Como esquecer
“Como esquecer”, Brasil, 2010
Direção: Malu de Martino
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Ficou claro, ultimamente, que temas polêmicos para os brasileiros como a homossexualidade e o aborto, precisam ser discutidos em espaços mais amplos, favoráveis à reflexão.
Nessa linha, a diretora de “Como esquecer”, Malu de Martino, parece não temer a excomunhão e enfrenta os preconceitos de frente.
Seu filme, baseado no livro “Como esquecer – Anotações Quase Inglêsas”, de Myriam Campello, conta a história de Julia, professora de literatura inglesa que chora a perda de um amor, Antonia.
A bela Ana Paula Arósio encarna Julia, uma mulher desglamorizada que não consegue esquecer aquela que a abandonou. Entrega-se a um masoquismo explícito, ferindo-se e pensando em morrer. Um luto patológico.
Para interpretar Julia, Ana Paula aparece de rosto lavado, olheiras, cabelo sem brilho e sempre preso, vestida em roupas escuras e largas. Ela é alguém que não quer conformar-se. Afasta as pessoas. Não quer consolo. Fechou-se para a vida.
Em “off”, a voz de Julia atua revelando mais a sua personagem, dando um caráter literário ao filme. Às vêzes esse recurso fica exagerado, outras vêzes cai bem.
“Desde o dia em que Antonia foi embora da minha vida eu me pergunto: o que é o contrário do amor? O ódio? Não. Para mim é uma perplexidade ferida de onde só vou conseguir escapar com a ajuda de quem me abandonou. O que será o contrário do amor?“, ela pergunta.
Hugo (Murilo Rosa), homossexual assumido, ator amigo de Julia, propõe irem morar em uma casa em Pedra de Guaratiba, perto do mar e do sol. Ele também está de luto. Seu companheiro morreu.
Aos dois junta-se Lisa (Natália Lage) que, abandonada grávida pelo namorado, faz um aborto e sofre também com a perda.
Julia, retraída e inconsolável, diz em “off”:
“Dividir a casa com outras pessoas pode nos dar um calor de rebanho mas é também uma perturbação contínua.”
Ou ainda : “Até os amigos íntimos não agüentam nosso sofrimento…Faz lembrá-los de dores passadas ou que virão…”
Mas o fato é que o tempo passa, a aluna Carmem e a pintora Helena (Arieta Correa) se aproximam de Julia e ela começa a respirar melhor e a sair da casca protetora que construira para si mesma. E então as emoções penetram e acendem luzes na alma de Julia que se surpreende consigo mesma:
“O amor exige muito e eu tenho pouco para dar…”
“Como esquecer” fala do luto, da impossilidade do amor mas também do trabalho interno necessário para suplantar uma dependência mórbida e escapar do egoísmo extremo que nos aprisiona e nos tranca fora dos prazeres quotidianos nas trocas com outros seres humanos.
“Já conheço os passos dessa estrada,
Sei que não vai dar em nada,
Seus segredos sei de cor…
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que aí sozinho, eu vou ficar
Tanto pior…”
Elis Regina canta “Retrato em branco e preto”de Tom Jobim e Chico Buarque na abertura do filme. A música vai soar ao longo dessa história e acompanhar a dor dos “embates amorosos catastróficos”, como diz Julia.
Mas nos letreiros finais, k. d. lang fecha o filme com “Coming home”que canta uma tristeza doce, despertada pelas lembranças de infância de Julia que vão certamente ajudá-la a melhor conhecer a si mesma, libertando-a para novas escolhas.
O maior mérito de “Como esquecer” é humanizar preconceitos e por isso mesmo, desconstrui-los.