As Palavras

“As Palavras”- “The Words”, Estados Unidos 2012

Direção: Brian Klugman e Lee Sternthal

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Se há algo que fascina no filme “As Palavras” é o fato de nos darmos conta de que a ficção e a realidade, na literatura, tem limites tênues. Quando um escritor escreve um livro, quanto de auto-biográfico ele é? Alguém consegue escrever sobre algo que não viveu?

No filme, um escritor (Dennis Quaid) prepara-se, nas primeiras cenas, para uma leitura de trechos escolhidos de seu novo livro “As Palavras”.

Ele começa a ler para uma plateia lotada de admiradores, como é costume nos Estados Unidos e na tela vemos os personagens vivendo os fatos da história que ele lê.

Assim, um jovem escritor, Rory Jansen (Bradley Cooper) e sua bela esposa (Zoe Saldana) entram em uma limusine. Ela feliz, mas percebe-se que algo o incomoda. E isso é estranho porque seus olhos estão longe de espelhar um orgulho natural por ter sido agraciado com um prêmio de literatura.

Súbitamente, um outro personagem entra na história. Um homem envelhecido (Jeremy Irons, como sempre soberbo), mal vestido, barba, chapéu que conheceu dias melhores e uma capa de chuva, com um semblante fechado, parece espreitar a saída do escritor Rory Jansen na limusine.

O escritor continua a leitura de seu livro em “off” e há uma frase intrigante que diz que aquele homem da capa de chuva antiquada chegava para mudar tudo na vida do escritor Rory Jansen.

A história que é lida para a plateia traz dois escritores, o jovem e o velho, e um romance perdido, e não publicado, entre eles.

E nós nos perguntamos coisas como de onde vem a inspiração para se escrever uma obra prima? A vida vale mais que as palavras que um escritor busca para descrevê-la? Vale mentir para se tornar um escritor famoso?

Talvez a melhor frase do filme e, claro, do livro que o escritor lê para sua plateia, seja a dita pelo velho senhor da capa de chuva:

“- Minha tragédia foi ter amado mais as palavras do que a mulher que as inspirou…”

Há três casais que se amam e enfrentam dificuldades em épocas diferentes. O soldado americano em Paris no pós-guerra e Célia, a francesa. O jovem escritor Rory Jansen e sua mulher Dora, em lua de mel em Paris, ganha de presente uma pasta antiga. E o escritor que leu seu livro para a plateia, Clay, que é seguido por Daniella, até seu apartamento chic e sem alma em Nova Iorque.

Quantos escritores de verdade existem nesse filme? São três, dois ou um só que imaginou tudo isso?

Ficamos com as nossas próprias conjecturas porque Clay, o leitor de seu livro, responde vagamente:

“- Talvez…Talvez…”, a todas as perguntas de Daniella que está curiosa.

Os roteiristas e diretores estreantes Brian Klugman e Lee Sternthal criaram uma história sobre escritores e literatura que, contada através do cinema, adquire um toque original. Afinal, ninguém vai poder ler o livro que está no livro que narra as aventuras de um original inédito, que é uma obra de arte…

Ficam as perguntas a ser respondidas por quem for ver o filme, principalmente aqueles que gostam de escrever.

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E Agora, Onde Vamos?

“E Agora, Onde Vamos?”- “Et Maintenant, Où Va T-On?” França/Egito/Libano/Itália, 2011

Direção: Nadine Labaki

 

Ouve-se o vento do deserto.

O que fazem aquelas mulheres de preto, rostos graves, umas com véus, outras com cruzes, andando juntas numa coreografia de uma dança sem alegria?

Vão ao cemitério, dividido em dois, a cruz e a crescente, onde se lembram de seus pais, maridos e filhos mortos.

Uma voz feminina diz:

“- A história que vou contar é para quem quiser ouvir. É a história de um povo isolado, cercado por minas, de duas guerras, sozinho entre o céu e a terra, de dois clãs com o coração ferido, as mãos manchadas de sangue, em nome da cruz e da meia lua. De um povo que escolheu a paz. De mulheres vestidas de preto, seus olhos maquiados com cinzas. Quis o destino fazer da coragem delas a sua virtude.”

As casas de cristãos e muçulmanos, na mesma aldeia, se enlaçam com fitas.

E o amor pode até acontecer na fantasia da bela Amale (Nadine Labaki) e do viril Rabih (Julian Fahrat), revelado pelos olhares furtivos trocados entre eles na vida real, envolvidos em uma dança sensual na imaginação.

Mas, como é natural, o ódio também se revela, quando chegam notícias de incidentes entre cristãos e muçulmanos no país.

E, quando a única televisão que existe é tirada de seu esconderijo na casa do prefeito, o noticiário se encarrega de alimentar as desavenças adormecidas.

As mulheres se entreolham e percebem que precisam agir para que seus homens esqueçam a loucura da guerra religiosa. Afinal, elas mantém a paz na aldeia às custas de queimar jornais, sabotar acesso ao rádio e à televisão e esconder as armas.

À noite, fios são cortados e a televisão já não é mais um perigo.

Mas o ódio acordou no coração dos homens e, embora tanto o padre quanto o imã tentem dissuadir, cada qual o seu povo, na igreja e na mesquita, escaramuças acontecem.

As cabras silenciosas observam as mulheres preocupadas.

“- Será preciso um milagre para acalmá-los”, diz uma delas em suas reuniões ecumênicas.

E fazem o milagre acontecer mas não resolve.

É então que a ideia-mãe brilha nas cabeças femininas. Sexo sempre distrai os homens. Principalmente quando é novidade, veste roupas justas e saltos altos em pernas longas.

Sério e divertido, inspirado e comovente, “E Agora Onde Vamos?”, tem música original de Khaled Mouzanar, marido da diretora, que é muito bem usada para ajudar a contar a história e introduzir tanto o humor quanto a tristeza.

Os atores, excelentes e a diretora que também atua, são coadjuvados por habitantes de dois vilarejos do Libano, que avivam a cor local.

O segundo longa da bela Nadine Labaki de 38 anos, (o primeiro foi o festejado “Caramelo” de 2007) é uma fábula sobre o poder do matriarcado, cuja guerra é sem rancor e para proteger aqueles que elas amam.

A diretora, que também ajudou no roteiro, dedica seu filme “às nossas mães”. Àquelas que nos deram a vida.

O bem mais sagrado.

“E Agora, Onde Vamos?” é um filme original, com uma contundência envolvida em charme.

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