O Gambito da Rainha

“O Gambito da Rainha”- “The Queen’s Gambit”, Netflix, 2020

Direção: Scott Frank

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Os grandes olhos da mocinha ruiva surgem assustados, de dentro da banheira, ao ouvir as batidas na porta. Elizabeth Harmon (Isla Johnston, quando menina e Anya Taylor-Joy, adulta) está em um hotel em Paris para participar de um torneio de xadrez. Perdeu a hora porque bebera muito na véspera. Corre para se arrumar. O outro jogador, que ela temia, era o russo Borgov, nada menos que o campeão mundial.

Aliás a maioria das pessoas se intriga com o título do filme. É o nome de uma estratégia do jogo de xadrez. Mas você não precisa entender sobre o jogo para gostar do que vai ver.

Nesse primeiro momento, a história que não conhecemos ainda, já nos prende na tela. Voltamos 10 anos atrás e Beth está com a mãe Alice dirigindo seu carro. Ela parece deprimida e a menina no banco de trás vê seus olhos no espelho retrovisor quando ela diz:

“- Feche os olhos. ”

Na verdade, a batida de frente com o caminhão fora um suicídio. A mãe de Elizabeth era solteira e o pai da menina um homem casado. Apesar de muito inteligente, com doutorado em matemática, Alice parecia bem triste e desequilibrada.

Na ponte, a mãe morta coberta no chão e Elizabeth rígida, em estado de choque. Nenhuma lágrima. A menina é levada pela polícia para um orfanato onde meninas são acolhidas. Nenhuma palavra.

E é lá que Elizabeth, inteligente, termina antes que as outras as tarefas em classe e é mandada com os apagadores da lousa para o porão, onde devia limpá-los. Ali ela vai conhecer o zelador, senhor Shaibel (Moses Ingram) sempre entretido no seu tabuleiro de xadrez. Depois de alguma insistência e ao ver que a menina compreendera como se movimentavam as peças no tabuleiro, só de olhar ele jogando, ensina a ela tudo que sabe. É ele o primeiro que percebe o dom de Elizabeth para o jogo, que exige uma capacidade de ver mentalmente as jogadas futuras do adversário para preparar a estratégia de ataque ou defesa.

Os comprimidos calmantes que todas as órfãs tinham que tomar, ajudaram Beth a projetar à noite, no teto do dormitório, o tabuleiro com as jogadas que ela imaginava. E assim passaram os anos. Jolene, a garota negra e Beth, as mais velhas do orfanato, nem sonhavam com uma adoção.

Mas apesar dos 13 anos de Beth, um casal se interessou por ela, os Wheatley. Na verdade, Alma (Marielle Heller) é quem tivera a ideia. O casamento ia mal e Beth era uma companhia, já que o marido pouco aparecia em casa. Por sorte, ela tomava os mesmos comprimidos que Beth tomava no orfanato, necessários para ver o tabuleiro de noite no teto e evitar os fantasmas internos que a assustavam no escuro da noite.

Quando a menina descobre que existem torneios de xadrez com prêmio em dinheiro, sua relação com a mãe adotiva se transforma em parceria. E logo o álcool também entra nessa história das duas.

Os amigos do xadrez chamam a atenção dela para seus comportamentos autodestrutivos, tentam ajudá-la mas vai ser preciso passar muito perto do precipício para Beth aprender e evitar se atirar em todos os outros.

Temendo a loucura da mãe, lidava errado com esses fantasmas que a perseguiam.

“O Gambito da Rainha”, baseado no livro de 1983 de Walter Tevis e adaptado e escrito para o cinema pelo diretor Scott Frank, conta uma história fascinante sobre uma mulher com um dom extraordinário, que teve que vencer a si mesma para se tornar quem ela era na verdade.

Série emocionante, com atuações brilhantes e produção de arte caprichada. Imperdível.

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Rebecca – A Mulher Inesquecível

“Rebecca – A Mulher Inesquecível”- “Rebecca”, Estados Unidos, 2020

Direção: Ben Wheatley

Ela é uma Cinderela às avessas. Jovem e bela, encontra seu príncipe num paraíso, casa-se com ele e, depois de uma lua de mel de sonho, vai conhecer a bruxa que habita o castelo que foi de Rebecca, a inesquecível primeira mulher do príncipe que, de tão bela, era uma lenda.

No filme da NETFLIX, Lily James, que já foi a Cinderela no cinema, é a moça órfã e pobre, dama de companhia de uma rica americana. Estão hospedadas em um hotel de luxo em Monte Carlo, o lugar mais glamoroso da Côte D’Azur, a Riviera francesa, antes da Segunda Guerra.

Lá ela se encontra por acaso com Maxim de Winter (Armie Hammer), um dos homens mais ricos da Europa e viúvo inconsolável.

Lily James está encantadora como a mocinha tímida mas que se transforma quando o bonitão a convida para fazer companhia a ele. Vem a calhar um mal súbito que prende a velha senhora ao leito, liberando a Cinderela para os braços de seu príncipe.

E são ostras no café da manhã, almoços intermináveis, passeios no conversível dourado, mergulhos no mar azul e beijos na praia. Ela só sabe dizer sim quando ele a pede em casamento.

Depois de uma lua de mel na Europa, seguem para Manderley, o novo endereço de Madame de Winter, uma das casas mais bonitas da Inglaterra.

Para mim esse começo foi a parte mais atraente do filme. Os dois fazem um casal com uma boa química e ela brilha, transbordando de felicidade.

Mas quando vão chegando a Manderley, a cena muda. Deveria ser o novo ninho de amor para os recém casados mas não é bem isso que acontece. A aparição da governanta da casa (Kristin Scott Thomas, sempre maravilhosa) é o primeiro sinal que nada ali tem a ver com a nova Madame de Winter. A elegância em pessoa faz realçar o aspecto comum da Cinderela.

E tudo faz lembrar que existiu uma primeira Madame de Winter, que mesmo morta habita cada canto do castelo.

Parece que a lua de mel acabou e a Cinderela, se transforma em alguém que quer competir com o fantasma que está em seu caminho. Mas o príncipe está calado, sonâmbulo e desinteressado.

Do sol da Riviera para as sombras de Manderley dissipa-se o encantamento. Tudo ali lembra o passado sofisticado da assinatura de Rebecca.

Quem nunca tinha ouvido falar dessa história, pode ser que se envolva com essa versão de “Rebecca”, um remake do filme de 1940, de Alfred Hitchcock, baseado no romance gótico de 1938 de Daphne du Maurier.

Vi o Hitchcock antigo na TV e li o livro herdado de minha mãe quando era adolescente. Vendo o filme atual minha memória pedia mais tempo para o lado gótico e “dark” da história, a sombra de Rebecca.

Faltaram os arrepios.

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