Homens e Deuses

“ Des hommes et des Dieux “, França, 2010

Direção: Xavier Beauvois

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O diretor francês Xavier Beauvois escolheu o Salmo 82 da Bíblia católica como epígrafe de seu filme “Homens e Deuses”:

“Eu disse: Vós sois deuses e todos vós, filhos do Altíssimo.

Todavia, morrereis como homens e caireis como qualquer um dos governantes.”

O Livro dos Salmos é o coração do Antigo Testamento.

Lá estão poemas e cânticos que foram entoados em hebraico, há milênios, no Templo de Jerusalém e hoje são recitados como orações ou louvores tanto no judaísmo como no cristianismo e também no islamismo.

Escritos em hebraico, depois traduzidos para o grego e o latim, os salmos são um elo comum, e raro, entre as três grandes religiões monoteístas.

Foi certamente por isso que o sensível diretor Xavier Beauvois escolheu um salmo para introduzir o seu filme, que fala de solidariedade e de aproximação entre os homens, seja qual for a sua religião.

O filme levou o grande prêmio em Cannes, além de ganhar o César de melhor filme francês e foi campeão de bilheteria.

Essa história real que é contada lentamente, com simplicidade e emoção, nos leva para um mosteiro em uma região remota da Argélia, na última década do século passado.

Vamos observando, no filme, cenas do cotidiano da vida austera de oito monges que cuidam da terra e dos animais de uma pequena propriedade, fabricam mel, rezam e convivem em paz uns com os outros.

Mas a principal função deles é atender, sem intenções missionárias, a população do vilarejo próximo que recorre ao mosteiro em suas aflições, seja do corpo, seja do coração. Recebem conselhos e remédios ministrados de graça, com simpatia e cuidado.

Na feira local, os monges vendem seus produtos lado a lado aos moradores da vilazinha pobre.

Na singela capela do mosteiro, entoam cantos gregorianos com beleza e convicção.

O velho médico, o irmão Luc (Michael Lonsdale), atende todo dia uma longa fila de pacientes. São mulheres que trazem crianças, velhos com problemas de saúde de todo tipo e até feridos graves. Não recusa ninguém.

Mas o país está em plena guerra civil e começa a ter problemas com fundamentalistas exaltados e grupos armados de terroristas.

Um dia eles chegam àquela região longínqua.

Em uma noite de Natal, com a neve caindo, ao invés de paz na terra, esses homens de boa vontade terão suas vidas sacudidas por uma escolha difícil: ficar ou abandonar o vilarejo à própria sorte?

A população pobre precisa tanto deles que à certa altura do filme ouvimos uma moradora dizer aos monges:

“- Nós somos os pássaros, vocês são os galhos. Se forem embora onde vamos pousar? ”

Mas eles estão encurralados pelo governo argelino que quer vê-los longe da Argélia, já que lembram a odiada ocupação francesa e os grupos armados que não gostam da influência que os monges exercem sobre a população do vilarejo.

Não há possibilidade de negociação.

O prior (Lambert Wilson), mortificado por essa decisão terrível, busca a ajuda de Deus na natureza e o seguimos em longas caminhadas entre as árvores seculares. À mesa ouve cada um dos monges sobre sua decisão pessoal.

Dolorosa mas consciente vai ser a posição que eles vão preferir.

Uma última ceia comovente, ao som de um inesperado e bem escolhido “Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, emociona e nos faz ainda mais próximos desses monges exemplares, que a câmara nos mostra em closes reveladores, interpretados por atores excepcionais. Cinema em tom maior.

A fé desses homens será a solução para um dilema que será colocado dramáticamente.

Um filme tocante e com um tema muito atual: até quando a humanidade vai preferir a violência ao diálogo?

Vá você também ao cinema pensar sobre esse assunto.

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Rio

“Rio”- Estados Unidos, 2011

Direção: Carlos Saldanha

Uma manhã em paz. Árvores tropicais e palmeiras em meio à neblina matinal nas encostas das montanhas. Aos poucos, o pio de pássaros vai acordando a floresta adormecida.

Ouve-se o som de uma cuíca que vai agregando os instrumentos de uma escola de samba. E explode a coreografia colorida de papagaios e araras, cantando o Carnaval no Rio.

Uma abertura que homenageia a cidade natal de Carlos Saldanha, criador da animação mais bonita dos últimos anos. O Rio, aqui mais do que nunca “a cidade maravilhosa”, vai ser o pano de fundo das aventuras de uma ave em extinção no Brasil, a ararinha azul, que na verdade só é encontrada em cativeiro.

Entramos em um oco de árvore e lá está o filhote sem a mãe. Rebola o rabinho ao som da música que canta a magia do Rio. Mas, enquanto as araras amarelas aprendem a voar com a mãe delas, a ararinha azul órfã cai do ninho… E é enjaulada por traficantes de pássaros.

A sorte do nosso órfão é que Linda (voz de Leslie Mann), uma menina de óculos e olhos meigos é quem abre a caixa onde ele está aprisionado, triste e assustado, depois de uma longa viagem de avião:

“- OK. OK. Eu vou tomar conta de você“, promete a garota.

Amigos para sempre.

A partir daí, batizado de Blue (voz de Jesse Eisenberg), a ararinha azul é seu animal de estimação e é tratado como uma criança querida.

Os dois se bastam em uma cidadezinha dos Estados Unidos, onde Linda tem uma livraria. Tímida, Blue é a única companhia dela.

Mas, eis que em um frio dia de inverno, chega Túlio (voz de Rodrigo Santoro), um ornitólogo (entendido em pássaros) com um cachecol verde e amarelo, que dá a notícia:

“- Viajei 10.000 milhas só para vê-lo. Blue é o último macho de sua espécie. Encontramos uma fêmea e temos que ir todos para o Rio de Janeiro.”

Ele joga a ararinha azul para o alto, na esperança de vê-lo voar para que possa haver o acasalamento mas…Decepção. Blue não aprendeu a voar…

“- Talvez ele seja muito domesticado… Mas temos que tentar porque ele é a nossa única chance.”

Blue e Linda se entreolham preocupados.

E, a partir da chegada ao Rio, começam as aventuras de Blue em pleno Carnaval carioca.

A ararinha azul fêmea, chamada Jade nas legendas da versão original mas que é Jewel, jóia em inglês, na voz de Anne Hathaway, é sestrosa, tem olhos azuis e faz de tudo para que Blue possa voar.

Eles vão rodar pela cidade em companhia de outros pássaros, o cardeal Nico e o canarinho Pedro, exímios sambistas, e o descolado tucano Rafael que ajudam o par azul a escapar dos traficantes e da malvada cacatua Nigel, que é o vilão da história.

Um buldogue simpático e micos pivetes também dão a ar de sua graça e aprontam confusões divertidas.

São cenas que vão se desenrolando em ritmo acelerado, que mostram muito bem a cidade, desde as calçadas de Copacabana, ao bairro de Santa Tereza com o bondinho, Ipanema, o Pão de Açucar, a Pedra da Gávea e as asas delta, sem deixar de passar pelos barracos e vielas das favelas cariocas.

Tudo muito bem cuidado. Vê-se que um carioca “da gema” lembrou-se de todos os detalhes que fazem do Rio uma cidade única no mundo.

Ao som de músicas de Sergio Mendes, Carlinhos Brown e Jorge Benjor, para só falar dos brasileiros, o Rio deslumbra com suas belezas bem desenhadas.

E, claro, tratando-se do Rio e do Carnaval, nada melhor que acabar na Sapucaí, no desfile das escolas de samba, o maior espetáculo a céu aberto que se conhece.

Carlos Saldanha, conhecido pela animação “Era do Gelo”, acertou em cheio em “Rio” que tem tudo para agradar o público brasileiro e internacional, adultos e crianças.

Afinal, bicho e natureza são os temas da hora e Saldanha não faz de “Rio” um samba exaltação. Fala tanto das belezas como das mazelas de uma cidade habitada por seres humanos simpáticos mas nem todos ”do bem”, com mão leve e carinho. Há um frescor de emoções singelas que encanta, seja na versão 3D legendada ou dublada.

Aproveitem a chance do filme estar passando em muitos cinemas e não percam “Rio”. Vocês vão adorar.

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