Punhos de Sangue – A Verdadeira História de Rocky Balboa

“Punhos de Sangue - A Verdadeira História de Rocky Balboa”- “Chuk”, Estados Unidos, 2016

Direção: Philippe Falardeau

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Surpreendente. É o mínimo que se pode dizer sobre esse filme.

Porque com esse título em português, esperaríamos ver um drama com a subida e queda trágica de um pugilista. Como acontece em “Réquiem para um Lutador” de 1962, com Anthony Quinn (1915-2001) sendo derrotado por um jovem Cassius Clay. Aliás, esse era o filme preferido de Chuck Wepner (Liev Schreiber), o protagonista de “Punhos de Sangue”, que sabia de cor todas as falas.

Mas não. Aqui, cenas de ringue só há poucas. Não é o box o grande tema. O roteiro destrincha o que a fama pode fazer com quem não está preparado para ela, mas também mostra como o momento de glória pode ser lembrado como algo memorável e que valeu a pena viver apesar dos pesares.

O narrador da história real é o próprio protagonista que relembra em “off” , para a plateia, seus bons e maus momentos, criando sintonia e simpatia, com seus comentários irônicos e bem humorados.

Ele era um pugilista que sangrava muito nas lutas. Daí o apelido de “Bleeder”, hemofílico. E nunca foi um grande boxeador.

Aconteceu que ele era o único branco no ranking e Muhammad Ali, em 1975, campeão dos peso-pesados, depois da luta com Foreman, queria nocautear um branco frente à plateia que tinha vindo só para vê-lo. Sobrou para Chuck.

Foi uma luta duríssima, ao contrário do que todos pensavam. Wepner chegou a fazer Ali cair no ringue e no 12º round, estava com o nariz quebrado, cortes sangrentos no rosto amassado mas durão, de pé até o fim. Ali ganhou por nocaute técnico só quando faltavam 20 segundos para acabar o último round.

Chuck Wepner virou um herói depois disso. Era reconhecido, pediam autógrafos. Beber, ele sempre havia bebido. Mulherengo também sempre tinha sido. Mas a luta trouxe algo inesperado e vivido intensamente como uma glória. Silvester Stallone (Morgan Specton), que tinha visto a luta, inspirou-se nele para escrever o roteiro de “Rocky” (1976), que ganhou três Oscars em 1977: melhor filme, diretor e edição. Chuck Wepner era agora também “The Real Rocky”.

Tudo isso subiu à cabeça de Chuck que exagerou em tudo depois da fama: bebida, mulheres e descobriu a cocaína.

Ficou conhecendo Stallone mas isso não levou a nada. O melhor foi encontrar “um anjo que caiu do céu”, como ele, um romântico, chamou a “barwoman” Linda (a bela Naomi Watts, casada com Liev Schreber na vida real e coprodutora do filme) por quem se apaixonou.

O ator Liev Schreber está ótimo no papel do grandalhão de bigodinho ridículo, uma pessoa carismática apesar de só se interessar de fato por si mesmo. A mulher (Elizabeth Moss), a filha, o irmão, são meros coadjuvantes com quem Chuck não pode perder muito tempo. Ele é um “bon vivant”, atrapalhado e sonhador.

O diretor canadense Philippe Falardeau faz um bom filme, dirigindo bem o elenco, com excelente reprodução de época, ajudado por uma trilha sonora com sucessos dos anos 70.

“Punhos de Sangue” é uma boa surpresa para o grande público ver e, inesperadamente, se enternecer.

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Faces de uma Mulher

“Faces de uma Mulher”- “Orpheline”, França, 2017

Direção: Arnaud des Pallières

Quantas mulheres existem numa mesma mulher? Ou, dizendo de outro modo, é provável que em cada fase da vida, uma mulher tenha características de personalidade que vão se desenvolvendo em direções diferentes, frente às diversas experiências vividas. Assim, em cada fase, ela é diferente da anterior.

Como as bonecas russas, que vão aparecendo conforme vamos desmontando a figura maior, o diretor Arnaud des Pallières faz o retrato de uma mulher, começando no presente e indo em direção ao seu passado, procurando um elo de ligação entre elas.

E radicaliza, usando quatro atrizes diferentes para ser a personagem principal. Adèle Haenel é Renée, aos 30 anos, Adèle Exarchopoulos é Sandra, aos 20 anos, Solène Rigot é Karine, aos 13 anos e Vera Cuzytek é a menina de 6 anos.

O espectador que não souber disso, pode ficar meio perdido, pensando que são histórias de mulheres diferentes que estamos vendo. E, de certo modo, é isso mesmo. São todas diferentes e todas a mesma pessoa.

O roteiro foi escrito a quatro mãos pelo diretor Arnaud des Pallières e sua mulher, Christelle Berthevas e é baseado na vida dela.

O filme começa com a história de Renée, uma diretora de escola para crianças filhas de imigrantes. Rosto severo mas uma preocupação tocante com a vida de seus alunos. É casada com Darius (Jalil Lespert) e quer um filho. Há um segredo em sua vida.

É então que somos apresentados a uma jovem vinda do campo para Paris e que procura um emprego. Conhece um homem bem mais velho, viciado em jogo e que a leva para lugares mal frequentados.

A terceira história é a da adolescente Karine, 13 anos, que foge de casa à noite para dançar e seduzir homens mais velhos. É autodestrutiva, corpo jovem marcado por hematomas. Quem bate nela? O padrasto? Onde está sua mãe? Ela se diz órfã.

Sumida por várias noites, quando um policial a interroga, perguntando por que foge de casa, responde:

“- Não sou feliz.”

E o início dessa infelicidade e culpa de ter sobrevivido parece ter sido vivida por Kiki, uma menina com uma família disfuncional que passa por uma tragédia.

O filme tem cenas de sexo, a maioria filmadas em close, porque a sexualidade vai marcar as diversas fases da vida de Kiki. Adolescente, Karine busca no sexo alimento para sua enorme carência afetiva, maiorzinha, Sandra faz do sexo uma moeda de troca e adulta, Renée experimenta, com muito medo, o amor.

“Faces de uma Mulher” é uma tentativa de fazer de forma diferente o que talvez funcionasse melhor da maneira tradicional. E pode irritar o espectador que não reparou no título em português que entrega a chave do enigma, ou seja, a presença de várias mulheres para serem as faces de uma só.

Um filme tocante e que trata de sofrimentos femininos, infelizmente ainda presentes na vida de muitas mulheres, nesse nosso mundo machista.

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