Além da Liberdade

“Além da Liberdade”- “The Lady” França / Inglaterra, 2010

Direção: Luc Besson

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A primeira imagem do filme já é comovente. Uma menina pequena, sentada no colo do pai, pede que ele lhe conte uma história.

“- Posso contar uma de quando a Birmânia era chamada de País do Ouro.”

Ela se aconchega. Eles estão num jardim, à sombra de palmeiras, à beira de um lago.

“- Era uma vez um lindo país onde havia florestas de ébano e teca por toda a parte. Naquele tempo, tigres vagavam nas selvas e manadas de elefantes caminhavam nas planícies. Havia muita riqueza nesse país. Safiras azuis e rubis vermelhos… Mas essa é uma história triste porque vieram soldados de um país distante e tiraram tudo de nós. Ficamos muito pobres…”, finaliza, levantando a filha e pousando-a na grama do jardim.

Colhe uma flor e com ela enfeita o cabelo da menina, que o olha encantada.

Vestido em seu uniforme do exército, vira-se e dá um adeus, antes de entrar no carro.

Foi a última vez que ela viu o pai, em Ragum, na Birmânia, onde moravam. Ela tinha dois anos de idade.

Assim começa a história verdadeira de Aung San Suu Kyi,que muito cedo perdeu o pai, herói nacional na luta pela independência do país, colonizado pelos ingleses.

No golpe militar de 1962, instalou-se na Birmânia (hoje Mianmar), um governo de generais, conhecido como um dos mais cruéis e repressivos do mundo.

Michelle Yeoh faz, com elegância e sobriedade, o papel dessa mulher que vai viver fora de seu país, casa-se na Inglaterra, tem dois filhos e que, por causa da doença de sua mãe, volta e se vê compelida a abraçar a causa de seu povo, vítima da tirania.

Ela lidera, então, uma luta de resistência pacifica contra o governo brutal de seu país, discursando em comícios, com sinceridade e firmeza, para uma população que a venera e levanta retratos de seu pai.

Carismática, ela defendeu eleições democráticas, enfrentando ameaças terríveis, prisão domiciliar por mais de15 anos, afastamento do marido (o ótimo David Thewlis) e dos filhos, que ela viu poucas vezes em todos esses anos, impedidos pela não concessão de vistos pelos generais, que queriam forçá-la a deixar o país.

Magrinha, voz suave e firme, rosto bonito, franja, cabelos sempre presos num coque baixo, enfeitados com as orquídeas do jardim, usando a saia longa e blusa do traje local, ninguém adivinharia a força e a tenacidade que a distinguiam, não importa o que acontecesse.

A revista Time colocou-a na capa, chamando-a de “Orquídea de Aço” quando em 1991, seus filhos e marido receberam por ela o prêmio Nobel da Paz.

O filme de Luc Besson é quase austero de tão simples. O roteiro de Rebecca Frayn conta a história sem malabarismos.

Alguns críticos reclamaram que o filme dá muita ênfase ao casamento e vida doméstica de Suu Kyi. Pode-se responder dizendo que, assim fazendo, a roteirista mostrou o tamanho da renúncia afetiva da líder birmanesa em prol da causa de seu país.

De qualquer modo, o diretor Besson oferece a tela a Aung San Suu Kyi e à sua mensagem em defesa da democracia ao mundo.

Recentemente, aos 67 anos, ela foi empossada como membro do Parlamento e fez sua primeira viagem internacional desde 1988, sendo recebida com honras por chefes de estado.

Só por nos mostrar a existência dessa mulher valente, o filme de Luc Besson vale a pena ser visto.

“A Dama de Yanoun”, como Suu Yi é também chamada, emociona e ensina a todos o quanto vale lutar por um sonho em que se acredita.

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Aqui é o Meu Lugar

“Aqui é o Meu Lugar”- “This Must Be the Place” Itália/ França/ Irlanda, 2011

Direção: Paulo Sorrentino

 

Cabelo negro armado, batom vermelho e os olhos azuis maquiados. Um tique como Marilyn: sopra a mecha de cabelo que cai em seu rosto. Sempre com o mesmo figurino, calça e blusão de couro, gola de pele, tudo preto.

É Cheyenne. Ex-ídolo de rock dos anos 80, que segue decadente mas fiel a essa imagem, como uma pedra imutável, porque é difícil encarar o que traz dentro de si.

Milionário, refugia-se da realidade vivendo numa linda casa na Irlanda, casado há anos com uma bombeira com quem mantém um relacionamento carinhoso.

Jogam pelota basca na piscina vazia. Ele olha da janela ela fazendo tai-chi-chuan no jardim com o professor chinês. E assim passam-se os dias.

Ela (Francis McDormand) parece ser a mãe daquela patética criança andrógina (Sean Penn, numa interpretação magistral).

E, na cabeça dele, ressoa sempre uma pergunta que não quer calar e que ele murmura para si mesmo:

“- Tem algo errado aqui, não sei o que é, mas tem.”

Ela diz que ele confunde depressão com tédio.

Mas quando chegam notícias preocupantes sobre a saúde do pai dele, com quem não fala há 30 anos, Cheyenne empreende uma viagem iniciática que vai fazer com que olhe de frente aquilo que sempre fora negado.

Lá se vai ele para a América, arrastando seu “carry-on”, de encontro ao pai que não o reconhecia.

Nessa viagem, Cheyenne vai encarar o passado que o pai sempre escondera de si mesmo e, fazendo isso, mesmo sem querer, tornara o filho refém de uma culpa fantasiada.

Cheyenne intuia que havia um carrasco na vida do pai. Confundia-se com ele.

“Há muitas maneiras de morrer, a pior é continuar vivendo”, era o lema do pai de Cheyenne, que, silenciando sobre sua tragédia pessoal, condenava o filho a interrogar-se sobre o que não sabia.

A saída dele, infantilizada, fora refugiar-se em um exílio culposo, vestindo um disfarce.

David Byrne, que compôs a música original para o filme, aparece como ele mesmo, contracenando com Cheyenne. Momento de um começo de confrontação consigo mesmo.

Mas é no encontro com a verdade do pai que reside a possibilidade de liberação para ser ele mesmo. Compreendendo o que acontecera, ele estará livre para decidir e passar a existir fora de seu casulo.

“Aqui é o Meu Lugar”, tradução do titulo em português, elimina a dúvida, marca de Cheyenne. Pena. Porque o filme tem um clima estranho proposital, mexendo com o espectador que vive também o dilema do personagem, que só vai ser esclarecido pouco a pouco.

O roteiro que também foi escrito pelo diretor, com a ajuda de Umberto Contarello, coloca Sean Penn no papel de um herói temeroso à procura de sua verdade. Com delicadeza, Paolo Sorrentino encaminha o ex-roqueiro para o que ele precisa saber e decidir, para viver sua própria identidade.

A direção de Paolo Sorrentino é impecável. O roteiro é engenhoso. A fotografia nota 10, com belas imagens líricas.

Mas, não tenham dúvidas quanto a isso, o filme é de Sean Penn, de fio a pavio. Um ator como poucos.

 

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