Encontros e Desencontros

“Encontros e Desencontros”- “Lost in Translation”, Estados Unidos, 2003

Direção: Sofia Coppola

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Tóquio é uma cidade que tem várias atrações. Nos hotéis a sofisticação, nas ruas de comércio de produtos caros pessoas “cool” desfilam vestes excêntricas, nos jardins a perfeição da natureza, o povo no metrô tão limpo e os restaurantes para todos os bolsos. As garotas coloridas e risonhas vestidas em quimonos são turistas também. Se você der sorte pode ver uma gueixa de verdade se for no bairro delas.

É nessa cidade bela e fria que chegam dois americanos que lá vão se encontrar. Talvez isso só fosse possível  em Tóquio que deixa o estrangeiro perdido e solitário.

Bob Harris (Bill Murray), um ator americano de uns 50 anos, veio fazer um comercial para o whiskey Suntory. Sonado, ele é recebido no Park Hyatt Hotel por um séquito de japoneses que se curvam e dão as boas vindas. Ele só quer dormir. Mas o pior é que o fuso horário é tão louco que ele não consegue.

E vai para o bar famoso do hotel. Mas está inquieto e quando dois sujeitos se aproximam para puxar conversa e dizem que são fãs dele, é a gota d’água. Volta para o quarto. São 4:20 da manhã. Chega um fax de Lydia, sua mulher.

Charlotte (Scarlet Johansson), muito jovem, loura e linda, também não consegue dormir. O marido, tão jovem quanto ela, ronca alto.

A hora de acordar chega e os dois desconhecidos estão no mesmo elevador. Ele nota a loura. Mas ela ainda não acordou direito.

O filme do whiskey é muito atrapalhado. O fotógrafo, jovem e estrelíssimo, grita em japonês e a tradutora não passa tudo que ele diz para Bob. Mas finalmente a coisa sai.

Charlotte não está bem. No templo budista que ela vai visitar, sozinha, porque o marido foi trabalhar, ela acompanha de longe uma noiva e um noivo num ritual no templo. Seu rosto expressa comoção com a cena. E tristeza.

No quarto olha a cidade pela janela, telefona chorosa para alguém que não tem tempo para consolá-la, espalha flores artificiais pelo quarto. Está perdida.

Os dois desconhecidos procuram um ao outro mas ainda não sabem. Até que, à noite, seus olhares se cruzam e ela sorri. É só o começo de algo que não é fácil de encontrar. Um homem mais velho e uma mulher bem jovem vão se aproximar para um encontro que vai preencher um lugar único na vida deles, apesar de tão pouco tempo juntos. Há uma compreensão e empatia instantâneas.

Sofia Coppola, 59 anos, era bem mais jovem quando escreveu, dirigiu e produziu esse filme, que lhe deu um Oscar de melhor roteiro original e um Globo de Ouro de melhor filme. Tinha 42 anos e “As Virgens Suicidas” de 1999, seu primeiro longa, tinha sido muito bem recebido. Depois vieram “Marie Antoinnete” 2006, “Um Lugar Qualquer” 2010 que ganhou o Leão de Ouro de Veneza, “Bling Ring” 2013, “O Estranho que Nós Amamos” 2017 e o novo filme “On the Rocks” 2020 que também tem Bill Murray.

Filha do cineasta Francis Ford Coppola (“Godfather”), ela tem uma família de diretores de cinema. A mãe Eleanor que fez sucesso com “Paris Pode Esperar” 2016 e Roman, o irmão de “Moonrise Kingdon” 2012.

“Encontros e Desencontros” no título em português e “Lost in Translation” no original, sugerem aquela comunicação entre seres humanos que é rara e sem grandes arroubos, nem sexualidade explícita. É bem mais do que isso e não pode ser posto em palavras. Está além. E é só deles dois. O que explica o sussurro final, só para ela ouvir.

Adoro.

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The English Game

“The English Game”- Reino Unido, 2020

Direção: Brigitte Staermose e Tim Fywell

Em fins do século XIX aconteceu algo impensável até então. Um tradicional jogo inglês, o futebol amador, ganhou o mundo, tornando-se o popular esporte que todos conhecemos. Julian Fellowes, o criador de “Downton Abbey”, escreveu para esta série a história desse jogo, que era visto anteriormente apenas como um bom exercício para meninos.

Foi uma dura luta fazer o futebol do povo ter acesso a competições oficiais, com os times de trabalhadores, já que só eram considerados para a Copa da Inglaterra, os times da elite, que jogavam só por esporte.

Essa série da Netflix, que tem 6 capítulos, torna-se interessante porque o futebol é contextualizado. Vamos ver a diferença dos costumes do século XIX frente aos nossos e perceber valores ligados à classe social privilegiada que se traduziam em preconceitos inabaláveis.

Os ricos aristocratas gostavam do futebol e jogavam muito bem entre eles. Claro que não ganhavam nada com isso. Nem precisavam. Era um jogo de cavalheiros, não de gente do povo. Até isso mudar.

E já vou avisando. Se você não é fã de futebol não se deixe levar pelo pensamento que a série é chata. O autor escreve um roteiro que se interessa pela vida dos personagens fora do campo. Tanto os ricos quanto os pobres.

Assim, enquanto a elite morava em mansões rodeadas de belos jardins, frequentavam jantares sofisticados, com cristal, cerâmicas finas e talheres de prata, os operários chegavam em casa exaustos, depois de um dia de trabalho duro e mal tinham convivência com a mulher e os filhos. E era só nos fins de semana que tinham tempo para o futebol e as conversas depois no “pub” local. Havia um abismo entre o modo de viver dos da elite e o povo de trabalhadores.

Claro que as preocupações também eram totalmente diferentes e eram quase mundos à parte.

Tudo começou a mudar com a chegada em Windsor, perto de Londres e onde ficava a Universidade de Eton, dos personagens principais, Fergus “Fergie” Sutter e Jimmy Love, que realmente existiram. Fergie é considerado o primeiro jogador profissional de futebol da história, ou seja, ganhava para jogar e incrementar o time. Os dois começaram suas carreiras na Escócia, comprados depois para jogar nos times ingleses, Darwen e Blackburn, ambos de jogadores que eram operários.

Todas as histórias da série vieram da imaginação do criador porque, apesar das pessoas serem reais, sabe-se pouco sobre eles. O que se sabe é que, no começo, foi um escândalo saber que os dois ganhavam dinheiro para jogar.

Quem entendeu a necessidade dos jogadores operários serem pagos para jogar futebol nos times de trabalhadores foi um aristocrata da Universidade de Eton, Arthur Kinnaird (Edward Hulcroft, belo homem e bom ator). Ele se aproximou mais dos operários e viu como viviam. Isso não passava pela cabeça de sua família de banqueiros.

Kinnaird viu com seus próprios olhos que quem trabalhava duro durante a semana não tinha fôlego nem tempo para se exercitar e realmente jogar dentro do campo. Ele entendeu que para ser um jogo com resultados justos, todos deveriam ter a mesma oportunidade.

Quando a Associação de Futebol da Inglaterra, com Kinnaird como presidente, admitiu e aceitou a profissionalização, os jogadores passaram a ser disputados pelos times. Para isso as regras tiveram de ser mudadas em 1885 e nenhum time de amadores ganhou a Copa da Inglaterra depois disso.

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