A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição

"A Garota Ocidental - Entre o Coração e a Tradição" - "Noces" , Bélgica, França, Luxemburgo

Direção: Stephen Streker

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Será que é possível pertencer a duas culturas diferentes? Aconteceu com Zahira o que é consequência de uma situação dramática, que coloca dilemas de difícil solução. Aos 18 anos, ela vivia na fronteira, ou melhor, na terra de ninguém, aquele espaço que não tem dono, entre dois mundos.

A garota pertencia, em parte, ao mundo ocidental, já que morava na Bélgica, estudava numa escola na qual se falava o francês e seus amigos eram belgas.

Zahira (Lina El Arabi) era bonita, pele cor de mel, longos cabelos escuros, olhos de cílios espessos. Vestia-se como as outras meninas de sua idade mas com recato. Nada de decotes nem saias curtas.

E, quando saia à rua, seu primeiro gesto era o de cobrir a cabeça com um lenço. E isso significava que pertencia à tradição de onde viera sua família, o Paquistão, de religião muçulmana. Vemos cenas não só do pai e do irmão rezando em seus tapetes de oração, mas ela também.

Assim, Zahira obedecia às tradições seculares de seu país. Amava sua família, que também a amava. Mas era uma garota que queria viver como seus amigos.

À noite, vestindo jeans, top de paetês e tênis dourados, furtivamente saia da casa dos pais e ia dançar, com sua melhor amiga, Aurore (Alice de Lencquesaing). Queria a liberdade de namorar e sair com amigos.

Além dessa ambiguidade de conduta, um traço de personalidade de Zahira iria determinar o seu destino. Ela não conseguia tomar uma decisão importante, sem muito hesitar. Uma das causas disso era o amor à sua família. Não queria que sofressem.

Mas sabemos como a vida é feita de escolhas e suas consequências.

Ela sabe que a família prepara seu casamento com um paquistanês, porque assim reza a tradição. E seu irmão Amir (Sébastien Houbari) tem papel importante nessa tentativa de convencer Zahira a fazer o que o pai e a mãe decidiram. Eles casaram sem se conhecer e viveram felizes. A irmã mais velha também casou assim, depois de experimentar a vida à moda ocidental. E vem convencê-la a fazer o mesmo:

“- Mas não é justo”, reclama Zahira.

“- E o que você esperava? Somos mulheres.”

Ao que acrescenta com carinho:

“- Não há justiça nesse mundo. Pense nos velhos, nos doentes. Você tem que seguir as regras da tradição, senão a família será desonrada.”

Havia uma forte pressão social, além da religiosa. O pertencer à comunidade é um valor real para os paquistaneses vivendo na Bélgica.

O diretor e roteirista Stephen Streker baseou-se livremente num fato real para contar a história de Zahira. Em nenhum momento ele toma partido, apresentando os fatos, sem julgamento.

Cabe ao espectador refletir sobre o que vê na tela e colocar-se no lugar do outro, o que não é fácil.

O final é estarrecedor e pungente.

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Frantz

“Frantz” – Idem, França, Alemanha, 2016

Direção: François Ozon

Quem será que depositou flores no túmulo do noivo de Anna? Ela se pergunta isso intrigada. Desde que Frantz morreu na França é Anna (Paula Beer) que cuida do jazigo dele.

Mas logo ela descobre com o coveiro que o estranho era francês. Ele mostra para ela a moeda de dois francos que ganhara. Francês? Isso aumenta o mistério.

Estamos numa cidadezinha alemã em 1919, logo depois da derrota da Alemanha na Primeira Guerra, da qual os alemães saíram humilhados, inclusive por tratados que os prejudicavam.

Cada família alemã tinha um filho morto pelos franceses. O ódio ainda inundava os corações. As feridas estavam abertas.

Daí ser mais estranho ainda que um francês colocasse flores no túmulo de Frantz. A menos que fossem amigos de antes da guerra, quando ele estudava em Paris, lembra Magda, a mãe, ao marido, o médico Hoffmeister.

E quando Adrien Rivoire (Pierre Niney) toca a campainha na casa de Frantz, a mãe o apresenta à Anna, a noiva enlutada e ao marido que o olha com ódio.

Mas o francês, com lágrimas nos olhos, relembra para a mãe e a noiva de Frantz, a amizade entre os dois quando ambos eram estudantes, os bailes que frequentavam, as caminhadas por Paris e as visitas ao Louvre para admirar um certo quadro de Manet, que os dois amavam.

Adrian também toca violino e até dera lições a Frantz, em Paris. Ambos tinham a mesma idade e os mesmos gostos.

E, por um momento, era como se Frantz voltasse para aquela casa onde era adorado.

Aos poucos, Adrien conquista a família. Até o pai, que sentira ódio por ele, insiste que fique com o violino de Frantz, o que ele recusa, mas em troca tocando as músicas que sabia serem as preferidas dele, com Anna ao piano.

E passeia com Anna pelos lugares que Frantz adorava, onde pedira a mão dela em casamento. Os dois visitam o túmulo e conversam em francês, língua secreta dos noivos.

Apesar de ser hostilizado por onde passasse, levantando rumores contra o doutor Hoffmeister, que o acolhera em sua casa, Adrien parecia realmente mortificado pela perda do amigo. E isso o aproximava de Anna e dos pais de Frantz.

Até que, na última noite antes de partir para a França, convidado para jantar na casa dos Hoffmeister, Adrien não aparece e Anna sai à sua procura. Encontra o francês no túmulo de Frantz e, para sua surpresa, Adrien diz que tem uma confissão a fazer.

François Ozon, 49 anos, diretor de “Jovem e Bela” de 2013, “Uma nova Amiga” de 2014, ”Potiche”de 2010, para só citar alguns de seus filmes de sucesso, assina como diretor e roteirista seu novo filme, “Frantz”.

Ele adaptou para o cinema a peça de Maurice Rostand (1891-1968), que também foi levada para o cinema em 1932 por Ersnt Lubich, “Broken Lullaby”. Diz Ozon que resolveu mudar o ponto de vista do narrador, que no filme do alemão Lubitch era o soldado francês, para adotar o olhar de Anna, a noiva do soldado alemão.

Há algumas surpresas e reviravoltas na trama, filmada em magnífico preto e branco para as cenas em 1919 e outras coloridas quando os sentimentos são de alegria e amor e para o final, fantástico, por sinal.

O diretor, em entrevistas, ressaltou a contemporaneidade da história que tem como tema o nacionalismo exacerbado, gerador de guerras e ódio a estrangeiros, muito atual na Europa de hoje, por causa do problema dos imigrantes que também fogem de guerras.

“Frantz” é um filme elegante com a fotografia de Pascal Marti e a música inspirada de Phillippe Rombi, que acentua as emoções e enriquece o clima passado pelas imagens.

“Frantz” é um filme belíssimo.

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