A Garota no Trem

“A Garota no Trem”- “The Girl on the Train”, Estados Unidos, 2016

Direção: Tate Taylor

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Um trem passa pelo subúrbio de Nova York, Arsdley-on-Hudson, onde de um lado da linha férrea está o rio Hudson e, do outro, casas acolhedoras e seus jardins. Ouvimos em “off” a voz de Emily Blunt, num monólogo interior, que olha da janela do trem com melancolia:

“- Quem nunca fantasiou sobre a vida das pessoas que moram nessas casas? Imagino como são suas vidas, o que dizem esses casais um para o outro na hora de dormir…”

Rachel (Emily Blunt, perfeita no papel), bebendo numa garrafa de água, olha angustiada para a paisagem das casas. Numa delas, vemos o casal que parece a imagem da perfeição para Rachel. Sorriem um para  outro, sentados no jardim. Numa das varandas, uma outra loura alonga o belo corpo e olha o rio.

“- Eu não sou mais a garota que eu fui. Eu tinha uma vida numa dessas casas. Era tudo que eu queria e foi tudo que perdi”, continua ela em seu monólogo interior.

Rachel tem um caderno na mão e desenha casas e casais. Parece obcecada com essas imagens. Aos poucos, vamos percebendo que o que ela bebe não é água. Uma mãe com seu bebê muda de lugar assustada, quando vê as garrafas de vodca barata que Rachel leva na bolsa. Ela é alcoólatra.

O que faz ela naquele trem todo dia? O que faz com que ela precise olhar todo dia aquelas casas?

Existem três mulheres nessa história: Rachel que perdeu sua vida e sua casa e agora mora de favor com uma amiga, Megan (Haley Bennett) que é a loura do casal perfeito na cabeça de Rachel e Anna (Rebecca Ferguson) que tem um bebê pequeno e mora na casa que foi de Rachel com Tom (Justin Theroux), o ex-marido dela.

A passageira diária do trem foi trocada por outra.

E, apesar da raiva intensa que a sufoca, ela se sente culpada pelo que aconteceu. Num delírio masoquista está certa de que foi ela mesma que destruiu o seu casamento, quando soube que não conseguia engravidar. Desde então jogou-se na bebida e cometeu desatinos que afastaram o marido e o jogaram nos braços de outra, com quem é feliz e tem uma família.

Toda vez que bebe muito, e isso é todo dia, telefona para a casa dele e não fala nada. Quem atende é a babá, a vizinha Megan, contratada por Anna para ajudá-la com o bebê. Anna está assustada com esse assédio.

Mas nem tudo que Rachel imagina é verdade. Ou seja, com sua baixíssima auto-estima e seu estado de completa falta de lucidez por causa da bebida, Rachel é um perigo para si mesma e para os outros. Tem buracos na memória e não é uma testemunha fidedigna nem de sua própria vida.

Quando acontece um desaparecimento inexplicável numa daquelas casas, a verdade, nada brilhante, vem à tona.

O filme, adaptado com eficiência por Erin Cressilda Wilson do best-seller escrito por Paula Hawkins, mistura suspense, drama e crime. Tudo em dose certa e com “flashbacks” que vão contando o que aconteceu.

O diretor Tate Taylor assina um filme com uma história envolvente e belas imagens.

O final é surpreendente e vale toda a espera. O trio de belas atrizes convence e impressiona.

E Emily Blunt é a mais brilhante. Uma atriz que nunca se deixa levar pela vulgaridade, mesmo interpretando uma alcoólatra. Torcemos por ela, mesmo quando há fortes indícios de que ela pode ter cometido um crime do qual não se lembra, por causa da destruição de sua memória pela bebida.

Ela merece sua primeira indicação ao Oscar.

E “A Garota no Trem” merece ser visto por seus personagens complexos, sua história bem contada e por seu final nada óbvio.

 

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O Contador

“O Contador”- “The Accountant”, Estados Unidos, 2016

Direção: Gavin O’Connor

Todos se lembram de Dustin Hoffman no filme “Rain Man” de 1988, interpretando Raymond, o irmão mais velho e esquecido de Tom Cruise, internado num hospital psiquiátrico e a quem o pai lega sua fortuna.

Os irmãos vão se aproximar mas o que ficou na nossa memória foi a estranha e extraordinária memória fotográfica de Raymond. Ele era um autista e pouco se falava sobre isso na época.

Dustin Hoffman ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de melhor ator, interpretando um homem adulto que apresenta o quadro da síndrome de Savant, uma condição clinica na qual as pessoas desenvolvem tanto habilidades extraordinárias quanto graves. Raymond foi um personagem inspirado num caso real, o de Kim Peek, de 55 anos, que possuía a habilidade de decorar 98% de tudo que lia ou ouvia.

No filme “O Contador”, dirigido pelo irlandês Gavin O’Connor, Ben Affleck interpreta um personagem que apresenta um caso de autismo de alto grau de funcionamento, a síndrome de Asperger. Essas pessoas tem QI normal, leves problemas de coordenação motora e os problemas de comunicação, de interação social e comportamento repetitivo só são detectados pelos pais ou professores depois dos 5 anos de idade. Desenvolvem interesses específicos e obsessivos.

No caso do filme, Christian Wolff é altamente dotado para a matemática e se interessa por armas.

E no campo das lutas marciais, um estilo específico, o “silat”, torna-se uma especialidade e ele desenvolve habilidades de um super-herói. Seu pai, um ex-militar problemático, ensinou ao filho que ele era “diferente” e que, por isso iria assustar as pessoas. Era necessário que soubesse se defender porque o medo que ele causaria nas pessoas seria o pretexto para um ataque.

Vemos Christian e o irmão, que não tinha problemas, serem instruídos por um professor de artes marciais que, incentivado pelo pai dos meninos, levava os treinos aos limites do sadismo.

A mãe deles discorda das ideias do marido, principalmente desse treinamento que o pai considera indispensável para o filho e se vai chorando, numa cena que se repete muitas vezes no filme, quando Christian relembra a mãe indo embora e ele quebrando vários objetos da casa, num sério ataque de raiva, que também é uma das características da síndrome autista.

Ben Affleck torna-se um contador excepcional, devido à sua habilidade extraordinária com números. Mas se envolve com a máfia e a lavagem de dinheiro e aí começa o filme de ação. Uma matança, já que Chris é “expert”em armas e lutas corpo a corpo. Os cortes são rápidos e quase sempre tudo se passa no escuro da noite, com muito pouca luz.

Mas o roteiro de Bill Rubesque é complexo e mostra cenas muito boas, como a da descoberta das tramoias contábeis da empresa “Living Robots”, que Chris entende em apenas uma noite de trabalho, escrevendo números em todas as paredes da sala, para surpresa da contadora interpretada por Anna Kendricks. Ela mesma participa de uma outra cena que mostra a dificuldade de interação de Chris, quando se trata de afetos.

E uma das melhores é bem curta. Uma arma na nuca de J.K.Simmons, que faz um policial, mostra de onde vem um dos maiores traumas de Chris Wolff.

Tudo indica que vai ter uma continuação. Evitando o olhar da câmara, na cena final, Ben Affleck esboça um sorrizinho matreiro. Tomara. Bom para quem gosta de filmes de ação menos simplórios.

 

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