Amor por Direito

“Amor por Direito”- “Freeheld”, Estados Unidos, 2015

Direção: Peter Sollett

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Loura, cabelos “Farrah Fawcett” que lhe dão um arzinho antigo, magra e séria, ela é uma policial eficiente. Trabalha há 23 anos como detetive em “Ocean County”, em Nova Jersey. Batalhando contra traficantes, ela vai à luta, corajosa e  quer ser promovida a tenente.

Lauren Hester (Julianne Moore, sempre ótima atriz) leva uma vida dedicada ao trabalho. Diz que gosta de mar e sossego e por isso, vive só, numa pequena comunidade perto da praia mas longe da delegacia machista, onde é a única detetive mulher. Aliás ela tem um segredo bem escondido. Lauren é lésbica.

Quando encontra Stacey (Ellen Page) por acaso, num jogo de vôlei, percebe-se que ela evita a aproximação mas está atraída por aquela garota pequena, cabelo curto e jeito de adolescente.

No primeiro encontro vão a um clube gay e Lauren não parece à vontade. Até dançam e se olham encantadas mas quando Lauren vai tomar ar, fugindo da tentação, Stacey vai atrás dela e as duas são abordadas por ladrões.

Lauren saca sua arma e afugenta os bandidos, assustando a garota:

“- Você leva arma até em encontros?” pergunta assombrada.

Dia seguinte, depois de uma cena na cama, filmada discretamente, o telefone toca e Stacey vai atender mas a outra pula e o arranca da mão dela:

“- Nunca atenda o telefone aqui em casa. Poderia ser meu chefe ou meu parceiro”, fala em voz alta, nervosa.

“- Acha que pode gritar com todo mundo só porque é policial?” e Stacey sai ofendida.

Lauren parece que sente um certo alívio e se joga no trabalho. Mas depois liga e pede desculpas:

“- Acho que sou muito velha para você… Mas quando vamos nos ver de novo?”

Passeios na praia, carinhos, conversas e risos. As duas parecem felizes juntas. O próximo passo é comprar uma casa, morar juntas e ter o cachorro que Stacey tanto quer.

Lauren continua escondendo a vida delas dos policiais mas é claro que o parceiro (Michael Shannon) descobre. Fica sentido com a desconfiança mas é solidário.

As duas resolvem oficializar uma união estável. E tudo parecia um sonho realizado quando uma terrível realidade invade a cena. Lauren está com câncer de pulmão, num estágio avançado.

É então o momento em que ela pede para o parceiro detetive:

“- Se algo me acontecer, quero que a minha pensão vá para Stacey. É o único meio dela poder pagar a casa”.

“- Mas isso é para gente casada”, responde ele.

Esse é um caso verídico, acontecido em 2002, que em 2007 virou um documentário de curta metragem que ganhou o Oscar. Mas foi só em junho de 2015 que a Suprema Corte dos Estados Unidos aprovou o casamento gay em todo o país.

O caso de Lauren Hester e Stacey Andree foi importante nessa luta dos homossexuais pela igualdade de direitos.

Steve Carrell vive um judeu gay divertido que lidera o grupo de ativistas que vai pressionar os conselheiros de “Ocean County”. Sempre de terno e quipá, ele sentencia:

“- Lauren fez justiça para essa comunidade por 23 anos, agora ela só está pedindo que retribuam com justiça.”

O filme emociona porque Julianne Moore dá corpo e coração à sua personagem, que quer proteger a mulher que ela ama.

E Ellen Page, que é ativista gay, atua com igual envolvimento. Ela é produtora do filme.

“Amor por Direito” é uma história de amor comovente que contribuiu para ajudar pessoas a viver uma vida amorosa melhor e mais livre do que foi a das protagonistas.

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Nise – O Coração da Loucura

“Nise – O Coração da Loucura”, Brasil, 2016

Direção: Roberto Berliner

Quem será essa senhora de tailleur bordô, coque, salto baixo e bolsa, que bate com delicadeza na porta alta de ferro? Ninguém aparece. E ela, persistente, bate com um pouco mais de força. Nada. Então, com uma força surpreendente, ela esmurra a porta, até que alguém vem abrir.

Esse início do filme apresenta Nise da Silveira (1905-1999) à plateia que ainda não a conhece. Dá para notar que ela é uma pessoa que opta primeiro pela educação mas que, se preciso for, usa até a força para conseguir o que quer.

E foi preciso muita delicadeza e força mescladas para conseguir realizar o trabalho que ela fez no Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro, depois que saiu da prisão da ditadura Vargas, acusada de ser comunista, onde ficou de 1934 a 1936.

Era um tempo no qual se confundia hospital psiquiátrico com prisão. Médicos e enfermeiros eram carcereiros e agentes de punição. O medo andava junto com a sujeira e o abandono, nos corredores e enfermarias daquele hospital.

A dra Nise (Gloria Pires, magnífica), única mulher entre os psiquiatras, foi logo afastada da prática clínica porque não concordava com lobotomias e eletrochoques. Acabou no lugar menos frequentado do hospital e com quase nada de verba, o STO, Setor de Terapia Ocupacional.

Ao chegar no local, cheio de lixo, ela arregaçou as mangas e começou o seu trabalho com balde e vassoura, ajudada por uma enfermeira de boa vontade.

Tudo limpo, ela convida os clientes (“pacientes somos nós que temos de ser com eles”), que vagam pelo pátio de terra, uns nus, outros vestidos em farrapos, para entrar:

“- Deixa que eles façam o que quiserem”, diz para Ivone, a enfermeira.

Aos palpites repressores do enfermeiro Lima (Augusto Madeira), ela retruca:

“- Cala a boca! O que eles falam aqui é matéria prima de nosso trabalho. Ouça. Observe. E cala a sua boca!”

Incansável, ela pesquisa prontuários e ousa abrir o “cofre”, a solitária onde Lucio, visto como capaz de matar, está encerrado há dias.

Traz quem pode para o pátio e um jogo de bola é o início da aproximação entre ela e aquelas pessoas evitadas.

Logo, Nise consegue a ajuda de Almir (Felipe Rocha) que vai sugerir um novo caminho. Traz tintas coloridas e cavaletes com telas e assim começa o que hoje é o legado do Museu de Imagens do Inconsciente, inaugurado no Rio de Janeiro em 1952.

Seguidora de Jung, a quem escreve relatando seu trabalho, Nise acreditava na busca de uma linguagem que pudesse trazer à tona tudo aquilo que jazia no inconsciente de seus clientes. Via nas telas a história de cada um. Do caos inicial surgia o começo de uma integração. As imagens pintadas organizavam o que antes não tinha voz.

Mario Pedrosa (1900-1981), interpretado por Charles Fricks, o maior crítico de arte da época, vê artistas nos clientes de Nise e acontece a exposição “Os Artistas de Engenho de Dentro”.

A dra Nise da Silveira, em pessoa e com bom humor, fecha o filme e nos deixa com os olhos marejados.

Alguém do meu lado no cinema diz:

“Ah! Se existissem mais pessoas como ela…”

O excelente roteiro, baseado no livro “Nise – Arqueóloga dos Mares” de Bernardo Horta, a direção inspirada de Roberto Berliner, a trilha sonora brilhante de Jaques Morelembau, a fotografia impecável de André Horta e um elenco harmonioso, ajudam a contar a história dessa grande mulher.

Imperdível.

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