Mãe!

“Mãe!” - “Mother!”, Estados Unidos, 2017

Direção: Darren Aronofsky

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Quando tudo recomeça naquele dia, Mãe (Jennifer Lawrence, divina) acorda e procura Ele na cama:

“- Baby?”

Bela, jovem, longos cabelos louros numa trança, vestindo uma camisola branca, ela anda pela casa esperando encontrá-lo.

Abre a porta da frente e vemos uma natureza intocada. Só ouvimos o barulho do vento e o canto dos pássaros. A casa é isolada. Não há caminhos que levem a ela.

Quando ela se volta para entrar na casa, dá de cara com Ele:

“- Por que você não me acordou? ”pergunta Mãe.

“- Precisava clarear as ideias. Ficar só. ”

Ele tinha ido correr. É bem mais velho que ela. Sobe as escadas para tomar um banho e ela, que restaurou sozinha aquela casa depois de um incêndio, dedica-se a uma das paredes.

Estranhamente, um close em seus olhos fechados e em sua mão pousada na parede, leva à imagem de algo pulsando em seu interior. Vida.

Ele (Javier Bardem) é um escritor e está sofrendo um bloqueio criativo. A mãe cuida da casa e dele e se assusta quando, à noite, alguém bate à porta.

Ele vai abrir e um homem (Ed Harris) entra. Ele parece animar-se com essa presença. Mãe não entende por que Ele convida o estranho a ficar na casa.

Os dois conversam muito e o homem fuma e bebe sem parar. Mãe logo o ouve vomitando e vê Ele que o ampara. Ela vislumbra um estranho corte no corpo do homem na altura da costela.

Logo vão chegar outros. A mulher do homem (Michelle Pfeiffer, excelente), invasiva e desagradável com Mãe e os filhos deles (Damhnall e Brian Gleeson), que vão cometer o primeiro crime.

Eu não leio críticas antes de assistir um filme mas é quase impossível deixar de ver as frases nas manchetes. E há chamadas sobre o filme de Aronofsky que falam numa alegoria bíblica. Então, a essas alturas, quem tem instrução religiosa pensa logo em uma metáfora dos primórdios da história da humanidade, tirada do livro do Gênesis: Deus, a Natureza criada que chamamos Mãe, Adão, Eva saída de sua costela, Caim e Abel.

E essa leitura é um “abre-te Sésamo” para o que vem depois, nas imagens terríveis do fotógrafo Matthew Libatique, quase todas em closes. Muitos de Mãe.

Multidões ensandecidas invadem a casa. Todos querem estar com Ele. Mas, ao mesmo tempo, assustam Mãe e começam a destruir a casa. Fanáticos gritam, choram, lutam entre eles. Há medo e caos. E o fogo vai trazer novamente o apocalipse. Nos créditos finais, Patti Smith canta sobre o fim do mundo.

Darren Aronofsky, 48 anos, que além de diretor é também roteirista, produtor e ambientalista, passa sua mensagem ecológica e contra todos os fundamentalismos religiosos, com intensidade e paixão, em “Mãe!”.  Para isso ele utiliza histórias bíblicas, recicladas para o século XXI, com as quais teve contato durante sua educação como judeu nascido no Brooklyn.

“- O meu Deus é sempre o do Antigo Testamento”, diz ele.

O diretor de “Pi”1998, “Réquiem para um Sonho”2000, “Fonte da Vida”2006, “O Lutador”2008, “Cisne Negro”2010 , já tinha em mente mudanças climáticas na origem de catástrofes naturais quando fez “Noé” em 2014.

Em entrevista sobre “Mãe!” ele disse:

“Acho que é a coisa mais forte que já fiz. É a que tem o maior impacto. A ideia é, ao olhar dentro da escuridão, você revela a luz.”

E saber tudo isso de antemão estraga a visão do filme? Ele mesmo responde:

“Não acho que saber a alegoria, e saber onde estamos indo, vá, de alguma forma, afetar sua experiência ao assistir. Ainda será muito intensa.”

Sabendo que se trata de um filme artístico, com alegorias sobre a Bíblia e interpretações magníficas, você não sente vontade de conferir “Mãe!”?

Eu adorei.

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As Duas Irenes

“As Duas Irenes”, Brasil, 2017

Direção: Fabio Meira

Aquela garota de costas para nós, magrinha, está com uma pedra na mão. Olha fixamente a janela de uma casa simples. Quando ela atira a pedra e quebra o vidro da janela, percebemos a raiva que não sabemos de onde vem.

Pedalando sua bicicleta ela parece mais leve.

Estamos numa cidadezinha de ruas de pedra, ladeiras, no interior do Brasil. A menina Irene (Priscila Bittencourt) é a segunda filha do casal que tem três filhas e mora numa casa maior e mais bonita que a da janela de vidro quebrado. Vemos a família almoçando. Mas Irene, calada, não está bem. Há um turbilhão dentro dela e quando coça a cabeça, irrita a mãe (Susana Ribeiro):

“- De novo com piolho, Irene?”

Ela é a filha “sanduiche” e sente-se rejeitada. A conversa na mesa é sobre o vestido de Solange, a mais velha, que vai debutar. E a menor é a gracinha do pai.

Irene, 13 anos, magrela, não gosta do que vê no espelho. E pior. Outra coisa a incomoda. Descobriu que o pai (Marco Ricca) tem outra família e outra filha de 13 anos. A outra Irene (Isabela Torres).

Daí a pedra na janela.

Mas não é tão simples. A raiva de Irene se mistura com uma curiosidade de saber como vive a outra, como ela é. Sente-se atraída pela outra casa do pai.

E ela segue em frente com seu plano de aproximação. Neusa (Inês Peixoto, ótima atriz), a mãe da outra Irene, é costureira e lá vai a nossa pedir que faça uma blusinha para ela.

“- Me chamo Madalena”, mente ela, usando o nome da boa empregada da casa dela.

E quando a outra Irene chega e conta que vai ao cinema, quem sabe levando o pai, Irene aparece por lá, como quem não quer nada:

“- Você não vinha com seu pai? ”, pergunta.

“- Ele não podia vir… Sabe que você é bonitinha? Poderia participar do concurso lá do meu bairro. ”

Irene já andara espiando escondida o tal concurso e vira o pai jogar beijos e levar flores para a outra Irene.

Mas o que parecia uma raiva invejosa daquela outra Irene, bonita, corpo desenvolvido e despachada, vai se transformando numa aliança. Uma amizade que traz para a nossa Irene aquilo que lhe faltava: um modelo a ser imitado.

A outra Irene é o espelho no qual a nossa Irene gosta de se ver. Vai ficando mais solta, mais risonha, mais livre.

A Dona Mirinha, arrogante e encantada com a filha mais velha, “a cara da mãe”, é o contrário do que Irene quer ser. É por causa dela que o pai arranjou outra. Na casa da outra, a mãe é mais simples, mais carinhosa e nada mandona. Lá há cantos e danças. Por isso Irene até entende o pai. Mas, assim mesmo, há mágoa.

Há uma sede de vingança mas mais dirigida contra a mãe do que ao pai. Este ofereceu o motivo e é por aí que a nossa Irene vai conseguir o quer: que a casa caia.

“Duas Irenes” é o primeiro filme do goiano Fabio Meira, que diz ter se inspirado numa história familiar para escrever o roteiro. O filme ganhou quatro Kikitos em Gramado: melhor ator coadjuvante (Marco Ricca), roteiro, direção de arte e melhor filme da crítica.

A fotografia de Daniela Cajías é elegante, criando quadros encantadores que emolduram o espaço feminino das duas meninas.

E o final do filme é surpreendente.

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