Ponte dos Espiões

“Ponte dos Espiões” - “Bridge of Spies”, Estados Unidos, 2015

Direção: Steven Spielberg

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Um texto na telona explica que vamos assistir a fatos ocorridos no auge da chamada “Guerra Fria”, entre Estados Unidos e a União Soviética (hoje Rússia), em 1957, quando ambos os lados tem espiões que são caçados.

O filme é uma aula de história magistral, sobre um episódio ocorrido no século XX, dada por Steven Spielberg, que, com seu talento para a narração em belas imagens, prende nossa atenção com cenas iniciais onde aparecem ruas na chuva, homens de sobretudo e chapéu, guarda-chuvas e carros negros com agentes do FBI e da CIA.

Um homem acaba de ser surpreendido em seu apartamento. Vimos, na cena anterior, que ele lia com um lupa um papelzinho escondido numa moeda que ele recolhera debaixo de um banco, frente ao rio. Parecia ser somente um pintor de certa idade, talentoso. Mas o FBI prende Rudolf Abel (interpretado com brilho e simpatia pelo inglês Mark Rylance) como suspeito de ser um espião soviético.

Tom Hanks (um dos atores preferidos de Spielberg) é um advogado de uma seguradora, conhecido por suas estratégias de defesa bem articuladas. Mas até ele se surpreende quando é chamado para defender o suposto espião soviético perante um tribunal americano.

“- É uma honra ser escolhido, mas não faço isso há anos”, responde Jim Donovan para o representante do governo que faz o convite.

O advogado é o protótipo do americano patriota que acredita na Constituição. O lema de que todos tem direito a um julgamento justo, o conduziu a vida toda. Então, não soa bem a seus ouvidos que até o juiz desse caso espera que ele defenda Rudolf Abel, mas apenas para mostrar que há justiça no país.

“- Você vai defendê-lo, mas todos sabemos que ele será condenado”, diz o juiz.

Da noite para o dia, Donovan passa a ser mal visto por onde passa e, até a polícia, que vem investigar um atentado a tiros em sua casa, acha que ele é um traidor da pátria por defender o soviético.

Era uma época em que os Estados Unidos eram sinônimo de anticomunismo. As crianças prestavam juramento à bandeira na escola e eram ensinados a como sobreviver, em caso de ataque nuclear. Havia histeria no ar.

Quando questiona a sentença do juiz, que quer ver o soviético na cadeira elétrica, Jim Donovan parece prever o futuro. Ele argumenta que, vivo, Abel poderia ser moeda de troca, se um espião americano caísse nas mãos do inimigo.

Foi o que aconteceu em 1962, quando o piloto americano Gary Powers caiu com seu U2, que fotografava território inimigo. É Donovan que vai negociar a troca dos espiões.

Complicação extra acontece quando um estudante americano é preso em Berlim Oriental.

Todo o suspense e tensão é gerado por impasses nas conversas entre o advogado e as outras autoridades envolvidas. Vai e vem angustiantes, num lugar perigoso, gelado e infestado de ameaças.

Essa história, contada através de um roteiro brilhante, escrito por Matt Charman e pelos famosos irmãos Cohen, tem até bastante humor, principalmente nas conversas de Donovan e seu cliente soviético.

“Ponte dos Espiões” é um filme para quem conhece e, principalmente, para que não conhece esse período da história do século XX.

Aprender com Spielberg é um privilégio.

 

 

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Viver é fácil com os olhos fechados

“Viver é Fácil com os Olhos Fechados”- “Vivir És Fácil con los Ojos Cerrados”, Espanha, 2013

Direção: David Trueba

Os anos 60 foram extraordinários. Toda uma geração cantou, dançou e amou ao som dos Beatles. Os quatro rapazes de Liverpool eram revolucionários, não só na nova estética que propunham mas principalmente no sentido de não aceitar as regras da sociedade de seus pais e pedir mais liberdade para os jovens.

Na Espanha, a ditadura do General Francisco Franco (1892-1975), que durou de 1936 até sua morte em 1975, conservadora, reacionária e brutal, espalhava um clima de terror entre  povo. A juventude espanhola estava com medo do futuro.

Pois foi em 1966 que John Lennon foi fazer um filme na Espanha, na cidade de Almeria. Os Beatles já haviam se apresentado em shows no país, mas dessa vez John  Lennon veio só, para filmar com Richard Lester “Oh! Que Delícia de Guerra”, uma comédia pacifista.

Foi então que um professor de inglês e latim de uma pequena escola pública, numa cidadezinha do interior, que usava as letras das músicas dos Beatles em suas aulas, sonhou algo impensável. Ele iria até Almeria para tentar se encontrar com John Lennon e convencê-lo a colocar a letra das músicas em seus discos. Ele achava que conhecer a mensagem desses rapazes seria muito importante, não só para os seus alunos mas  para todos os fãs dos Beatles.

A história é verdadeira e foi de onde partiu David Trueba para escrever e realizar seu filme “Viver é fácil com os olhos fechados”, que vem a ser a frase inicial de uma canção de John Lennon, “Strawberry Fields”, que ele realmente compôs durante a filmagem em Almeria, local de campos de morangos.

E lá se vai Antonio (o talentoso Javier Cámara, o enfermeiro de “Fale com Ela” de Almodóvar), gordinho, calvo, solteiro, trinta e tantos anos e ardoroso fã dos Beatles, em seu carrinho velho, ao encontro de seu sonho. O personagem, inspirado no professor que existiu, tem uma personalidade alegre, cativante, mas seu bom humor mescla-se com um quê de melancolia, num homem solitário.

E, no seu caminho, vai abrigar e dar carona à jovem e bela Belén (Natalia de Molina), que fugiu de uma casa onde abrigam mães solteiras que pensam em dar para adoção seus bebês e o adolescente Juanjo (Francesc Colomer) de 16 anos que também fugiu de casa porque seu pai, um policial autoritário, não quer vê-lo de cabelo comprido.

Os três desenvolvem uma sintonia perfeita ao longo do caminho e fazem nascer em nós uma torcida por eles, principalmente por Antonio, para que realize seu sonho quase impossível.

Uma Espanha pobre mas bela e solidária, choca-se com os representantes rudes dos camponeses de Almeria, que implicam com os cabelos de Juanjo. Claro que eles representam a Espanha que apoia Franco no poder. Ainda haveria anos negros naquele país. Mas o grito já fora lançado. Inevitavelmente, a Espanha mudaria seu percurso.

O filme com roteiro e direção de David Trueba (irmão menor de Francisco Trueba, 60 anos, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro por “Belle Époque – Sedução”de 1993), ganhou 6 Goyas, o Oscar espanhol, inclusive o de melhor filme, diretor e ator para Cámara.

Um filme agradável, bem feito, no formato tradicional dos filmes dos anos 60 mas anunciando a semente do que viria. 

Muito bom.

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