Pássaros de Verão

“Pássaros de Verão”- “Pajaros de Verano”, Colômbia, 2018

Direção: Cristina Gallego e Ciro Guerra

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Quando a jovem e bela Zaida (Natalia Reyes) vai sair da choça onde ficou segregada por um ano para tornar-se mulher, escuta as palavras de sua mãe Ursula (Carmiña Martinez). E entendemos a filosofia de vida da tribo dos Wayuu, que vivem na região de Guajira, no norte da Colômbia. Para eles a família é o principal.

Pertencer a uma família significa proteger e pensar sempre no melhor para ela. “Quando há família, há respeito e honra”, diz a matriarca para a jovem Zaida.

Ela olha sua mão e vê nos cinco dedos a avó, a mãe, o tio, o sobrinho e o neto. A constelação familiar se apoia em seus membros.

Todos a esperam para a dança ritual com seu irmão menor. É uma beleza ver o seu vestido vermelho amplo, estufado pelo vento, servir como asas para ela correr atrás do homem e, por sua vez, ele correr atrás dela. O irmãozinho cai no chão e o másculo Rapeyet (José Acosta) toma o seu lugar. Nos olhares que trocam durante a dança, percebemos que há uma forte atração entre eles.

Mas o pretendente de Zaida ficara muito tempo longe, entre os “alijuna”, os não indígenas, afastado dos costumes dos wayuu, gente simples e correta. Ele quer fazer dinheiro.

E realmente começa a degradação dos costumes quando americanos jovens do “Peace Corps”, que estão no local catequisando o povo contra o comunismo, mostram que a maconha já plantada na região, poderia ser exportada e render muito dinheiro. Rapeyet vai liderar esse tráfico.

Aviões cheios de sacos de erva cruzam os céus, antes só dos pássaros, e vão trazer uma guerra entre as famílias. Muito sangue vai correr.

O filme é belíssimo. Imagens da natureza árida do deserto, vento sempre presente, a mata verdejante por onde andavam cabras e vacas, agora tomadas por carros com homens armados.

Vamos ver uma história épica e dramática, contada em cinco cantos, acontecida nos anos 60 a 80.

Ciro Guerra, que dirigiu “O Abraço da Serpente” de 2015, um filme raro e poético, sobre mitos da Amazonia colombiana, aqui conta, através de fortes imagens, o que foi o começo do narcotráfico no país.

É triste pensar que um povo que sempre soube defender seu território dos invasores europeus e piratas, ficou inerte frente às mãos cheias de dólares que geraram corrupção e discórdia, onde antes havia paz e um sentimento de fraternidade.

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Dor e Glória

“Dor e Glória”- “Dolor y Gloria”, Espanha, 2018

Direção: Pedro Almodóvar

O cineasta brilhante, inquieto e irreverente, que todos conhecemos, foi aplaudido longamente no Festival de Cannes desse ano, depois da exibição de “Dor e Glória”. Quem trabalha na indústria do cinema sabe o quanto ele é valioso. Criou um estilo próprio, muitas vezes imitado. Virou adjetivo e colocou o cinema da Espanha no mundo.

Ganhou vários prêmios e foi indicado a cinco Oscars, dos quais levou dois: Melhor Filme Estrangeiro – “Tudo sobre Minha Mãe” 2000 e Melhor Roteiro Original – “Fale com Ela” 2002.

Em “Dor e Glória”, que tem conteúdo autobiográfico, é vivido por Antonio Banderas, que ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes pelo papel.

Aos 70 anos, completados em 24 de setembro, ele oferece ao público um filme esteticamente belo, com aquelas cores vivas e brilhantes, pedra de toque do cinema de Almodóvar.

Mas aqui há depressão e amargura frente à decadência. Um cineasta maduro vê seu corpo recusar-se a ficar saudável, desde a morte da mãe, há quatro anos e uma operação de coluna que deixou dores terríveis como sequela. Além disso, sofre de engasgos que quase o sufocam, dores de cabeça fortíssimas e insônia.

“- Nos dias em que padeço de um só tipo de dor, sou ateu”, comenta ele com Zulema (Cecilia Roth), uma amiga que se preocupa com ele.

O corpo de Salvador fala de seus conflitos, da sua paralisia criativa, do luto pela mãe que adorava, do amor que não viveu plenamente, da idade que já pesava.

Perto dos 70 anos, o diretor não consegue mais trabalhar e culpa seu corpo. Apela para outra droga, e no lugar da cocaína, coloca a heroína, que o aprisiona ainda mais. Experimenta por curiosidade e cai no vício. E tudo fica ainda mais pesado.

Para se defender de seus temores, sua frustração e a vivência da solidão, Salvador volta ao passado. Há inúmeras cenas belas e tocantes, como a das lavadeiras, que abre o filme, ele com sua mãe Jacinta (Penélope Cruz, maravilhosa), outra quando antes de dormir, larga seu álbum de figurinhas com artistas de cinema, enquanto sua mãe cerzia sua meia furada com o ovo de madeira e a visão do pedreiro Eduardo que desperta nele o primeiro desejo.

Não há sexo mas sensualidade em “Dor e Glória”.

E há a belíssima cena final com a mãe jovem, Penélope Cruz e o menino, que dormem num quarto improvisado, todo vermelho, ele no sofá, ela no chão. O filme dentro do filme. Simplesmente genial.

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