O Rei do Show

“O Rei do Show”- “The Greatest Showman”, Estados Unidos, 2017

Direção: Michael Gracey

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Primeiro em silhueta, depois num palco iluminado, o personagem da vida real cuja história vai ser contada, usa cartola, casaca vermelha e colete dourado (Hugh Jackman, excelente). Está cercado por artistas que dançam e cantam, incluindo a plateia. Todo esse show musical inicial talvez seja o número de maior impacto. Depois vai ser mais do mesmo.

Parece estranho, mas tanto as músicas (nenhuma memorável) quanto a coreografia, pertencem mais ao mundo do jazz, que não tem nada a ver com a época, nem com a história. Foi uma tentativa de introduzir modernidade em cena que deixa a desejar. No palco um espetáculo que mais parece um Cirque du Soleil menor, com estética equivocada da Broadway.

Dá saudades de “Moulin Rouge” (Baz Luhrmann) e “Cabaret” (Bob Fosse).

Mas o diretor australiano Michael Gracey, no seu primeiro longa, já mostra que pode tornar-se melhor do que já é agora, se tiver um melhor roteiro nas mãos.

“O Rei do Show” é uma leitura própria da vida de Phineas Taylor Barnum (1810-1891), que, vindo de uma família pobre, tornou-se milionário e o inventor do “showbusiness”.

Quando menino (Ellis Kubin) entrava nas casas ricas, onde tudo brilhava e encantava seus olhos, pela mão do pai que era alfaiate e atendia gente endinheirada. Foi assim que ele conheceu Charity (Michelle Williams), a mulher de sua vida.

O filme dá um salto no tempo e Barnum vai buscar Charity na casa dos pais, os Harletts (Frederic Lehne e Kathryn Meisle):

“- Ela vai voltar logo, quando se cansar da vida pobre que você pode dar para ela…” diz o pai.

E Barnum, que sempre acreditou que era fadado para o extraordinário, no começo erra muito. Chegam as duas filhas do casal e Barnum se esforça para conseguir dar a elas a vida que prometeu a si mesmo.

Vai atrás de figuras como a mulher barbada, o gigante irlandês, o menino-cachorro, o anão vestido de Napoleão e seu cavalo branco, o homem tatuado, os trapezistas negros e o público reage bem. Vem ver esses personagens tidos como monstros, escondidos da vista de todos e os aplaudem. Embora muitos digam que tudo é mera falsificação.

Mas o dinheiro e o sucesso de público parecem não ser suficientes para Barnum, que embarca numa “tournée” com uma bela cantora lírica sueca (Rebecca Ferguson, deslumbrante), largando família e o circo.

Esse é o público que ele queria em sua plateia, os aristocratas ricos e bem vestidos, em teatros exclusivos.

Ainda bem que seu sócio, Phillip Carlyle (Zac Efron, muito bom), o jovem escritor de teatro com sobrenome elegante, segura o espetáculo. Apaixonado pela trapezista negra (Zendaya), interpreta com ela o número mais bonito do filme.

Hugh Jackman é o centro de tudo e percebe-se que ele se doa ao personagem com paixão. Mas falta tempo no roteiro para que os verdadeiros conflitos apareçam. Ou seja, “O Rei do Show” é um musical. Não é um filme com números musicais. E a dupla de “La La Land”, Benji Pasek e Justin Paul, não conseguiu emplacar nenhuma canção que tenha a força de “City of Stars”.

“O Rei do Show”, com suas limitações, vale entretanto como um bom entretenimento para quem gosta de ver musicais no cinema.

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Corpo e Alma

“Corpo e Alma”- “On Body and Soul”, Hungria, 2017

Direção: Ildikó Enyadi

Na floresta branca com a neve que cai, o veado com um grande galho, seguido por uma fêmea, procura alimento. Estão próximos e serenos mas algo faz com que haja receio. Caçadores espreitam?

Mas a cena muda.

A morte é certa para aqueles outros animais que esperam com paciência e medo. O matadouro é um lugar terrível para pessoas sensíveis.  Mesmo com os olhos fechados para não ver o instante final, penso na generosidade daquela entrega. Viveram e vão morrer para alimentar a espécie humana.

Quem consegue trabalhar num tal lugar? Há mugidos roucos, barulhos pesados, luz branca e muito sangue correndo para o ralo.

Endre, uns 60 anos, o diretor financeiro do matadouro (Marc sányi Géza) não parece ser insensível à morte do gado. Mas aceita a situação como algo que não dá para evitar. Como o seu braço esquerdo que pende inerte, paralisado.

Quando Maria (Alexandra Burbély) vem trabalhar como a controladora de qualidade da carne, há reclamações de que ela está sendo injusta em suas análises.

Ela é etérea, jovem, fala pouco, rígida, responde apenas o necessário à pergunta de Endre (“são as normas”) mas algo que não é falado começa a acontecer.

Endre interroga um novato:

“- Você tem pena dos animais?”

E ao que o outro responde que não, avisa que seria melhor demitir-se. A falta de empatia pode levar a uma depressão, diz ele, levemente ameaçador.

Sándor (Revin Nagy) parece surpreso com o que fala Endre e pressente que o diretor não gosta dele.

Mas não é a intenção de Endre ser agressivo. Sente que o outro é um macho alfa e isso faz lembrar que ele fechou-se para as mulheres. Decepções amorosas o feriram. Evita, portanto, o assunto. Ou pensa que sim. Mas Maria faz aparecer ciúmes em Endre, aquele homem aparentemente frio e fechado.

Sentado no refeitório da empresa vê Maria passar.

Aqueles dois tem em comum a reserva, o receio de aproximação, a aceitação da vida sem grandes emoções, a solidão.

Mas, inesperadamente, tudo vai começar a mudar, quando uma psicóloga, chamada por causa de um roubo, interroga os empregados do matadouro.

Endre e Maria vão ficar sabendo sobre algo extravagante e inesperado.Compartilham de noite o sonho dos veados na floresta. Os impulsos animais e primitivos de acasalamento irrompem com força naqueles dois seres, até então protegidos por muros invisíveis na vida acordada. Agora são os sonhos que os conduzem.

A diretora e roteirista Ildikó Enyedi, 62 anos, ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1989 por seu filme “My Twentieh Century – Meu Século XX” mas depois teve que enfrentar dificuldades para filmar porque o Instituto de Cinema da Hungria acabou. Levou quase 10 anos para finalizar “Corpo e Alma”.

No Festival de Berlim desse ano, a diretora foi recompensada: Urso de Ouro, prêmio da crítica internacional e prêmio do júri ecumênico.

Unanimidade para “Corpo e Alma”, delicadeza, poesia e compaixão pela humanidade.

O filme vai representar a Hungria no Oscar 2018.

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