Irmãs Jamais

“Irmãs Jamais”- “Sorelle Mai”, Itália 2010

Direção: Marco Bellocchio

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Quem vai ver “Irmãs Jamais” sem saber nada sobre o filme, se for uma pessoa que gosta de cinema e tem curiosidade sobre o processo criativo e o olhar de um grande diretor de cinema como Marco Bellocchio sobre a família, vai gostar de descobrir “Sorelle Mai”. Essa pessoa, certamente já viu “Bom dia, noite” (2003) sobre o caso Aldo Moro e as Brigadas Vermelhas e “Vincere” (2008) sobre a Itália no período Mussolini, grandes sucessos de Marco Bellocchio no Brasil e no mundo.

Agora, quem entra no cinema achando que vai ver uma comédia italiana e dar grandes gargalhadas, provavelmente vai sair no meio do filme.

Porque “Sorelle Mai” é um produto do acaso. E, ao mesmo tempo, é um retrato construído ao longo de uma década, da família e da sociedade italiana.

Explico melhor. Marco Bellocchio, 73 anos, em todos os verões, vai para sua cidade natal, Bobbio, fazer um “workshop” de cinema, “Fare Cinema”. Filmava um pouco a esmo, sem um projeto de fazer um filme. Foi só depois, que ele percebeu que os episódios que começam a ser filmados em 1999 e vão até 2008, podiam ser vistos como um filme único.

O local é sempre a casa da família, a praça de Bobbio, o rio, o cemitério. Os atores, e isso é uma coisa bela e rara, são quase todos parentes de Bellocchio.

As irmãs dele são as tias que permanecem sempre na casa, protegendo a família, um porto seguro para os sobrinhos, Giorgio (o protagonista, que é filho de Bellocchio) e a sobrinha-neta Elena (que é a filha caçula do diretor) que cresce com as tias, longe da mãe Sara, interpretada por Donatella Finochiaro, amiga do diretor.

O próprio Bellocchio faz uma ponta na cena da reunião de professores, como diretor da escola, na qual uma professora, locatária das tias, tem uma revelação brilhante sobre o papel do educador.

O titulo, traduzido ao pé da letra no Brasil, perde a ironia do duplo sentido que Bellocchio quis dar ao sobrenome dado às irmãs dele. Porque Mai, em italiano, significa “jamais” mas também pode ser um sobrenome. E as tias solteironas são o “jamais”, que nunca deixaram a casa, não tiveram filhos, um pouco por vontade própria mas muito por causa do jeito com que essa família tinha de mantê-las com guardiãs da casa, defendendo o território que será herdado pelos sobrinhos que iam e vinham. Giorgio, sempre com projetos que não davam certo, mora em Roma e Sara, que quer ser uma atriz, em Milão, longe da filha Elena.

Giorgio, apesar de suas trapalhadas, é afetivo com Elena quando está em Bobbio e briga com a irmã Sara que está ausente da vida da filha. Ele até tenta ser uma espécie de pai para a garota, que vemos crescer dos quatro aos quatorze anos, aparentemente feliz com o rumo que sua vida tomou, apegada à cidadezinha, aos amigos, às tias e ao modo de vida do interior.

É pelas perguntas que Elena faz às tias que ficamos sabendo um pouco sobre a bisavó dela , mãe de Bellocchio e de suas irmãs. O passado não morre. Linda a cena da brincadeira com o véu de noiva da bisavó.

E o personagem do contador Gianni Schichi, administrador das propriedades da família é um senhor de cabelos brancos que goza da intimidade de todos.

É através dele que a morte irá se introduzir de maneira inesperada, durante uma filmagem.

Ele desaparece como se os novos tempos não o encantassem. Uma despedida teatral.

“Sorelle Mai” junta realidade e ficção de uma maneira única e fala sobre a decadência de uma família e também de um país, com lirismo e graça.

A nota de esperança é Elena. Ela ainda tem a vida toda pela frente. Será a nova Itália?

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Hoje

“Hoje”- Brasil, 2011

Direção: Tata Amaral

Sabemos que a cidade é São Paulo e o ano 1998. Mas não temos a mínima ideia de quem é aquela moça (Denise Fraga) que parece feliz, abrindo a porta daquele apartamento e que, descobrindo persianas fechadas, abre todas elas, enchendo o espaço de luz.

Ela até procura a champanhe que trouxe na bolsa e faz um brinde, bebendo na garrafa:

“- Viva!”

Sobem os homens que trouxeram a mudança e lá vai ela distribuindo móveis, abrindo caixas, até flertando um pouco com um dos homens da mudança. Ela está feliz.

Toca o telefone celular e é a irmã dela:

“- Não, por enquanto não preciso de nada, Antonia. Sim! É um velho apartamento novo. Qualquer coisa te ligo. Beijos.”

Algumas notas dissonantes indicam que ela vai ter que arrumar umas coisinhas: a torneira da cozinha, uma janela que não abre direito, o fogão não passa pela porta do apartamento…

E a síndica, vizinha de baixo, quer conversar e alertar sobre medidas de segurança que não interessam. Ela se livra dela pedindo desculpas e fechando a porta. Vira-se e se assusta:

“- O que você está fazendo aqui?”

Olham-se intensamente, o homem e ela.

“- Estás muy linda, Ana Maria”, diz ele (Cesar Troncoso) com um sotaque em portunhol.

“- Vera”, corrige ela.

Silêncio entre os dois.

“Você não vai falar nada?” pergunta ele.

“- Você também não fala nada…” responde ela.

“- Alguém tem que falar”, diz o homem.

E recomeça aquilo que não tinha acabado. No dia da mudança, Vera percebe que está muito mais mexida do que pensara e que vai ter que enfrentar aquele homem e as lembranças difíceis que ele traz para ela.

Agora se esquivando dos homens da mudança que perguntam coisas, Vera e Luis vão ter que colocar sentimentos pesados no lugar certo.

Mexendo nas memórias reprimidas, Vera dá-se conta de que precisa lembrar-se do que aconteceu para que a vida possa seguir em frente.

Tata Amaral dirige com o coração esse roteiro de Jean-Claude Bernardet, baseado no livro de Fernando Bonassi, “Prova Contrária”.

“- Rasgo o meu coração em todos os filmes, mas este é o mais íntimo”, confessa ela, que passou por coisas que a personagem de Denise Fraga também conheceu. A diretora concebeu seu filme à luz de suas próprias lembranças de vida, apesar de não ter vivenciado o período da ditadura militar no Brasil, porque era uma criança pequena naquela época.

“Hoje” traz à tona o tema dos “desaparecidos”, ligado às torturas e mortes nos porões da ditadura militar e com o que aconteceu às pessoas que tiveram que enfrentar as consequências de tudo isso.

Esse drama político, que também é uma história de amor, ganhou seis prêmios no Festival de Brasilia de 2011: melhor filme, melhor direção de arte para Vera Hamburguer, melhor fotografia para Jacob Solitrenick, melhor roteiro para Jean-Claude Bernadet, Rubens Ewald e Felipe Sholl, melhor atriz para Denise Fraga e melhor longa para a crítica.

Como veem, o filme é um trabalho de equipe que foi recompensado e que espera agora os aplausos de seu público nos cinemas.

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