Lugares Escuros

“Lugares Escuros”- “Dark Places”, Estados Unidos, França, 2015

Direção: Gilles Paquet-Brenner

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Existem lugares escuros na alma humana. Neles, a luz da consciência brilha tênue, o que faz com que tudo fique indistinto ou claramente assustador, se assim acreditamos.

Esse é o dilema de Libby Day (Charlize Theron).

Quando ela era pequena, sua família fora massacrada de noite, no escuro. Um horror que a fez fugir correndo para se esconder, tremendo de medo e muito confusa.

Em sua memória, aquela noite era um lugar escuro, onde ela mal distinguia o que acontecera. Seu depoimento à polícia, inculpando o irmão Ben (Tye Sheridan faz o garoto e Corey Stoll, o adulto na prisão), era algo que a torturava. Porque se tivesse sido ele mesmo que cometera esse ato impensável, ela também tinha a mesma maldição pairando sobre ela. O sangue ruim do pai (Sean Bridgers), bêbado e alucinado, marcara para sempre o destino dela e de Ben?

Mas a lembrança mais forte ainda era do rosto de sua mãe (Christina Hendricks) , naquela noite.

A pequena Libby tinha episódios de sonambulismo e neles, sempre ia até a cama da mãe. Naquela noite fatídica, ela lembrava bem, tinha acordado com a mãe dizendo que a amava, e isso não era uma coisa comum:

“- Eu te amo Libby, minha joaninha. Nunca se esqueça disso”, a mãe lhe dissera com uma expressão de tristeza no rosto.

A caçula de três irmãs, Libby escapara com vida daquela tragédia, bem como seu irmão Ben, que todos diziam na escola que estava encrencado. Falavam que Ben era adepto do satanismo, que namorava uma garota do mal (Chloe Grace Moretz)) e que molestara não só uma menina (Drea de Matteo), mas muitas outras. Só podia ter sido ele quem fizera aquele horror. Tanto sangue…

Adulta, Libby ainda arrasta uma culpa pesada. Ela sobrevivera. Por que? Qual a explicação?

Convidada por um sujeito (Nicholas Hoult) que escrevera uma carta para ela, Libby vai visitar um lugar estranho, frequentado por pessoas que se interessavam por crimes e assassinatos não resolvidos ou mal solucionados.

Libby, que sobrevivia às custas da caridade alheia e também da curiosidade que despertava nas pessoas, está desesperada atrás de dinheiro.

Lye, que a convidara para o Clube da Morte, faz perguntas insistentes que a torturam mas que a levam, finalmente, a pensar melhor sobre todos os acontecimentos que jaziam na penumbra do passado e que finalizaram na noite do massacre.

Ela vai deparar-se com o que não quis ver naquela noite. Vai trilhar um caminho que lançará alguma luz naquele lugar escuro em sua mente.

Charlize Theron produziu e atua nesse filme de mistério, com seu belo rosto escondido quase o tempo todo sob um boné, parte da composição da personagem Libby, com baixa auto-estima e massacrada pelo passado.

O diretor francês, Gilles Paquet-Brenner do ótimo “A Chave de Sarah”2010, conduz bem a trama, com muitos “flash-backs”, adaptação do livro da mesma autora de “Garota Exemplar, Gillian Flynn.

Um filme para quem gosta de desvendar segredos.

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Sangue Azul

“Sangue Azul”, Brasil, 2014

Direção: Lírio Ferreira

 

Em preto e branco, o barco Solaris leva a trupe do Circo Netuno para a ilha distante. Enquanto a lona é erguida na praia, o vento bate forte e o mar bravio sufoca os ruídos com o clamor de suas ondas. É o prólogo.

Em capítulos, e com cores, é contada a história do “Homem Bala”, que saiu da ilha menino ainda, levado por Caleb, o dono do circo. Ele volta depois de 20 anos, com outro nome. Não é mais Pedro, é Zolah, vestido de azul, que é atirado todo dia sobre uma rede, depois da explosão do canhão.

Daniel de Oliveira, olhos claros e fala mansa, faz o ilhéu que volta à sua terra natal, reencontra a mãe (Sandra Corveloni) e a meia-irmã Raquel, a mergulhadora loura e doce (Carolina Abras), com quem divide memórias da infância.

Com um cenário belíssimo, já que a ilha de Fernando de Noronha tem praias de areia, mar azul transparente e rochedos que se erguem do mar e da terra, o filme ganha em mostrar quadros com inspiração, na fotografia de Mauro Pinheiro Jr, premiada no Festival de Paulínia.

A cena do mergulho é de uma beleza espantosa e nos leva junto para a quietude do fundo do mar.

O elenco tem atores de primeira linha como Paulo Cesar Pereio, o Caleb, Matheus Nachtergale, o atirador de facas Guetan, Milhem Cortaz, o homem forte homossexual e Teorema, a sensual dançarina cubana (Laura Ramos).

Aos poucos, a presença dos personagens do circo atrai os ilhéus. O apelo sensorial e erótico fica mais forte.

Um triângulo amoroso se forma com Pedro/Zolah, Raquel e seu noivo Cangulo. As paixões explodem e o incesto tão temido pela mãe do “Homem Bala”, emerge do fundo do passado.

A ilha vulcânica parece estimular a libido e os corpos se aproximam e se enroscam, desafiando as leis dos homens e honrando a natureza exuberante e bravia do local. Mas a angústia também se faz presente e assusta com sua força.

No epílogo, Ruy Guerra, na pele de um velho pescador misterioso, conta às crianças o mito da “Lenda do Pecado”, fundadora da arquitetura dos rochedos da ilha: Dois Irmãos e Morro do Pico. Os gigantes que ali habitavam, tanto se amavam e transavam o tempo todo, com erotismo e força, que atraíram a inveja dos deuses e foram transformados em pedra.

“Sangue Azul”, com uma narrativa pouco estruturada, fascina pelos cenários naturais, pela magia do circo e das paixões.

Um cinema original.

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