Feliz que Minha Mãe Esteja Viva

“Feliz que Minha Mãe Esteja Viva”- “Je Suis Heureux que Ma Mère Soit Vivante”, França, 2009

Direção: Claude e Nathan Miller

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Olhos azuis muito claros buscam algo que não sabemos…É um garoto com rosto belo e grave (Vincent Rottiers).

No carro, a família de férias vai ao mar. Mãe e pai, dois filhos. Linda vista se descortina à frente deles.

Na praia, a mãe passa protetor solar no menino menor. O maior, de olhos azuis, chama o pai para nadar.

Com uma prancha, ele vai cortando as ondas muito rápido. Chega às pedras e bóia de olhos fechados, segurando a prancha, como se sonhasse com o algo muito buscado e agora encontrado.

O pai alarmado grita:

“- Thomas! Thomas!”

As águas do mar se agitam e as ondas assustam. A câmara sobe e mostra o pai sozinho na imensidão azul.

Finalmente encontra o filho sentado em uma bóia:

“- Que estupidez a sua nadar até aqui!”, exclama o pai com raiva.

“- Ficou com medo?“, pergunta o menino.

“- Lógico!”

“- Desculpe.”

E, de chofre, emenda:

“- Como era a minha mãe? Bonita?“

“- Não sei”, responde o pai visivelmente contrariado. “Eu nunca vi sua mãe. Ela não queria nos ver.“

“- Eu me lembro. Ela era linda!”, diz o menino com um ar ao mesmo tempo sonhador e atrevido.

“- Você só tinha 5 anos… Como pode se lembrar?“

“- Mas eu me lembro“, diz desafiador.

“- Bom… Tudo bem…”, responde o pai com ar incrédulo e chocado.

Tudo está bem claro agora. O menino de olhos azuis é adotado. Bem como o irmão menor.

Cenas em “flashback”, misto de fantasia e lembranças, mostram os dois com a mãe biológica ( Sophie Cattani) em momentos de ternura, tomando banho, ela dando de mamar ao bebê sob o olhar do maiorzinho, colocando-o na cama junto a ela, carinhosa e muito jovem.

Vemos também porque dá os filhos para adoção: imatura, irresponsável e sem dinheiro mas com uma grande sede de viver. Os filhos atrapalhavam.

Os pais adotivos tudo fazem mas Thomas, o menino de olhos azuis, conforme o tempo passa, fica ainda mais rebelde. Briga seguidamente na escola porque os outros meninos descobriram que é adotado e perguntam o nome de sua mãe verdadeira. Um colégio interno parece ser a única solução para contê-lo.

“- Eu descobri muita coisa. Mas vou descobrir mais ainda. Eu me lembro dela. Vocês não são meus pais! Meu irmão não é irmão de pai. Se eu quiser, vou embora! Odeio vocês!”

E, aos 20 anos, vai atrás de um sonho amoroso que vira pesadelo.

Tornou-se um clichê em nossa cultura falar sobre o complexo de Édipo. Sabem, quase todos, que foi Freud que assim nomeou o misto de sentimentos amorosos e hostis que uma criança sente pela mãe e pelo pai. Ele já vinha escrevendo sobre isso desde antes do livro de 1900, “A Interpretação dos Sonhos”, que marca a fundação da psicanálise. Valeu-se da tragédia grega “Édipo Rei” de Sófocles, para ilustrar o que observava em si mesmo e nas crianças ao seu redor:

“…é possível que todos tenhamos sentido, a respeito de nossa mãe, o nosso primeiro impulso sexual, a respeito de nosso pai, o primeiro impulso de ódio; são testemunhas disso nossos sonhos. Édipo, que mata seu pai e casa com sua mãe, não faz mais do que realizar um desejo de nossa infância.“

Freud também explica um sentimento obscuro de culpa que pode fazer com que uma pessoa cometa um ato criminoso para ter, finalmente, ao quê atrelar essa culpa, proveniente do Édipo infantil, que quer matar o pai e ter relações sexuais com a mãe.

No filme, Thomas, que embarca num jogo de sedução com a mãe biológica, dá livre passagem a amores e ódios transbordantes que são a marca registrada do Édipo infantil.

Frustrado e rejeitado na infância, ele nunca se curou de uma ferida antiga, que reabre perigosamente no convívio com a mãe, ao mesmo tempo amada e odiada.

Aqui, seria bom que pensássemos nos traumas perigosos ligados ao narcisismo que entraram em cena. Thomas se olha muitas vezes em espelhos, vitrines e janelas, numa alusão a uma identidade buscada em seu passado.

“Feliz que Minha Mãe Esteja Viva” é um filme baseado em fatos reais descritos em um artigo de Emmanuel Carrère, que serviu de inspiração para o roteiro dos diretores Claude e Nathan Miller, pai e filho. Aponta para os perigos que estão adormecidos dentro de nós e que precisam ser elaborados. Se não, quando se apresenta a chance, a tragédia surge.

O menino de olhos azuis, no fim do filme os tem vazados, como os do Édipo grego que se cegou porque não agüentou olhar a realidade cruel.

Um filme inquietante.

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O Retrato de Dorian Gray

“O Retrato de Dorian Gray”- “Dorian Gray”, Inglaterra, 2009

Direção: Oliver Parker

Oscar Wilde (1854-1900) morreu na prisão, vítima da crueldade do falso moralismo da era vitoriana na Inglaterra.

Homossexual, não podia viver livremente suas escolhas. Atormentado, criou um personagem que era sua patética confissão de que o mal o habitava.

“O Retrato de Dorian Gray”, publicado em 1890, é um livro cujas raízes estão no conflito do autor em tentar reprimir nele mesmo o que era proibido pelos costumes preconceituosos da época e que, ao mesmo tempo, faz uma declaração pública, a favor da punição aos que ousassem desafiar as regras, ou seja, condenando o próprio autor.

Oscar Wilde tentou de tudo para se ajustar ao modelo da época em que vivia mas falhou.

“O Retrato de Dorian Gray”, o filme, dirigido por Oliver Parker, é a história do anti-heroi Dorian Gray (Ben Barnes), que chega ingênuo e sem vícios a Londres, recriada com lirismo e fotografada em tons frios por Roger Pratt.

Logo no início do filme, vemos o jovem chegando à estação de trem onde é abordado por mendigos, prostitutas e rapazes “gay”. Dorian, que recebera uma herança do avô, passa cego por esses presságios e vai ao encontro de seu destino entre os membros fúteis da alta sociedade londrina.

Em um concerto beneficiente conhece o pintor Basil Hallward (Ben Chaplin) que, seduzido pela beleza de Dorian, pinta o seu retrato. E o faz de forma tão soberba, que vai desencadear o drama.

Lord Henry Wotton (Collin Firth, antes do Oscar), personifica aquele que vai arrastar Dorian a viver a filosofia de vida amoral e perversa que prega mas não pratica inteiramente. São discursos eloqüentes e cínicos que o frágil jovem Dorian incorpora e repete, tanto em palavras como nas escolhas que faz para a sua própria vida.

O sotão da mansão familiar herdada por Dorian Gray esconde segredos. Com suas paredes descascadas e janelas vedadas, dá o tom sombrio às memórias infantis, envolvendo Dorian e seu avô.

Cacos de espelho pelo chão, anunciam o fracasso da visão clara…O narcisismo maligno de Dorian vai ser o terreno fértil para pactos demoníacos.

Frente ao seu retrato, enamorado por sua própria figura, diz que faz qualquer negócio para manter a juventude e a beleza eterna.

Metáfora de um canto da mente de Dorian Gray aberto à perversão, o sótão será o lugar do retrato, escondido aos olhos do mundo, corrompendo-se à medida que o jovem vai se entregando à degradação e à luxúria.

O retrato espelha a alma de Dorian Gray e condena suas ações, que vão se tornando mais e mais repugnantes.

Sem amor e com uma curiosidade insaciável pelos prazeres mundanos, Dorian é um excluído.

Parece que Oscar Wilde previa o seu próprio futuro que não tardaria a chegar…

O filme é bem cuidado tanto na direção de arte quanto nos figurinos criados com riqueza de detalhes requintados por Ruth Myers.

E o seu grande mérito é reviver um clássico. Se bem que, adaptado pelo roteirista estreante Toby Finley, dobra-se ao gosto da juventude de hoje por filmes de horror com muito sangue, música tonitruante e até um beijo “gay”.

Espero que leve gente jovem ao cinema e que, seduzidos pelas imagens, redescubram o livro e fiquem sensibilizados por toda a sutileza, ironia e inteligência de Oscar Wilde.

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