O Enigma Chinês

“O Enigma Chinês”- “Casse-tête Chinois”, França/Bélgica/ Estados Unidos, 2013

Direção: Cédric Klapish

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Cada etapa da vida tem complicações diferentes. Pelo menos é o que chegamos à conclusão, depois que superamos as quatro primeiras décadas de existência. Já sabemos, a essas alturas, que tudo depende de como fazemos nossas escolhas, e da sorte e talento com que lidamos com o acaso e os imprevistos provocados pelos outros. E já não cobramos uma existência linear. Aprendemos a lidar com os altos e baixos e com as curvas do caminho. Bem, quase todos nós.

O escritor francês de 40 anos, Xavier (Romain Duris), por exemplo, acha que sua vida fica cada vez mais complicada e sonha com a linearidade de uma reta que conduza de A para B. Para ele, linearidade rima com felicidade. Ele quer casamento, amor, filhos, livros, amigos e basta.

Seu editor, que aparece pelo Skype para saber a quantas anda o livro que ele escreve no momento, pontifica:

“- A felicidade não interessa para a literatura.”

“ – Mas eu estou falando da vida”, geme Xavier.

“ – E eu, da narrativa literária.”

O caso é que Xavier está separado de Wendy (a bela Kelly Reilly) com quem tem dois filhos e foi casado por 10 anos. E isso aconteceu porque ele resolveu ajudar a amiga Isabelle (Cécile de France), lésbica que queria um bebê, a engravidar, com seu esperma doado.

O casamento que já não ia bem, acabou e Wendy levou os dois filhos do casal para Nova York, onde ela foi morar com John (Peter Hermann), alto, rico e bonitão.

Xavier ouve de sua mãe:

“- Mas você vai repetir o erro que eu e seu pai fizemos? E as crianças? Não vá fazer o que seu pai fez com você!”

E lá vai ele para Nova York, para ficar perto dos filhos. E implicar com Wendy desde o momento em que conheceu John.

E com quem ele mora? Foi se abrigar com a dupla Isabelle e Ju, mães do outro filho dele.

Audrey Tautou também aparece, adorável, falando chinês correntemente.

Cédric Kaplich encerra com “Enigma Chinês” ( não é enigma mas sim quebra-cabeças ou “puzzle”, na tradução correta do título), a trilogia que ele começou com os mesmos atores e personagens em “Albergue Espanhol” 2002 e “Bonecas Russas”2005. Mas não é necessário ter visto os dois primeiros para entender o último.

“Enigma Chinês” é leve e divertido e sua narrativa não é linear. As peças vão se encaixando aos poucos, no decorrer da história.

O filme fala de uma geração que está com 40 anos e valoriza os filhos, frutos principalmente de casamentos já desfeitos. Há um sub-texto que trata da nostalgia da durabilidade dos laços afetivos e da força do amor na vida das pessoas.

Mas “Enigma Chinês” ri até quando filosofa. Hegel e Schopenhauer, personagens do filme, que o digam.

 

 

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O Médico Alemão

“O Médico Alemão”- “Wakolda” França/Argentina/Espanha/Noruega,2013

Direção: Lucía Puenzo

Nos anos 60, ficou célebre a caçada que agentes israelenses fizeram a Adolf Eichmann, um dos maiores criminosos nazistas da Segunda Guerra, o responsável pela chamada “solução final”, ou seja, a organização estratégica do transporte de judeus para os campos de extermínio. Ele conseguiu fugir da Alemanha e vivia na Argentina com a família. Foi levado para Israel, onde foi julgado e condenado à morte.

Outro criminoso nazista, Josef Mengele, também procurado pelo serviço secreto de Israel, soube da prisão de Eichmann em Buenos Aires e fugiu para o Paraguai. Nunca foi encontrado e na versão oficial ele morreu afogado em 1979, em Bertioga, Brasil.

Mas onde estava Mengele antes de fugir para o Paraguai?

Lucía Puenzo, 37 anos, interessou-se pelo asssunto e escreveu um livro de ficção. Da adaptação desse livro surgiu seu terceiro longa, “O Médico Alemão”, produzido por seu pai, Luiz Puenzo, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1984 com  “A História Oficial”. Essa família talentosa tem também um excelente diretor de fotografia, Nicolás Puenzo, responsável pelas belas cenas do filme da irmã.

Tudo começa quando uma família argentina, a caminho de Bariloche, vai atravessar a Rota do Deserto, na Patagonia. Um médico alemão, que se apresenta como Helmut Gregor, pede para segui-los em comboio, com medo de ir sózinho.

Quem chamara a atenção desse médico (Alex Brendemuhl) fora a menina da família (Florencia Bado). Ele se aproxima dela e conversam sobre sua boneca:

“- Chama-se Walkoda e foi meu pai quem a fez. Ela é especial porque nesse buraco no peito vai ter um coração. Não brinco com bonecas. Estou acostumada que pensem que tenho nove anos. Mas tenho doze”, diz Lilith, uma garota bonita, loura, de olhos azuis.

Através da menina, que é a narradora da história, ficamos sabendo e, vemos na tela, as páginas desenhadas de um diário, com muitas anotações:

“- Nesse dia, ele escreveu que eu era um “especimen” perfeito, a não ser por minha altura.”

Para quem sabe um pouco de história, surge a primeira suspeita sobre quem é aquele alemão.

Eva (Natalia Oreiro), mãe de Lilith, fala alemão e conta para o médico que estão voltando para a hospedaria dos pais dela, com a intenção de reabri-la.

“- As crianças também falam alemão?”

“- Não. Mas entendem” responde Eva.

“- E eu não falo nem entendo,” interrompe o pai (Diego Peretti) que olhava com desconfiança para o estrangeiro.

O fato é que chegando ao destino, o alemão arranja um jeito de aproximar-se mais dessa família, sendo o primeiro hóspede do belo chalé frente ao lago.

A casa vizinha tem um entra e sai de hóspedes num hidroavião. E no jardim, pessoas com cabeças enfaixadas são acompanhadas por enfermeiras uniformizadas.

“- Sinto-me como se voltasse para casa”, comenta o médico com Eva, que está grávida de gêmeos.

Com que intenção esse homem se aproxima da menina e da mãe dela? Tememos por elas.

A tensão dramática que Lucía Puenzo cria é eficiente, apesar de não ser difícil identificar o médico como Josef Mengele, conhecido como “Anjo da Morte”, por suas experiências cruéis com judeus presos em Auschwitz, especialmente com gêmeos.

“O Médico Alemão” foi indicado como o concorrente da Argentina ao Oscar 2014. Não foi selecionado.

Mas é um ótimo filme na recriação de época, belas paisagens, atores excelentes e, principalmente, pela narrativa através dos olhos de uma criança crédula, que se decepciona intensamente e que adivinha crueldade onde vira apenas carinho e proteção.

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