Mercuriales

“Mercuriales”- Idem, França, 2014

Direção: Virgil Vernier

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Em um mundo inseguro, perigoso, quem cuida da segurança?

Nas Mercuriales, torres gêmeas de Bagnolet, no subúrbio de Paris, vemos um rapaz negro ser admitido como vigia, sem ter nenhuma noção do que poderá ter que enfrentar. Equipamentos há muitos. Câmaras, medidas automáticas contra fogo e mal funcionamentos.

Mas ele vai ter também que enfrentar pessoas. Aquelas que procuram o terraço para se jogar ou ainda outras que buscarão atacá-lo. Sem conhecer golpes de lutas marciais, parece que o único recurso seria enfiar os dedos nos olhos do agressor. Ele é magrinho e calado. Escuta essas instruções com olhos medrosos.

Reaparece, cenas depois, como vigia de roubos no supermercado das torres e, no fim do filme, participando de uma milícia armada, com roupas de camuflagem, que patrulha os arredores das Mercuriales.

Mas ele não é o protagonista.

As duas garotas do filme são Joane (Phillipine Stindel), a francesa e Lisa (Ana Neborai), a que veio da Moldávia.

Ambas são belas, cabelos claros, lisos e longos, corpos jovens e peles perfeitas.

São tão parecidas que poderiam ser irmãs mas acabaram de se conhecer, quando foram fumar num intervalo do trabalho, no alto da torre.

“- Faz tempo que você trabalha aqui?” pergunta a recém-chegada.

“- Parecem mil anos…” responde a francesa.

Elas convivem com as pessoas que habitam aquele subúrbio, em prédios mal tratados e data para ser derrubados.

Debaixo do viaduto próximo das torres rastejam ratos e pessoas.

Esse fluxo de gente desgarrada e sem rumo, aproxima as duas moças que conversam sobre banalidades e medos quotidianos, enquanto se fazem companhia, porque Joane é babá da filha de uma negra que trabalha na noite. A menina é como uma boneca para as duas mocinhas. Vestem as roupas da mãe nela, riem muito  e as três conversam sobre fé em Deus, fim do mundo, paraíso e inferno. Tudo muito infantil e amedrontador.

Lisa perdeu de vista uma prima que desapareceu na cidade e Joane tem lembranças de um hospital psiquiátrico e medo da loucura nela.

Mas nenhuma delas se aprofunda em nada e a vida parece um dia depois do outro, sem rumo nenhum.

Lisa tem um pequeno apartamento mas dorme com Joane num colchão, no chão do quarto dela. Temem a solidão. São meninas, não mulheres.

Precisam de algo que não existe ali. E sonham com outro lugar e outro tempo.

Lisa se lembra de festas pagãs na chegada da primavera na aldeia em que morava. São imagens sexualizadas e perversas.

A francesa leva a outra para a casa do avô que já morreu. E lá elas andam ao longo do rio, tomam sol e banho de banheira juntas. Um hiato de tranquilidade mas que não dura muito.

Um dia, Lisa quer voltar para a casa dela.

E Joane fica só.

O diretor Virgil Vernier, francês de 40 anos, nos leva a perguntar: o que sonha essa juventude sem objetivos na vida?

Parecem muito frágeis. Mas a segurança de que precisam, não é a dos vigias das torres, nem a falsa sensação de segurança que conseguem com bebida, drogas e sexo fortuito.

Não sabem o que procuram…Por isso não vão encontrar.

Um filme que surpreende pela narrativa incomum e que fica propondo perguntas que não sabemos como responder.

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Café Society

“Café Society”- Idem, Estados Unidos, 2016

Direção: Woody Allen

Todo fã de Woody Allen sabe o gosto que dá ouvir as músicas de jazz instrumentais, enquanto na tela negra aparecem os créditos em letras brancas. Um ritual que nos prepara para todo filme do genial cineasta.

As cidades podem ser Paris, Roma, Londres ou Nova York e a época varia mas a sensação de prazer é sempre a mesma. Em “Café Society” não é diferente.

Vamos transitar entre o apartamento do jovem judeu Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg, ótimo) e seus pais (Ken Stott e Jeanne Berlin, hilários), no Bronx, Nova York e a casa modernista do tio Phil (Steve Carell, cada vez melhor) em Los Angeles.

Instigado pela mãe, Bobby desiste de ser um ninguém em Nova York e parte para a costa leste, onde o tio Phil, agente de grandes nomes de Hollywood, vai acolher o sobrinho e arranjar algo para ele fazer. Ao redor da piscina azul do agente ilustre, rolam festas onde todos estão sob uma luz dourada de um eterno por do sol, desfilando roupas com toques dos anos 30, de Susy Benzinger, que poderiam ser usadas hoje.

E como o tio Phil é muito ocupado, com a agenda repleta de almoços, jantares e festas com gente importante, manda sua secretária Vonnie (Kristen Stewart, deliciosa) guiar o sobrinho pelos pontos turísticos da cidade. Ela é linda, jovem e usa com graça uma fita com lacinho no cabelo.

E, um clichê saboroso é encenado em torno a um triângulo inesperado.

Vonnie e Bobby, de tanto passear juntos, de amigos passam a namorados e ele planeja voltar para Nova York, casar com ela e ser feliz num apartamento em Greenwich Village:

“- Não vamos ser ricos mas felizes. Eu vou mimar você.”

Vonnie parece encantada mas há algo que a prende a um outro misterioso namorado. Ela não escondeu dele esse caso que já dura um ano.

“I Only Have Eyes for You” toca enquanto eles vão ao cinema, a um restaurantezinho mexicano e à praia, onde se amam numa cena perfeita em que uma caverna enquadra o mar e emoldura o par enamorado.

Mas, como sabemos, nada disso vai durar e só resta a Bobby lamentar que a vida é uma comédia, escrita por um comediante sádico.

O clichê vai até as últimas consequências e um desolado Bobby volta para Nova York para trabalhar com o irmão Ben (Corey Stol), um gangster sem escrúpulos, que vai ter um fim previsível, com um toque de humor negro preciso.

O “nightclub” do irmão é o lugar onde todos que contam estão se divertindo e daí o título do filme.

“I’ll take Manhattan” será a trilha musical para um reencontro de Bobby, já casado com outra Veronica (Blake Lively, bela), também apelidada Vonnie, com a primeira Vonnie. Linda a cena no Central Park onde a luz é branca e brilhante no mármore da ponte e no vestido dela (Vittorio Storaro é o fotógrafo, ganhador de três Oscars, impecável e inspirado).

Mas como diz a música “Anos Dourados” do Chico, “é desconcertante rever o grande amor”.

Woody Allen, 80 anos, está mais em forma do que nunca. Fazendo o narrador do filme, ele acrescenta inflexões próprias à história que está sendo contada. E é muito simpático ouvi-lo, como se fosse nosso amigo de longa data. Cria-se uma intimidade entre ele e a plateia.

Já sabíamos que Woody Allen é um romântico que não crê na vida eterna mas no grande amor que marca as pessoas justamente por não ter sido vivido.

Há beleza e saudades em “Café Society”, que abriu o Festival de Cannes desse ano e principalmente uma nostalgia dos nossos anos dourados.

“Café Society” é cheio de charme e imperdível.

 

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