de melhor roteiro (Anna Muylaert), trilha sonora (Marcio Nigro) e montagem (Paulo Sacramento).

E por que ‘’É Proibido Fumar’’ agrada tanto?

Arriscando uma resposta acho que Anna Muylaert soube escolher os ingredientes que fazem o filme dela ser original sem ser pedante, ousa falar de banalidades sem ser raso e tem uma empatia enorme com os seus personagens de carne e osso. Além de diálogos naturais que vão contando a história.

O espectador se envolve desde o começo quando a tela é invadida pela fumaça de um cigarro. Alguém tosse sem parar. A televisão vende anéis no close de uma mão feminina…

Já está tudo ali mas a gente não sabe ainda e quer saber.

E se interessa pela história de Baby, professora de violão de idade indefinida, que mora em um apartamentinho recheado de pequenos nadas e que tem paciência e tédio com seus alunos sem talento mas é muito brava e reclamona com as irmãs que conseguiram mais da vida do que ela.

Dani Nefussi faz Teca, a irmã casada com filhinha pequena, que olha Baby com preocupação, irritada porque vê nela sinais de solidão não escolhida e libido reprimida.

Já Pop (Marisa Orth) é a irmã que “roubou” o sofá da tia Diná que teria sido legado como herança para Baby. Pop é uma executiva bem sucedida e também tenta ter paciência com a irmã surtada.

O sofá virou o objeto de desejo de Baby que não tem ninguém com que se preocupar, a não ser ela mesma.

O cigarro é o seu único companheiro

E por isso tudo, Baby logo se enreda com o novo vizinho (Paulo Miklos) que aparentemente não tem nada a ver com ela.

Ele gosta de Jorge Ben Jor, é guitarrista, toca sambão em um bar e não gosta de cigarro.

Ela gosta de Chico Buarque, toca violão e fuma sem parar. Mas quer cuidar de alguém.

E então, Baby faz o imenso sacrifício de parar de fumar em nome dessa carência que não suporta mais a solidão.

E repete alto o mantra aprendido em um grupo de auto-ajuda:

“O cigarro parece meu amigo mas é meu inimigo.”

E nós, espectadores, torcendo por Baby, identificados com ela por causa de nossas misérias particulares, vamos ver essa mulher lutar com todas as suas forças, passar por cima de todas as regras, desrespeitar normas e leis para ganhar o seu amor.

Disse Anna Muylaert em uma entrevista a Luiz Zanin Oricchio:

“- O filme era uma espécie de crítica ao casamento, àquilo que você perde quando casa. Mas o Paulo e a Glória entenderam aquilo como um amor que, mesmo não sendo uma grande história, é o amor possível.”

A trilha sonora premiada é uma delícia à parte. Além de Caetano, Jorge Ben Jor, Gilberto Gil e outros, os solos de violão pontuam as cenas acompanhando ou sugerindo a emoção da hora: tristeza, nostalgia, reflexão, raiva, contentamento .

E não vá embora correndo do cinema. Porque senão você vai perder outra delícia: Glória Pires cantando ‘’  “Tatuagem” de Chico Buarque, enquanto passam os créditos finais:

 

“Quero ser a cicatriz

risonha e corrosiva

marcada a frio

ferro e fogo em carne viva.

…………………………………………………….

E nos músculos exaustos

do teu braço

repousar frouxa,murcha,farta

morta de cansaço…”

 

Uma voz afinada, comovida, realizada.

Assim saímos também do cinema, com o filme na cabeça.

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