5XFavela – Agora por Nós Mesmos

“5XFavela – Agora por Nós Mesmos”- Brasil, 2010

Direção: Coletiva

Oferecimento Arezzo

Eleonora Rosset

Mesmo antes de “Orfeu Negro”, do francês Marcel Camus de 1959, as favelas do Rio de Janeiro eram cantadas em samba e versos.
Nos anos 60, cinco rapazes brancos, de classe média, subiram o morro para mostrar a favela para o povo do asfalto. Era o Cinema Novo. “Cinco vezes favela” reuniu Cacá Diegues, Marcos Farias, Leon Hirszman, Miguel Borges e Joaquim Pedro de Andrade. Tornou-se um clássico do cinema brasileiro.
Cinquenta anos depois, o mesmo Cacá Diegues e sua mulher, Renata Almeida Magalhães, são produtores do filme “5 X Favela – Agora por Nós Mesmos”, concretização de um projeto de Diegues, que vinha fazendo um trabalho de oficinas de cinema com comunidades de favelas do Rio.
Diz Cacá Diegues em uma entrevista a Luiz Carlos Merten:
“Acho que estou realizando um dos sonhos da minha geração de Cinema Novo. Sempre quisemos colocar a cara do Brasil na tela e agora extrapolamos. A periferia, que era nosso tema, olha para si mesma, reflete sobre si mesma.”
E Renata, mulher de Cacá acrescenta:
“O objetivo do filme foi mostrar as várias nuances da favela. Infelizmente há muita gente que pensa que lá só existe violência, o que é errado. Por isso, a opção de colocar a câmera na mão dos cineastas das próprias comunidades.”
Os cinco episódios que compõem “5X Favela” são muito criativos e juntos são uma obra única.
O primeiro,“Fonte de Renda”, dirigido por Manaíra Carneiro e Wagner Novais, conta a história de um rapaz negro da favela que entra na Faculdade de Direito.
“- Como é o seu nome?” pergunta o professor.
“- Máicon. Sou o primeiro da família a entrar na Faculdade. Quero estudar e ajudar a minha comunidade.”
Mas os livros são caros e o salário da lanchonete é pouco. Máicon se envolve então com a venda de drogas para os colegas, apesar dos conselhos do padrinho ex-policial (Hugo Carvana), que o alerta:
“- Vai pela sombra, rapaz.”
O segundo episódio é “Arroz com Feijão” de Rodrigo Felha e Cacau Amaral e no início, escutamos Paulinho da Viola cantando no fundo:
“Você sabe que a maré
não está moleza não…”
E entramos na casa pobre onde vive gente honesta e feliz. Flores de papel enfeitam a mesa. O casal se ama. O filho sorri, cúmplice, dormindo no sofá da sala.
É aniversário do pai e o filho resolve comprar um frango de presente para ele, que reclamava com a mulher de estar cansado da marmita de arroz e feijão todo santo dia.
É o episódio mais tocante graças à atuação dos meninos Pablo Vinicius e Juan Paiva. Ruy Guerra contracena com as crianças e o trio encanta e diverte.
“Concerto para Violino “de Luciano Vidigal é o episódio no qual aparece a violência. Ouvimos tiros pela primeira vez.
Soldado e chefe do tráfico se unem para resgatar armas roubadas do exército. Três crianças criadas juntas na favela vão enfrentar uma cilada cruel do destino.
“Deixa Voar” de Cadu Barcellos mostra uma cena na laje de uma casa de favela. A brincadeira é soltar pipa e cortar a linha da pipa do outro com manobras difíceis e acerol.
“Soltar pipa é uma alegria,
Esta é a nossa diversão ”canta o rapper.
Mas, quando uma pipa se perde, um garoto corajoso vai buscá-la no território proibido da favela vizinha e descobre que é preconceituoso.
“Acende a Luz” de Luciana Bezerra é baseado em histórias reais vividas pelos moradores da favela em 2008.
Véspera de Natal e as famílias se preparam para a festa. Mas falta luz e todo mundo se empenha em conseguir que a ligação seja feita pelo homem da luz que sobe a favela.
O mais engraçado e terno dos episódios.
Roberto Carlos canta:
“Eu quero ter um milhão de amigos…”
É isso aí. “5X Favela – Agora por Nós Mesmos” é a oportunidade de subirmos o morro na companhia desses jovens talentosos e olhar a realidade das favelas pelos olhos de quem nasceu e cresceu lá. Muito preconceito vai cair por terra. Estereótipos cansados vão ser substituídos por um novo modo de ver.
Porque nesse filme mais Brasil aparece. São negros, brancos, mulatos de todas as idades e crenças, vivendo em situação bem precária mas que não perdem a alegria, a solidariedade ou o esforço da esperança de melhorar.
Vendo “5X Favela- Agora por Nós Mesmos”, vamos nos dar conta, talvez, de que a vida nos morros tem até mais humor.

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Um doce olhar

“Bal”, Turquia/ Alemanha, 2010

Direção: Semih Kapanoglu

“Bal” quer dizer “mel” em turco. E é um filme que precisa ser descoberto pelo espectador.
Aparentemente simples, sem muitos acontecimentos, parece contar apenas a história de um menino que não fala, gagueja muito quando lê e preocupa a mãe, plantadora de chá (Tulin Ozen). O pai, Yakup (Erdal Besikcioglu) é apicultor e a família muçulmana mora em uma aldeia perdida no norte da Turquia, região montanhosa e coberta de florestas.
Mas, se você se deixar penetrar pelo filme, verá que ele tem muitos caminhos como a floresta onde quase tudo se passa.
Vamos presenciar de uma maneira íntima as dificuldades que podem atrapalhar o rito de passagem da primeira infância para “a idade da razão”, na qual uma criança descobre o mundo através da capacidade de ler e passa a compreender a cultura em que vive para nela se inserir.
Yusuf tem 6 anos, é inteligente mas não consegue ler nem falar sem gaguejar muito. Interpretado por Boras Altas, um ator excepcional e muito bem dirigido, ele logo nos conquista
e ficamos tocados pelo seu amor incondicional por seu pai-heroi.
A cena inicial do filme vai nos preparando para nos identificarmos cada vez mais com uma criança sensível, para quem o mundo é o lugar mais escuro da floresta quando o pai não está com ele.
Trabalhando no alto da copa das árvores, Yakup, o pai, enfrenta o perigo, acompanhado pelo olhar admirado do filho Yusuf, que o ajuda a içar para cima os utensílios de que o pai necessita para o manejo das abelhas e a extração do mel. Seu rosto brilha e vemos pelos seus olhos a luz dourada filtrada pelas folhas verdes dos ramos mais altos da árvore. Um cenário idílico.
Mas acontece o acidente que antevíamos. O galho se quebra e o pai fica pendurado da árvore. Queda iminente? A floresta-mundo fica escura e aparece o terror de perder a quem se adora.
Os letreiros passam na tela e a gente fica cismando… O que aconteceu?
Parece que a vida continua porque, em seguida, presenciamos a uma das cenas-chave de “Um doce olhar”. O menino no colo do pai conta que teve um sonho:
“- Eu estava sentado sob uma árvore…”
“-Shhhh… Sussure no meu ouvido. Os sonhos não devem ser espalhados por aí“, diz o pai.
O menino passa a cochichar e não escutamos o que ele diz.
“-Não conte seus sonhos para ninguém”, recomenda o pai.
“Um doce olhar” é o terceiro filme de uma trilogia que não entrou em cartaz no Brasil. O primeiro filme é “Yumurta” (Ovo), que passou no Festival de Cannes em 2007 e conta a vida adulta de Yusuf. O segundo é “Sut” (Leite) que foi visto no Festival de Veneza em 2008 e narra a juventude do nosso menino de “Bal ”(Mel). O diretor contou a história de trás para a frente e parece que há uma intencionalidade nisso.
Luiz Carlos Merten que entrevistou Kapanoglu em Berlim, onde “Um doce olhar” ganhou o Urso de Ouro, conta no Estadão que perguntou-lhe se toda a trilogia não seria um sonho do menino Yusuf. Merten diz que o diretor sorriu e confirmou que havia feito “Um doce olhar” e toda a trilogia com essa intenção mas que “pouquíssima gente fazia essa viagem”.
Já que ficamos sabendo disso que tal assistir a “Um doce olhar”totalmente descompromissados com a realidade?
“A vida é sonho” é o titulo de uma peça de Calderon de La Barca.
Pois é. No lusco-fusco da floresta, um menino que tem horror a perder seu pai sonha com a vida. A árvore o envolve com suas raízes imensas e o sustenta para que siga em frente.
Esse menino vai aprender que não se pode agarrar o reflexo da lua na água… Mas que um ser adorado que partiu, continua vivendo no coração daquele que ama.
E, com uma menina maior que ele, aprenderá também que a poesia pode ajudar a entender a vida. Escutou os versos na escola e os repete sussurando:
“Noites azuis de verão,
Pelas veredas caminharei…”

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