Eu, Tonya

“Eu, Tonya”- “I, Tonya”, Estados Unidos, 2017

Direção: Craig Gillespie

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A carência afetiva atua de maneira trágica nas escolhas de vida dos seres humanos. Cria uma espécie de daltonismo afetivo e eles confundem o vermelho com o verde. Envolvem-se com pessoas espertas que tem faro para essa fragilidade que leva a comportamentos masoquistas de submissão. Quando isso acontece, formam-se pares difíceis de separar, o que só vai acontecer depois de muito sofrimento.

Aquela menina que acaba de fazer 4 anos (McKenzie Grace, um prodígio de graça), vestida como uma boneca, é trazida pela mão da mãe tirânica, ambiciosa, dominadora e cruel, para ser treinada num dos esportes que mais valoriza a elegância e a delicadeza. Na patinação artística o que é julgado não é somente a capacidade acrobática mas a maneira como a apresentação acontece. Ali vencem os valores estéticos que fazem a performance parecer natural e fácil mas também os modos da patinadora, seu traje e a música escolhida. Julga-se o quanto ela é bela e etérea.

E é uma pena porque aquela menina vai crescer e trazer o ambiente onde foi criada para a cena da patinação. Suas roupas, costuradas pela mãe, e depois por ela mesma, são de mau gosto, com brilhos mal colocados, cores berrantes e os detalhes nada elegantes. Seu cabelo é rebelde e os gestos arrogantes. Ela é caipira e submissa. A tal ponto que seu comportamento na pista é estimulado por surras de escova no banheiro que a mãe considera eficaz para uma boa performance.

Essa história é real. Tonya Harding foi a primeira mulher americana que ousou fazer um “triple axel” ou seja, saltar e girar três vezes no ar e cair com leveza, como se tudo aquilo fosse natural. Era amada pelo público e seu objetivo era ganhar uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Inverno em 1994.

Mas seu sonho tornou-se um pesadelo.

Quase todo mundo ouviu falar do “incidente” ocorrido com Nancy Kerrigan, rival de Tonya nas pistas de patinação que excluiu Tonya para sempre daquilo que ela mais amava fazer. Era a sua vida.

O filme “Eu, Tonya”, é dirigido por Craig Gillespie como se fosse um documentário, com depoimentos de pessoas como a mãe dela (Allison Janney, espetacular como a bruxa da vida de Tonya), o marido Jeff (Sebastian Stan) que se aproveitava dela e era tão cruel quanto foi a mãe, fazendo Tonya sentir-se culpada e merecedora de surras o tempo todo, o patético guarda-costas megalomaníaco (Paul Walser Hauser) e ela mesma, Tonya, interpretada com paixão pela atriz australiana Margot Robbie.

O filme foi indicado para 3 Oscars: melhor atriz para Margot Robbie, melhor atriz coadjuvante para Allison Janney e melhor edição.

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Trama Fantasma

“Trama Fantasma”- “Phantom Thread”, Estados Unidos, 2017

Direção: Paul Thomas Anderson

Ele veste com requinte as mulheres ricas da aristocracia inglesa e europeia nos anos 50. Aquela casa elegante e imaculada, em Londres, é um templo que ele preside como o grande sacerdote, o único homem naquele território.

Suas clientes olham Reynolds Woodcok (Daniel Day-Lewis) com adoração e se submetem ao seu bom gosto e cuidados. Ele é gentil, adulador mas distante. Há sempre um certo temor na sua presença, invisível sustentação do seu narcisismo.

A irmã, Cyril (Lesley Manville), está ali para que nada falte, nem destoe. Horários, refeições e trabalho. Tudo isso comandado por regras pétreas, que Cyril faz respeitar. Ele a chama com algum afeto e humor de: ”minha velha coisa e tal”. Séria, olhar penetrante, vestida com discrição e cabelos num coque modesto, ela vela pelo irmão.

Todo dia, depois que as costureiras chegam, ainda na madrugada e tiram seus casacos para vestir os aventais brancos e imaculados, ele entra em cena depois de uma toalete meticulosa.

O café da manhã é um ritual sagrado. Silêncio, introspecção, recolhimento. Ele mesmo serve seu chá enquanto desenha croquis. Cyril e a modelo do momento são meras espectadoras.

Solteiro convicto, Reynolds de tempos em tempos muda de musa. Afinal, cansa-se delas, não há novidade, nem mesmo vontade de corrigir os defeitos. Ele não nasceu para ser um Pigmalião. Elas são meros corpos necessários para a criação dos vestidos. É Cyril que as dispensa, com eficiência. Afinal Reynolds tem que ser poupado de esforços inúteis. E mulheres não faltam para fazer esse papel.

Até que um dia, num restaurante perto de sua casa de campo, ele nota aquela garçonete alta, pele muito branca, um pouco desajeitada mas com um sorriso difícil de qualificar.

Ele faz o pedido, sempre sorrindo para ela, sedutor. É uma lista enorme. Ele está faminto? Ela não comenta nada e só responde quando ele pergunta.

Alma (Vicky Krieps) é convidada para jantar naquela noite.

Na mesa, ele pergunta se é parecida com sua mãe, quer ver o retrato dela e aconselha:

“- Você deve ter ela sempre com você. Eu tenho costurado no interior do meu casaco um cacho do cabelo da minha. Foi ela que me ensinou meu ofício. Devo tudo a ela.”

Depois, mostra para Alma o retrato da mãe vestida de noiva para o segundo casamento:

“- Fui eu que fiz. Minha irmã me ajudou. Vestidos de noiva são complicados porque há muitas superstições. Quem costura não casa…”

“- E sua irmã? Casou? ” pergunta Alma.

“- Não. Ela vive comigo.”

Intuitivamente, Alma, que não quer ser mais uma que será descartada como inútil, vai descobrindo as amarras de Reynolds. Ele mesmo deu a ela, em suas primeiras conversas, a chave das algemas maternas. E, no avesso da barra de um vestido de noiva, ela descobre costurada a senha que faltava.

Mulher forte, Alma vai desconstruir a rigidez daquele homem por quem se apaixonou. Como uma feiticeira, ela saberá o que procurar na floresta para obter resultados.

Paul Thomas Anderson, 47 anos, tem dois Oscars de melhor roteiro original por “Boogie Nights”1997 e “Magnolia”1999.

É um diretor com filmes premiados em Cannes, Berlim e Veneza. Sempre preocupado com a estética e as atuações do elenco, em “Trama Fantasma” faz uma bela parceria com o excelente Daniel Day-Lewis, seis vezes indicado ao Oscar de melhor ator (levou três), tem 60 anos e diz que esse será seu último filme. Pena. Ele está esplêndido. E Vicky Krieps é uma estrela descoberta em Luxemburgo.

O filme tem 6 indicações ao Oscar: filme, diretor, ator, atriz coadjuvante (Lesley Manville), trilha sonora (Jonny Greenwood) e figurinos (longos clássicos com detalhes marcantes em cores e tecidos gloriosos).

“Trama Fantasma” é como um vestido de alta costura, feito à mão, com tecido, corte e pontos impecáveis para deslumbrar na passarela. Uma obra de arte.

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