Homem Irracional

“Homem Irracional”- “Irrational Man”, Estados Unidos, 2015

Direção: Woody Allen

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A fama precedeu a chegada de Abe Lucas (Joaquin Phoenix) na universidade onde vai lecionar. Fofocas sobre ele ser mulherengo, manter casos com as alunas, ter um problema com a bebida e não ser uma pessoa de temperamento fácil, já rolavam nos corredores do “campus” antes da presença dele por lá.

Mas ele parece deprimido nas aulas, semblante desanimado e distante. Com um “quê” de arrogância, fala dos filósofos com um desprezo sem disfarce:

“- Para os existencialistas, nada acontece até você chegar no fundo do poço.”

Em “off”, ouvimos o comentário da aluna dele, Jill (Emma Stone):

“- Acho que Abe estava louco desde o começo.”

Mas não prestamos muita atenção nisso que ela diz porque as cenas se desenrolam na tela, mostrando o professor bonitão, alvo de comentários também de Rita, a professora morena atraente (Parker Pousey) que dá em cima dele, abertamente:

“- Desde que eu soube que você vinha, fantasiei que nos encontraríamos e algo especial aconteceria…”

Mas quando ele a levou para a cama foi uma decepção.

E o desequilíbrio de Abe aparece com clareza quando faz “roleta russa”, diante de estudantes assustados, numa festinha.

“- Havia algo errado com Abe mas eu estava fascinada por ele” diz Jill, romântica.

Ela era a melhor aluna do professor de filosofia e falava muito dele, a ponto de provocar ciúmes no namorado e preocupação na mãe dela:

“- Espero que você não esteja se interessando demais por ele…”

Todos os indícios estavam presentes mas a negação de Jill, empenhada em ser a salvadora da vida de Abe e renovar seu prazer de viver, era alimentada pelo professor que começou a seduzi-la, ao mesmo tempo negando-se a ela:

“- Você merece alguém melhor do que eu.”

Nas aulas, ele continuava irreverente:

“- Se vocês não aprenderem nada comigo, pelo menos aprendam que filosofia é masturbação mental.”

E o esperado momento em que Abe Lucas encontra um sentido para sua vida e um novo prazer em viver, tem as características do acaso e a justificativa irracional de que um crime perfeito não tem nada de imoral, já que está sendo praticado para ajudar alguém e a livrar o mundo de um ser desprezível.

Mas sua auto-destruição continua trabalhando nas sombras e ele deixa rastros evidentes de suas ações.

Semelhanças com “Crime e Castigo” de Dostoievski não são mera coincidência. O livro está na mesa de trabalho de Abe e ele anotou, nas margens, ideias de Hannah Arendt sobre a “banalidade do mal”.

Woody Allen, 79 anos e com um filme por ano, desde que começou a fazer cinema em meados dos anos 60, não está interessado em agradar multidões. Seu filme “Homem Irracional” é sofisticado, tem um humor negro sedutor e é recomendado para quem tem interesse em psicologia. O diretor e roteirista está interessado em pensar sobre a irracionalidade do ser humano, que vemos por aí, ora vestida com trajes religiosos, ora aparente nos discursos moralistas e até mesmo muito provável entre os narcisistas.

Quem puder apreciar, vai se deleitar com “Homem Irracional”.   

 

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O Julgamento de Viviane Amsalem

“O Julgamento de Viviane Amsalem”- “Gett”, Israel, França, Alemanha, 2014

Direção: Ronit Elkabetz e Shlomiu Elkabetz

Aos olhos de uma pessoa que viva num estado laico, pode parecer impensável o que acontece no filme dos irmãos Elkabetz. Ou seja, para conseguir um divórcio, Viviane Amsalem (Ronit Elkabetz, magnífica atriz e co-diretora) pena por cinco anos em um tribunal de rabinos, porque seu marido Elisha (Simon Abkarian) não quer conceder-lhe o divórcio (“gett”), de jeito nenhum.

Seu estratagema é faltar seguidamente nas audiências marcadas pelos rabinos e, quando presente, anunciar que é bom marido, pai e provedor, um homem perfeito, pela boca de testemunhas que comparecem a esse tribunal. Pergunta então, por que Viviane quer se separar de um homem assim?

Acontece que a religião judaica é antiga e sábia. Mas sabemos que as leis dependem dos homens que as aplicam. O casamento e o divórcio são presididos por rabinos, já que não há casamento, nem divórcio civil entre os judeus.

Tendo a anuência do casal, o divórcio, concedido pelo marido, que deve dizer claramente que a mulher está disponível para outros homens, não dura mais que uma hora.

Mas , se o marido se recusa e nega o divórcio à esposa, o tribunal de rabinos tentará convencê-lo e mesmo, coagí-lo, com penas que vão desde a retirada da carteira de motorista, até a prisão. Isso porque uma mulher separada e, não divorciada, tem sérios problemas para sobreviver. Até os filhos que ela possa ter com outro homem são punidos, já que são considerados bastardos e só poderão casar-se com outros da mesma condição. Ela será para sempre uma pária humilhada, uma “agunah” (acorrentada) .

Esse é o caso de Viviane Amsalem que, com a ajuda de seu advogado Carmel (o ótimo Menashe Noy), tenta, de todas as maneiras a seu alcance, fazer valer o seu direito, já que ninguém pode obrigar alguém a ficar casado contra sua vontade, segundo a lei judaica.

Mas, sabemos como são os homens e as mulheres. Haverá sempre pessoas sensatas e as insensatas.

No caso do casamento de Viviane, vai ficando claro, conforme se desenrola o julgamento, que ela aguentou por 30 anos uma situação infeliz. Casou-se aos 15 anos, teve quatro filhos mas , agora, diz em alto e bom som:

“- Eu não quero viver com ele. Não quero!”

E, por mais que o irmão de Elisha, Shimon (Sasson Gabai), tente fazê-la ser vista como uma mulher louca e ingrata, perante os olhos e os ouvidos do tribunal presidido pelo rabino Solomon (Eli Gornstein), e mais outros dois, Viviane vai lutar.

O filme tem um clima claustrofóbico, apertando os personagens no tribunal, numa sala pequena e simples. E noutra, de espera, menor ainda.

E, aos poucos, vamos nos identificando com o sofrimento de Viviane, mostrado nos longos closes em seu rosto expressivo e passamos a entender os olhares que Elisha dirige a ela. Há arrogância e vontade de ganhar, custe o que custar. Ele irá até o fim, fazendo valer sua doentia ilusão de posse sobre Viviane.

Os diretores e roteiristas, os irmãos Elkabetz, dizem que se inspiraram na própria mãe para compor Viviane, personagem forte e altiva.

Esse filme é o último de uma trilogia sobre a família deles, judeus sefaradis que vieram do Marrocos para Israel. Mas não é necessário ter visto os outros dois (“Prendre Femme”2005 e “Les Sept Jours”2008) para compreender que “Gett” é mais do que um filme sobre um divórcio judaico.

O que se discute aqui é a própria condição humana. E o fato de, por vezes, reinar entre nós, onde quer que se viva, a insanidade, que provoca sofrimentos inúteis em pessoas inocentes.

 

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