Conspiração e Poder

“Conspiração e Poder”- “Truth”, Estados Unidos, 2016

Direção: James Vanderbilt

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O pano de fundo dessa história real, acontecida há 11 anos atrás, é a reeleição de George W. Bush em 2004, para a presidência dos Estados Unidos. E tudo se passa com a equipe de repórteres do mais famoso programa de notícias da TV americana, o extinto “60 Minutos” da CBS, que tinha na época como âncora, Dan Rather (Robert Redford).

O filme, adaptado do livro “Truth or Duty – The Press, the President and the Privilege of Power”, da ex-produtora da CBS News, Mary Mapes, conta a história do ponto de vista dela (Cate Blanchett).

Um dos repórteres da equipe que produziu a reportagem com a notícia-bomba que o presidente Bush teria escapado do serviço militar para não ir para o Vietnã, conta que a produtora Mary Mapes se inteirara de tudo isso em 2000 mas que a produção do programa não foi para a frente porque Mary perdeu sua mãe naquela época. Recordem vocês que foi nesse ano a eleição de George W. Bush que concorria com Al Gore para a presidência.

Tudo se baseava em conversas e documentos que Mary conseguiu de sua fonte, que davam conta de que, embora alistado na Guarda Nacional nos anos 70, Bush não fora avaliado por não estar presente em nenhuma das ocasiões em que foram feitas tais avaliações. Ora, esse tratamento diferenciado, que não só Bush mas outros rapazes ricos conseguiram, era uma blindagem para tirá-los da lista dos que iriam lutar na guerra.

Era um escândalo para os americanos cujos filhos morreram ou voltaram estropiados física e mentalmente dessa guerra, onde o país fora derrotado pelo povo vietnamita. E tudo isso a meses da pretendida reeleição de Bush, atual presidente dos Estados Unidos, responsável pela guerra contra o Iraque.

Desde o recebimento dos documentos até conseguir produzir o programa, com atestados de especialistas confirmando sua validade, passaram-se 15 dias. Mas depois da vitória de Mary Mapes, viria um pesadelo que ela, nem ninguém, poderia imaginar.

Cate Blanchett, 47 anos, dá vida e energia à produtora do programa da CBS, encarregada de pesquisar notícias, buscar provas e conseguir fontes seguras, ajudada por uma equipe jovem que ela mesma escolhera: Mike Smith (Topher Grace) e Lucy Scott (Elizabeth Moss). Casada e com um filho pequeno, era vista como alguém que tivera uma infância difícil com um pai tirano e violento. E daí sua ligação paternal com o âncora do programa, bem mais velho que ela.

Dan Rather tinha a responsabilidade de levar a notícia ao telespectador. Era a cara do programa e confiava em Mary de quem era próximo. ”60 Minutos” gozava de grande credibilidade e era assistido por milhões de americanos. No filme, Robert Redford , 80 anos, empresta carisma necessário a essa figura lendária da TV americana.

Como “Spotlight”, o ganhador do Oscar de melhor filme do ano, que trata de jornalismo investigativo em jornal, “Conspiração e Poder” retrata o mesmo na TV. Só que aqui há uma derrota.

Mary Mapes foi demitida da CBS com sua equipe e Dan Rather aposentou-se meses depois. A notícia incomodava o poder e o destino deles estava selado. Bush ganhou as eleições.

O filme do novato James Vanderbilt tem um ritmo acelerado e trata de um assunto que não é familiar ao público brasileiro. Assim mesmo, vale a pena ver a atuação de dois grandes do cinema, mostrando que nem sempre a verdade interessa aos poderosos.

Aliás, nunca ninguém conseguiu provar que a história contada por Mary Mapes fosse falsa.

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Meu Amigo Hindu

“Meu Amigo Hindu”- “My Hindu Friend”, Brasil, 2015

Direção: Hector Babenco

Falar de si mesmo no cinema, acontece frequentemente com diretores. Principalmente com os que escrevem também os roteiros. Mas, isso é sempre algo implícito, nunca confessado abertamente como fez Babenco, em letras brancas na tela negra: “aconteceu comigo” e “conto da melhor maneira que sei contar.” Ou seja, fazendo ficção, reinventando a realidade. Portanto, “Meu Amigo Hindu”, não é um filme autobiográfico, apesar de inspirar-se na vida real.

Willem Dafoe, o grande ator americano, conheceu Hector Babenco nos anos 80 mas foi só agora que deu certo a parceria e ele aceitou fazer Diego Fairman, no último filme do diretor argentino-brasileiro.

Daí o elenco todo ter que falar inglês, o que foi difícil e até prejudicou a naturalidade da interpretação de alguns atores. Para os da plateia, que os conhecem falando  português, soa estranho e talvez até mesmo desconcertante e isso prejudica tanto quem fala quanto quem ouve. Cria um distanciamento que nos distrai. Principalmente nas cenas iniciais do casamento.

Mas foi inevitável, já que Dafoe não fala português. E ele é o centro de tudo que acontece. E como interpreta bem o que acontece de cara: a raiva que acompanha o temor do diagnóstico que indica um transplante de medula.

No espelho, calvo por causa da quimioterapia que o está matando ao invés de curá-lo, ele pergunta para sua mulher Livia (a bela Maria Fernanda Cândido):

“- O que foi que eu fiz?”

E é um homem amargo e ressentido com a vida que vai para os Estados Unidos, submeter-se a um tratamento experimental, do qual não se sabe se ele vai sair vivo.

Livia entra e sai, fica ao lado dele o tempo todo, mas não recebe um carinho de agradecimento.

Babenco dirige bem os atores que fazem a equipe do hospital mas o foco é sempre o rosto de Dafoe, onde se estampa a dor, a agitação da morfina, o medo de morrer. É um homem só, que enfrenta tudo aquilo que acontece no seu corpo, tentando fazer nascer um outro sistema imunológico, uma outra vida.

Mas o roteiro traz momentos de respiração com cenas de humor negro criativas, envolvendo as visitas de um funcionário da Morte (Selton Mello, ótimo) e sua companheira surreal (Vera Barreto Leite). Falam bobagens, jogam xadrez e Dafoe acorda aliviado. Ainda não foi daquela vez.

O título do filme, que fala de um amigo hindu, justifica-se na salinha de quimioterapia, onde Diego tem como companheiro um menino que joga video-game e não se interessa por ele, até que o adulto começa a contar histórias que distraem tanto ele mesmo como o menino. A magia da imaginação os distancia daquele hospital.

Neste momento do filme desaparece o diretor mal humorado e há doçura na voz que conta histórias.

A mesma doçura que havia na fala com o filho de sua mulher Livia, quando se despede dele porque vai se tratar longe dali. Ele leva o brinquedo do menino consigo e também vai com ele para aquela salinha, onde o brinquedo é uma ponte para chegar no pequeno paciente.

O menino que está vivo em Diego é sua melhor parte e vai ajudá-lo nessa luta pela sobrevivência, na selva onde a morte espreita.

Os dois, vestidos de soldados, atirando granadas e metralhando o inimigo, representam a si próprios e a tarefa que vieram enfrentar naquele lugar.

Mas há doçura e também encantamento no olhar de Dafoe/Diego quando ele descobre Barbara Paz, no papel dela mesma (mulher de Babenco na vida real). Da plateia assistindo ao espetáculo solo dela, depois nas conversas a pé pela cidade e na cena da primeira noite de amor, há um homem que se recupera, que quer viver e que esquece medo e rabujice.

“All you need is love”, como já dizia a canção.

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