Ida

“Ida”- Idem , Polonia, 2013

Direção: Pawel Pawlikowski

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O silêncio dentro dos muros do convento, só é quebrado pelo murmurar das orações e os passinhos leves das freiras e noviças.

É o fim do inverno e a neve tomba também em silêncio. Os preparativos para a mudança de estação incluem devolver a imagem do Sagrado Coração ao seu lugar. Nos braços das noviças, ele vai.

Para Anna (Agatha Tizebuchowska), prestes a fazer seus votos, a rotina é quebrada pela notícia que recebe da madre superiora. Ela que é orfã, e que viveu desde sempre no convento, tem uma tia que pede sua visita.

Os olhos de Anna, muito abertos, quase assustados, são o que denuncia a emoção da notícia. Mas muito mais a espera.

Wanda Cruz (Agatha Kuleska), a tia de Anna, abruptamente comenta ao vê-la vestida de hábito:

“- Então você é uma freira judia”,diz ela com ironia, fumando sem parar, um copo de bebida na outra mão, enquanto um homem anônimo se veste e sai pela porta do apartamento.

E Anna, que fica sabendo que se chama Ida e que seus pais desapareceram durante a Segunda Guerra, olha para si mesma na foto, bebê no colo de Rosa, sua mãe.

Em alguns dias, ela vai viver o que nunca sonhou viver em seus 18 anos de vida regrada e calma.

A história da família delas é trágica. E a tia precisa da sobrinha para trazer à tona um segredo.

“Ida”, já premiado na Europa e dirigido por Pawel Pawlikowski, 58 anos, nascido na Polonia e criado na Alemanha e Itália e finalmente na Inglaterra, foi indicado para o Oscar de melhor fotografia e ganhou o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar 2015.

Filmado em preto e branco, onde se vêem todos os matizes de cinzas, “Ida” mais mostra em imagens do que fala. São poucos e secos os diálogos. Muitas vezes, o recorte do enquadramento da câmera diz mais sobre o sentimento reinante do que palavras.

Sensível, tocante e tendo como assunto os traumas do Holocausto, “Ida” é também uma reflexão sobre escolhas de vida. As duas personagens tomam caminhos diferentes para se proteger daquilo que nunca vão poder esquecer.

É um filme breve e corajoso, que toca em feridas delicadas, deixadas pela violência e culpa. Mas com cuidado, pedindo a atenção e não o julgamento do espectador que tenha sensibilidade.

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Timbuktu

“Timbuktu”- Idem, França, Mauritânia, 2014

Direção: Abderrahmane Sissako

 

Um antílope corre entra as dunas do deserto, perseguido por homens com o rosto e a cabeça amarrados em panos, só olhos para fora e armados até os dentes. Eles atiram mas não conseguem atingir o animal.

“- Ele vai se cansar. Nós vamos pegar!”grita um deles.

Essa mesma cena se repete no fim do filme, sendo que uma menina é agora perseguida, substituindo o animal. Nem um nem outro são apanhados. Há esperança?

O diretor Abderramane Sissako, em seu quarto longa, usa com maestria uma linguagem visual para que a plateia compreenda do que se trata.

As armas não atingem o antílope mas destroem peças de arte malinesas, impregnadas de séculos de tradição.

Em 2012, a cidade de Timbuktu, na República do Mali, antigo Sudão Francês, caiu nas mãos de guerrilheiros jihadistas, que submeteram a população às leis islâmicas ultra-radicais, principalmente proibições de tudo que fosse liberdade e alegria. Uma intervenção militar de franceses e malineses, em janeiro de 2013, acabou com essa usurpação.

Sissako conta a história real, filmando na Mauritânia, seu país natal, nas cidades de Oualata e Nema. Com poesia e beleza, algumas histórias ilustram o terror que esses jihadistas impuseram à população de Timbuktu.

O iman local (Abdel Mahmoud Charif) tenta argumentar com um dos chefes dos defensores de um dogma ultra-ortodoxo, em nome de Allah, que aquilo não era a doutrina da religião islâmica:

“- Onde está o perdão? A clemência? Proibir música, futebol, obrigar as mulheres a usar luvas sem nenhuma explicação? Vocês estão fazendo mal ao Islã!”

Mas os jihadistas recém-chegados, que falam árabe, inglês e francês, não escutam as palavras sábias do iman e nem entendem as várias línguas faladas em Timbuktu, habitada por várias etnias. Precisam sempre de intérpretes em suas imposições.

Os tuaregues, povo nômade, já deixaram o local, afugentados pelo medo. Mas Kidane (Ibrahim Ahmed), pastor de gado, que mora numa tenda no deserto, próximo de Timbuktu, com sua mulher e a filha de 12 anos e um menino orfão, acredita que ninguém escapa de seu destino. E não ouve a mulher, que quer sair dali.

Quando acontece que um pescador mata GPS, sua vaca preferida, que invadira suas redes no rio, Kidane vai tirar satisfações e leva uma arma, novamente sem ouvir o conselho de sua mulher para não fazer isso.

O pior acontece e Kidane vê o pescador morrer pelo disparo acidental da arma. É a ocasião para Sissako filmar uma linda cena de desespero mudo e mostrar a diferença entre a lei e a usurpação cruel da lei islâmica pelos jihadistas.

“Timbuktu” é uma proclamação humanista e uma condenação da violência e da tirania. Ganhou o Cesar, o Oscar francês e foi indicado a melhor filme estrangeiro do Oscar 2015. Merecido.

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