O Vale do Amor

“O Vale do Amor”- “The Valley of Love”, França, 2015

Direção: Guillaume Nicloux

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Há mistérios no sentimento do amor que escapam à compreensão das pessoas, até sentirem na própria pele os seus efeitos.

Isabelle e Gérard (Huppert e Dépardieu), um casal separado há muito tempo, vai ao encontro de um desses mistérios incompreensíveis, sem nenhuma certeza do que iria acontecer.

Quando se encontram, ela mantém um ar de delicada frieza e distância, mas ele não esconde sua angústia. Muito gordo, não está bem. É visível. Uma carência tímida se esconde em seus gestos.

E, à medida que nos aprofundamos na razão que os trouxe ao Vale da Morte, na Califórnia, vamos compreendendo que vivem um luto ainda recente. Perderam um filho de 30 anos, há seis meses. E não é fácil lidar com um suicídio.

A necessidade que ela tem de falar ao celular e a irritação crescente porque não é possível uma boa comunicação com o marido, esconde um problema maior. Aos poucos, vamos percebendo nela o medo de perder o chão, a falta de comunicação consigo mesma, a angústia sufocante que também a habita.

Duas cartas são lidas em voz alta. Uma é do filho para o pai, outra de Michael para a mãe. Há nelas uma promessa de reencontro, se sete lugares forem visitados, em horas pré-estabelecidas na carta ao pai.

O calor é insuportável. O deserto e suas areias escaldantes, com montanhas e desfiladeiros de pedras claras, é um belo cenário, mas aqueles dois não estão interessados em paisagens.

Isabelle mostra que está mais abalada do que pensa. Um sonho mostra a morte em olhos escuros, sem luz.

Ele, mais vulnerável, faz uma confissão a ela, mostrando o quanto esse luto mexeu com ele. De noite, vaga pelo hotel e vê uma estranha figura que também fala de morte. Sonho ou alucinação?

O fato é que já não estão tão longe um do outro. A peregrinação, castigo para a culpa que sentem, como diz Gérard, os aproxima de suas próprias fragilidades. Marcas nos corpos lembram feridas nas almas desses pais abandonados.

Isabelle Huppert e Gérard Dépardieu são dois monstros sagrados do cinema francês. Trabalharam juntos uma primeira vez em 1974, “Corações Loucos – Les Valseuses”, de Bertrand Blier e em “Loulou” de 1980, de Maurice Pialat. E vê-los interpretar, 30 anos depois, a dor escondida na alma desses pais destroçados, nos faz perceber nuances nesse sofrimento, como se tudo estivesse acontecendo ali mesmo, entre eles, Isabelle e Gérard, nomes do casal de pais, também atores famosos como eles.

Há em “Vale do Amor” um jogo de espelhos comovente e intrigante. E o limite tênue entre realidade e ficção, sonho e alucinação, cria uma atmosfera que nos envolve, se não lutarmos contra ela.

Um filme raro.

 

 

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Meu Rei

“Meu Rei”- “Mon Roi”, França, 2015

Direção: Maiwenn

Como explicar a paixão? É um sentimento avassalador que prende com nó cego a possibilidade de pensar e agir com liberdade.

Tony (Emmanuelle Bercot, tão verdadeira) fica refém dessa armadilha e só vê Georgio (Vincent Cassel, convincente) na sua frente. Ela, um pouco tímida, advogada, já tinha visto ele na boate e bar onde trabalhava quando era estudante. Sempre cercado de mulheres lindas.

Quando o encontra novamente, naquela mesma boate, toma coragem e aproxima-se dele, repetindo o gesto que ele fazia, de respingar água do balde de champagne no rosto das moças, parecendo dizer:

“- Você vem para a cama comigo!”

Surpreso, Georgio não se lembra dela. Mas esse gesto dele, repetido por ela, tanto tempo depois, atraiu o narcisismo dele.

Os olhos dela já brilhavam de paixão antes mesmo do convite para a cama. E, depois, ele se torna “meu rei”, o dono de Tony e seus desejos.

Ela ri encantada com tudo que ele diz. Drogada? É a sensação.

Olhares cúmplices e orgasmos longos. Os olhos dela são de devoção. O mundo era deles e era sempre uma festa.

Tony estava cega e imersa numa realidade fantástica criada pela presença de Georgio. Em transe, o mundo dela desapareceu e ela se inseriu no dele, ou assim pensava ela.

Mas, a realidade, que aparece aos poucos, primeiro desprezada, vai ferir Tony de tal maneira, que serão precisos dez anos para que ela possa acordar e lentamente recuperar-se.

Mas, antes disso, do alto dos Alpes nevados, com o rosto e os cabelos batidos pelo vento gelado, ela lança-se na descida íngreme como se algo terrível a perseguisse. Cai.

Na clínica à beira mar, com o diagnóstico de rompimento total do ligamento cruzado anterior no joelho direito, ela vai ter um tempo para voltar a andar e começar a limpar a cabeça daquilo que a envenena.

A história é contada em “flashbacks” e entendemos, junto com Tony, o que foi que aconteceu.

A decepção devolve a liberdade roubada pela paixão.

O filme é de Maiwenn, jovem e bela diretora (“Polissia” 2011) e atriz francesa, 40 anos, que assina também o roteiro de “Meu Rei”.

Emmanuelle Bercot, 48 anos, atriz e também diretora  (“De Cabeça Erguida” 2015), ganhou o prêmio de interpretação feminina pelo papel em “Meu Rei” no Festival de Cannes 2015. Mereceu. Ela nos assusta e comove.

“Meu Rei” é um filme que pode ensinar uma ou duas coisas sobre os perigos da paixão. Sem falsos moralismos, nem seriedade demais.

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